
Exótica convoca artistas racializados esquecidos pela história da dança europeia. Como articula suas evocações?
Quando Nicole Haitzinger, dramaturga da obra, se deparou com uma breve descrição desses artistas no livro La Danse d’Aujourd’hui [A Dança de Hoje, 1929], de André Levinson, chamou a sua atenção como eram mencionados. Eram considerados exóticos por serem diferentes. Embora muitos fossem europeus, não eram reconhecidos como tal por não serem brancos. Nicole se propôs a fazer uma re-historiografia de suas vidas e obras a partir de uma perspectiva decolonial e me convidou a fazê-lo com ela. Eu estava interessada em tematizar o olhar branco como o contexto em que se desenvolve a dança contemporânea, e me parece importante reconhecer as influências de outros pensamentos e práticas que foram levados para a Europa . No espetáculo, cada um dos bailarinos representa uma multidão: são camaleônicos, e suas obras desafiam identidades rígidas, reinventam o africano, o indiano, o espanhol, o curdo. Brincam com um público que os obriga a se representar como uma identidade fechada e estável. Articulamos suas reaparições com base na compossession, prática de composição que vai além da ideia de corpo, espaço e tempo no pensamento ocidental moderno. A proposta é buscar um reenactment que não se baseie na representação, mas na ideia de posse, como a possibilidade de ser habitado por outros. Para nos deixar habitar e transformar pela dança e pela presença desses ancestrais.
No espetáculo, cada um dos bailarinos representa uma multidão: eles são camaleônicos, e suas obras desafiam identidades rígidas

Qual o legado de La Sarabia, Nyota Inyoka, François Benga e Leila Bederkhan e quais estratégias vislumbra para driblar o olhar exotificante?
Seus legados artísticos são vastos – alguns cuidaram mais dos registros do que outros, alguns conseguiram desenvolver um pensamento coreográfico mais elaborado, como é o caso de Nyota Inyoka. Ainda assim, suas obras, biografias, personalidades e visões artísticas vêm sendo investigadas por novos historiadores, como Haitzinger e Ghillinger. Nós, como artistas, dançarinos e performers, temos contribuído para trazer suas danças de volta à vida. Hoje, essa parte importante da história recente da arte europeia está ressurgindo – e sendo reinterpretada a partir de uma perspectiva decolonial e anticolonial.
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
Para mim, a dança, a performance e o ritual são formas de conhecimento. Seu caráter incorporado os torna especialmente importantes em um mundo cada vez mais mediado pela tecnologia. A dança está em toda parte e é também uma forma de cura. O corpo e a experiência corporal são centrais, se pensarmos em formas de educação e cultura centradas no bem viver. Precisamos nos afastar do paradigma extrativista e pensar de outra maneira, transformar as ideias com as quais entendemos o que somos como corpos.

Mergulhando nas figuras de La Sarabia, (1878-1988), Nyota Inyoka, (1896-1971), François “Féral” Benga (1906–1957) Leila Bederkhan (1903-1986) – artistas de sucesso nos palcos europeus do início do século 20, mas que tiveram suas trajetórias apagadas da narrativa em torno da dança ocidental -, o espetáculo propõe um trabalho de re-historiografia: resgata o legado desses criadores, tidos como exóticos por não serem brancos, e do que seria a história racializada da dança europeia. Para isso, a diretora Amanda Piña instaura uma espécie de ritual, invocando essas figuras ancestrais. Como num teatro de variedades, os performers se alternam em cenas diversas, nas quais trazem representações desses artistas. Mas não se trata de interpretá-los a partir de uma perspectiva fixa e imutável sobre suas personalidades. O que se propõe é uma ideia de fluidez, multiplicidade e transformação em torno da identidade.
EXÓTICA brings together Brown artists forgotten in the history of European dance. How do you articulate your evocations?
When Nicole Haitzinger, the playwright, came across a brief description of these artists in André Levinson’s book La Danse d’Aujourd’hui [Dance Today, 1929], she was struck by how they were mentioned. They were considered exotic because they were different. While many were European, they were not recognized as such because they were not white. Nicole set out to conduct a re-historiography of their lives and works from a decolonial perspective and invited me to do it with her. I was interested in discussing the white gaze as the context in which contemporary dance develops, and I think it is important to recognize the influences of other thoughts and practices that were brought to Europe. In the show, each of the dancers represents a crowd: they are like chameleons, and their works challenge rigid identities, reinventing the African, the Indian, the Spanish, the Kurdish. They play with an audience that forces them to represent themselves as a closed and stable identity. We articulate their reappearances based on compossession, a compositional practice that goes beyond the idea of body, space, and time in modern Western thought. We pursue a reenactment that is not based on representation, but on the idea of possession, as the possibility of being inhabited by others. To let ourselves be inhabited and transformed by the dance and presence of these ancestors.
In the show, each of the dancers represents a crowd: they are like chameleons, and their works challenge rigid identities.

What is the legacy of La Sarabia, Nyota Inyoka, François Benga, and Leila Bederkhan, and what strategies do you envision to circumvent the exoticizing gaze?
Their artistic legacies are vast — some took better care of their records than others, some managed to develop a more elaborate choreographic thought, as is the case with Nyota Inyoka. Still, their works, biographies, personalities, and artistic visions are being investigated by new historians, such as Haitzinger and Ghillinger. We, as artists, dancers, and performers, have contributed to bringing their dances back to life. Today, this important part of recent European art history is resurfacing — and being reinterpreted from a decolonial and anti-colonial perspective.
How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
For me, dance, performance, and ritual are forms of knowledge. Their embodied nature makes them especially important in a world increasingly mediated by technology. Dance is everywhere and is also a form of healing. The body and bodily experience are key if we think about forms of education and culture centered on good living. We need to move away from the extractive paradigm and think differently, transforming the ideas with which we understand what we are as bodies.
Delving into the figures La Sarabia (1878-1988), Nyota Inyoka (1896-1971), François “Féral” Benga (1906–1957), and Leila Bederkhan (1903-1986) — artists who were successful on European stages in the early 20th century, yet whose careers have been erased from the narrative surrounding Western dance —, the show proposes a work of re-historiography: it reclaims the legacy of these creators, considered exotic because they were not white, and of what a Brown history of European dance would be. To do so, director Amanda Piña establishes a kind of ritual, invoking these ancestral figures. Like in a Théâtre des Variétés, the performers take turns in different scenes, in which they bring these characters to life. But it is not a matter of playing them from a fixed and immutable perspective about their personalities — what is proposed is an idea of fluidity, multiplicity, and transformation around issues of identity.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.