
Editora, crítica literária e curadora da Flip 2026 observa expansão do mercado editorial e diversificação de autores, temáticas e leitores no país
Leia a edição de Dezembro/25 da Revista E na íntegra
POR LUNA D’ALAMA
FOTOS NILTON FUKUDA
Criada em 2003, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) chega à sua 24ª edição em 2026. Imersa em livros e autores, quem fará a curadoria da Flip no próximo ano é a editora e crítica literária Rita Palmeira, doutora em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), ex-curadora da livraria Megafauna e apresentadora do podcast Livros no Centro até o fim de 2025.
Rita Palmeira já atuava, desde 2017, como mediadora de mesas e debates da programação principal do evento de Paraty. Debateu com grandes nomes contemporâneos, como a francesa Annie Ernaux (Nobel de Literatura em 2022) e o chileno Benjamín Labatut, além dos brasileiros Jeferson Tenório, Socorro Acioli e Micheliny Verunschk. Sucedendo a curadoria de Ana Lima Cecilio, realizada em 2024 e 2025, Rita traz consigo a paixão pelos livros e por novidades do mercado, bem como uma habilidade para escuta, que contempla vozes diversas.
Um de seus escritores prediletos é Milton Hatoum, e ela indica o novo romance do amazonense, que fecha a trilogia O lugar mais sombrio: Dança de enganos (Companhia das Letras, 2025). “É das melhores coisas que já li, de um autor brasileiro vivo, muito vivo”, revela.
Neste Encontros, Rita Palmeira fala sobre a ampliação do mercado editorial, com cada vez mais feiras, festas e festivais, e a crescente diversidade de autores em termos de gênero, raça, região, orientação sexual, temas e perspectivas.
EXPANSÃO DO MERCADO
O Brasil ainda tem grandes grupos que publicam livros fundamentais, mas hoje também há uma ampliação do mercado, com maior circulação e distribuição, inclusive de editoras fora do eixo Rio-São Paulo, o que sempre foi uma dificuldade. Além disso, novas livrarias, espaços, festas e feiras literárias vêm contribuindo para ampliar a presença de autores publicados. Essas editoras pequenas e independentes ajudam a fortalecer o debate, ao publicar livros sobre temas particulares que, talvez, as grandes não tenham interesse ou não possam.
DIVERSIDADE AUTORAL
Há, atualmente, uma presença feminina no mercado editorial muito maior que em outros tempos, além de uma diversidade racial, regional, de orientação sexual, de temáticas e de perspectivas. Há, inclusive, um interesse maior por autores e autoras que tratem desses assuntos. Também podemos citar o fenômeno Itamar Vieira Junior, que é um baita escritor e acabou de publicar Coração sem medo, o terceiro livro de sua trilogia [formada por Torto arado (2019) e Salvar o fogo (2023), todos editados pela Todavia]. Então, além da expansão do mercado, há um amadurecimento do debate sobre as minorias e uma ampliação de quem produz e de quem consome literatura no país. Isso muda o perfil das editoras, das livrarias e das festas literárias, porque é uma onda que chegou para ficar. Ninguém vai retroceder. Esse fenômeno reorienta a literatura brasileira contemporânea, pois criaram–se possibilidades para autores que antes não tinham espaço.
RESGATE DO TEMPO
A internet e as redes sociais nos trouxeram uma imensidão de coisas boas. Não sou saudosista do tempo absolutamente analógico. Agora, há um lado tenebroso [da economia da atenção] que nos sequestra horas importantes de leitura e de escrita. Pesquisas apontam que, a partir do momento em que você pega o celular, se passam mais de 20 minutos para voltar a ter foco no que estava fazendo. Isso nos tira a capacidade de leitura e de concentração, algo que também serve para a produção escrita, intelectual. Alguns autores conseguiram tematizar esse assunto de uma maneira muito interessante, a ideia de cancelamento, de perfil, de lacração e todo esse vocabulário e universo de sociabilidade e afetividade que é perpassado pelo uso das redes, como fenômeno social. Esse sequestro do tempo pode gerar histórias que discutam, debatam e reflitam sobre a situação.
ESPAÇO DA CRÍTICA
Houve, neste século, um esvaziamento do espaço de crítica cultural nos jornais, o encerramento de suplementos literários. No Rio, hoje só restou O Globo. Tudo rareou. Ao mesmo tempo, surgiu a Quatro Cinco Um, que é a revista dos livros e ocupa essa grande lacuna. Talvez seja a principal publicação impressa de resenhas do país, num sentido mais comercial e menos acadêmico, para o grande público. Essa publicação – da mesma associação que faz A Feira do Livro de São Paulo – se firmou no mercado e tem também um podcast. Agora, não adianta ter apenas uma revista num país com dimensões continentais, com uma produção muito variada. O Suplemento Pernambuco também é excelente, mas são iniciativas que não dão conta do tamanho do nosso mercado editorial e, portanto, do que a crítica poderia contribuir na divulgação de livros.
ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO
Como é que as pessoas estão conhecendo os livros hoje? Elas chegam à livraria, são surpreendidas e compram? Aí entra a importância das redes sociais. No TikTok, você tem influenciadores e outras pessoas que trabalham com livros e fazem a divulgação. Há os booktubers, que são figuras fundamentais, além de podcasts e clubes do livro que também têm ampliado a divulgação de novos títulos. Então, você vai criando estratégias, faz críticas ou resenhas ligeiras, ações pagas ou não. Há, ainda, divulgadores de grandes editoras que ajudam essa nova produção a circular. E, do ponto de vista da democratização do acesso, as pequenas editoras têm criado mecanismos para divulgar seus livros sem depender tanto da crítica especializada. Existem mil estratégias. Nesse sentido, as redes sociais contribuem muito para uma maior divulgação e circulação dos livros.

FEIRAS E FESTAS
As feiras e festas literárias têm um papel muito importante, e a proliferação delas pelo Brasil e por cidades pequenas é um fenômeno deste século. Acredito que o sucesso da Flip foi fundamental para isso, mostrando que há um espaço grande que pode ser ocupado por organizações de estados e cidades diferentes, com suas próprias curadorias e convidados. Se esses festivais não existissem, haveria uma dependência maior em relação às editoras, que precisariam se encarregar de levar o autor às principais capitais – um jeito de as obras ficarem conhecidas. Então, as feiras e festas literárias contribuem para que eles viajem e divulguem suas produções. Além disso, promovem um grande intercâmbio entre escritores brasileiros e estrangeiros. Isso é fundamental, tanto do ponto de vista doméstico – para a circulação de autores aqui dentro – quanto internacional, para que tenhamos nossos direitos de publicação comprados lá fora. Os principais autores brasileiros são superconhecidos no exterior, e isso, em parte, se deve às feiras e festas literárias.
PASSAPORTE FLIP
O que aconteceu nos últimos 20 anos foi uma internacionalização da nossa literatura. E aí tem mil razões para isso ter acontecido, como o Brasil ter sido o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt (Alemanha), em 2013, e outras tantas iniciativas, como de universidades estrangeiras que fazem convites para que escritores brasileiros viajem. Além disso, a Flip teve alguns pilares para se internacionalizar, e um deles foi a editora inglesa Liz Calder, fundadora da Bloomsbury. Já na segunda edição da Flip, o evento saiu num jornal inglês. Além disso, quando você traz figurões globais junto a escritores nacionais, chama a atenção das editoras e de agentes literários para esse universo. Nesse sentido, as feiras e festas literárias são fundamentais para que a literatura brasileira ganhe outro status, não só interna, mas internacionalmente.
PRÓXIMO CAPÍTULO
Quando a Flip surgiu, foi estabelecida uma parceria fundamental com o editor Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras. Devo citar também Mauro Munhoz, Belita Cermelli, Luiz Farkas e a inglesa Liz Calder. Schwartz e Liz, nessa parceria, conseguiram trazer autores muito importantes para o Brasil. Num primeiro momento, poderia parecer uma festa de uma editora só, mas rapidamente isso se desfez. Houve uma série de manifestações de que era preciso dar espaço para editoras menores. Surgiu a Flipei (Festa Literária Pirata das Editoras Independentes) em 2018, com seu barco, e vieram as casas parceiras, como a das Edições Sesc. Hoje em dia, são cerca de 90 casas. Além disso, foi ampliada a programação paralela, o que responde a uma demanda por democratização.
PODCASTS LITERÁRIOS
Quando surgiram os podcasts literários no Brasil, eles eram, sobretudo, entrevistas, algo que é maravilhoso e fundamental também. Há podcasts excelentes, produzidos tanto por editoras quanto por escritores. O podcast da livraria Megafauna, Livros no Centro, conta histórias de pessoas que tiveram a vida, de alguma maneira, alterada pelo convívio com livros ou por leituras específicas. Transformamos o ato de ler numa coisa divertida, e esse encontro com o livro ou com o autor – ou com a leitura, a poesia, livros infantis – em uma experiência narrativa também. Contamos uma história sobre alguém que gosta de histórias. Isso ajuda a aproximar leitores e não leitores do universo dos livros.
A editora e crítica literária Rita Palmeira, curadora da Flip 2026, participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 23 de outubro de 2025. A mediação do bate-papo foi do jornalista Jefferson Alves de Lima, editor nas Edições Sesc São Paulo.
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