
O seu trabalho questiona visões preconcebidas sobre corpos – em particular, os negros. De que maneira busca um “novo” corpo?
O meu interesse é explorar como o corpo pode ser um espaço de transformação por meio da distorção, causando um curto-circuito na designação cultural preestabelecida, e como isso pode abrir outras possibilidades e maneiras de existir. Sinto que os corpos negros ainda são fortemente confrontados com narrativas estereotipadas, o que torna urgente vê-los em paradigmas múltiplos. Ao utilizar a distorção como um leitmotiv [motivo condutor], pretendo descentralizar o corpo de narrativas fixas e estruturas lineares. Com as formas que surgem desse processo, tento criar um espaço de reconhecimento e de fabulação especulativa e crítica em relação aos corpos, tanto para o performer quanto para o espectador.
O meu interesse é explorar como o corpo pode ser um espaço de transformação por meio da distorção, como isso pode abrir outras maneiras de existir

Para o espetáculo, você estudou fenômenos astronômicos, movimentos culturais e filosóficos. Como essa pesquisa auxiliou na criação?
Os principais pilares de DARKMATTER são o Black posthumanism [pós-humanismo negro], emprestado do acadêmico Phillip Butler, e o afrofuturismo. Tentei colocar narrativas sociais e especulativas, além da fenomenologia, em diálogo umas com as outras para criar uma cosmologia em que pudéssemos examinar as narrativas existentes e modificá-las. Ao examinar a matéria escura, uma substância hipotética que compreende aproximadamente 85% da massa total do Universo, e relacioná-la a conceitos como a negritude, cria-se um espaço para formas alternativas de se relacionar com esses conceitos. O que o corpo poderia se tornar, caso o abordássemos como algo hipotético? Como o corpo pode se tornar maleável? Como ele se relaciona com o som, o espaço e o tempo? Outra inspiração para o trabalho vem da técnica de remixagem chopped and screwed [picada e parafusada], criada por Robert Earl Davis Jr. (DJ Screw) e caracterizada por um andamento mais lento e vários efeitos de DJ. A partir dessa técnica, criou-se uma articulação lenta, densa, repetitiva e distorcida do movimento, do texto e do som.
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
Eu e outras pessoas estamos nos perguntando muito: qual é a relevância da dança hoje? Como o mundo está lidando com uma saturação de choque e tristeza, eu às vezes paraliso e me sinto desconfortável em pensar, sonhar e compartilhar a dança e a performance. Isso não é algo que todos possam exercitar. A dança e a performance nos permitem especular, refletir e desafiar a sociedade. Elas nos possibilitam imaginar outras realidades, partilhar histórias não contadas e criar espaço para aqueles que não têm o mesmo acesso a esse universo. Essa é a minha reflexão sobre o contexto teatral ou institucional. Quando a dança acontece fora desse âmbito, como uma troca social, sem qualquer foco de entretenimento, ela pode fazer com que “todo mundo” se apaixone pela vida, mesmo que seja apenas por uma fração de segundo.

A partir do conceito astronômico de “matéria escura”, substância hipotética que formaria grande parte do Universo, o espetáculo explora mecanismos de distorção para questionar imagens preconcebidas sobre os corpos. Para isso, a artista Cherish Menzo e seu parceiro de cena Camilo Mejía Cortés jogam a todo momento com a temporalidade. Coreografia, iluminação, vozes e trilha sonora (que bebe em técnicas e efeitos oriundos do hip-hop) transitam entre tempos e andamentos desconexos, criando certo estranhamento. É como se o corpo pudesse ser algo hipotético, maleável, que não se pode bem definir. Vemos surgir, assim, um “novo” corpo, enigmático. Nesse universo distorcido, Cherish desloca nosso imaginário de narrativas fixas e estereotipadas, criando espaço para a imaginação e outros modos de existência.
Your work challenges preconceived notions about bodies — especially Black bodies. How do you seek a “new” body?
My interest lies in exploring how the body can become a space of transformation through distortion, short-circuiting established cultural frameworks, thus opening new possibilities and ways of existing. I feel that Black bodies still face pervasive stereotyped narratives, making it crucial to envision them within multiple paradigms. By using distortion as a leitmotif, I aim to decentralize the body from fixed narratives and linear structures. Through the forms emerging from this process, I seek to create a space of recognition, speculative fabulation, and critical reflection regarding bodies, both for the performer and the audience.
My interest is exploring how the body can become a space of transformation through distortion, opening new ways of existing

For this piece, you studied astronomical phenomena, cultural, and philosophical movements. How did this research inform the creation?
The main pillars of DARKMATTER are Black posthumanism, as developed by scholar Phillip Butler, and Afrofuturism. I sought to engage social and speculative narratives, along with phenomenology, in dialogue to construct a cosmology where we could examine and reshape existing narratives. By exploring dark matter — a hypothetical substance constituting approximately 85% of the universe’s total mass — and relating it to concepts like Blackness, creating space for alternative ways of relating to these ideas. What could the body become if approached as hypothetical? How can the body become malleable? How does it relate to sound, space, and time? Another inspiration came from the “chopped and screwed” remix technique created by Robert Earl Davis Jr. (DJ Screw), characterized by slower tempo and various DJ effects. From this emerged a slow, dense, repetitive, distorted articulation of movement, text, and sound.
How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
I, along with others, constantly ask ourselves: what is dance’s relevance today? As the world experiences saturation from shock and sadness, I sometimes freeze, feeling uncomfortable about thinking, dreaming, and sharing dance and performance. Not everyone can afford this practice. Dance and performance allow us to speculate, reflect, and challenge society. They enable us to imagine alternative realities, share untold stories, and create space for those who lack access to this universe. This is my reflection regarding the theatrical or institutional context. When dance happens outside these spaces, as a social exchange without entertainment focus, it can make everyone fall in love with life, even for just a moment.
Using the astronomical concept of “dark matter,” a hypothetical substance making up most of the universe, the performance employs distortion to challenge preconceived body images. Artist Cherish Menzo and stage partner Camilo Mejía Cortés constantly play with temporality. Choreography, lighting, voices, and a hip-hop-inspired soundtrack shift across disjointed rhythms and paces, creating a sense of unease. The body itself becomes hypothetical, malleable, indefinable — an enigmatic “new” body emerges. Within this distorted universe, Cherish disrupts fixed, stereotyped narratives, opening imaginative spaces for alternative existences.
Confira a entrevista com com DJ Michell.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.