MINAS DE OURO | Experiência nº 2 | Performance Monumento | Bienal Sesc de Dança

02/09/2025

Compartilhe:
Foto: Carmen Luz

🇧🇷 🇺🇸

Entrevista com Carmen Luz | Concepção, dramaturgia e direção geral

A obra propõe o confronto com a cidade e o encontro com a dança e a beleza da mulher negra, além de trabalhar a ideia de monumento. Que paradigmas esse confronto-encontro traz?
O mais evidente é o corpo da mulher negra como depósito de estigmas, local de fetichização e propriedade patriarcal. Esse paradigma aumenta exponencialmente quando se trata da artista da dança do samba. Minas de Ouro confronta essa visão, expondo as agências, as subjetividades, a criatividade dessas artistas e as tecnologias ancestrais das mulheres negras que as inspiram. Duas noções que alicerçam o trabalho são a beleza e o desenterro. Desenterrar, exumar e celebrar como contraponto. Eu queria recuperar a comparação popular entre mulher e monumento, um elogio ao corpo, expresso de forma contundente, às vezes hiperbólica. Fora de seus contextos, as passistas são, geralmente, vistas como um corpo; eu diria: como uma escultura viva, um monumento rebaixado. O trabalho reflete sobre dança e memória, sobre o poder de dançar e o poder de apagar, sobre os paradigmas dominantes de classe, raça e gênero.

Penso MINAS DE OURO como uma experiência em que visões sedimentadas e estereótipos possam se deslocar e se espalhar por uma complexidade de ritmos, até quebrar.

MINAS DE OURO. Foto: Claudia Ferreira
Foto: Claudia Ferreira

A performance foi criada no Rio de Janeiro. Como ela se expande em outro contexto urbano? O ponto de partida é a relação entre arte e cidade, práticas culturais e território, corpo, movimento e dança. No Rio, ela foi realizada na área construída sobre os ossos de nossos antepassados escravizados e que Heitor dos Prazeres chamou de Pequena África, um lugar de resistência cultural negra. Era importante enfrentarmos aquela imensidão cimentada, festejar nossos ancestrais e compartilhar a dança e o pensamento das passistas contemporâneas. Como um pilar nacional, as expressões culturais afro-brasileiras estão em toda parte. Estou estudando o samba paulista e a cidade de Campinas, encontrando os níveis de visibilidade e invisibilidade de suas belezas negras. Toda cidade é uma arena de permanente exposição, encontros, confrontos e transformações. Penso MINAS DE OURO como uma experiência em que visões sedimentadas e estereótipos possam se deslocar e se espalhar, do jeito que for, por uma complexidade de ritmos, até quebrar. Estou propondo uma interação de trajetórias entre artistas da dança do samba do Rio e Campinas, e uma deriva poética a quem for acompanhar a nossa comunhão.

Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos? Eu gosto de pensar a dança como distração; é, ao mesmo tempo, divertimento, desvio, engajamento, caminho de conhecimento e autoconhecimento. Daí sua dimensão política. Nos tempos em que vivemos, de solidariedade frágil, repleto de crises sem freios, penso que a dança é uma suspensão, uma experiência de fortalecimento, um espaço criador de utopias. Um dos meus poetas de cabeceira escreveu que “distraídos venceremos”. Eu adoro a multidimensionalidade brincante desse verso, ela me ajuda a perceber os fluxos, imaginar outras ordenações a contrapelo do escravagismo contemporâneo.

Minas de Ouro. Foto: Carmen Luz
Foto: Carmen Luz

Sinopse

MINAS DE OURO | Experiência nº 2 | Performance Monumento

Um cortejo, um desfile de esculturas vivas conduzido por um grupo de passistas com placas e adereços que remetem àqueles usados por vendedores de ouro em grandes centros urbanos. Colocando em questão os múltiplos sentidos das palavras ver, vender, minas, memória e monumento, a intervenção pública busca compartilhar histórias, resgatar memórias e quebrar paradigmas em torno da mulher negra sambista. O percurso em via pública é permeado de samba e da performance dessas dançarinas – as apresentações na Bienal contam com artistas do Rio de Janeiro, onde a primeira versão da obra foi criada, e da região de Campinas, que participaram de uma residência com a equipe criativa. Ao longo da trajetória, a performance confronta o estigma sobre essas mulheres (vistas como monumentos sexuais, mas historicamente rebaixadas e silenciadas) e evidencia as agências e criatividades das artistas, além de celebrar as tecnologias ancestrais da mulher negra.


🇧🇷 🇺🇸

Interview with Carmen Luz | Concept, dramaturgy, and general direction

The work confronts the city while celebrating dance and the beauty of Black women, and it also explores the idea of the monument. What paradigms does this confrontation-encounter bring forth?
The most evident is the Black woman’s body as a repository of stigma, a site of fetishization, and patriarchal property. This paradigm intensifies exponentially when we speak of the samba dancer. Minas de Ouro confronts this view, exposing the agency, subjectivity, and creativity of these artists and the ancestral technologies of Black women who inspire them. Two notions that ground the work are beauty and unearthing. To unearth, exhume, and celebrate as a counterpoint. I wanted to revisit the popular comparison between woman and monument, a praise of the body, expressed strongly, sometimes hyperbolically. Outside their contexts, passistas are often seen as just a body; I would say: as a living sculpture, a diminished monument. The piece reflects on dance and memory, on the power to dance and the power of erasure, on the dominant paradigms of class, race, and gender.

I think of MINAS DE OURO as an experience in which entrenched visions and stereotypes can shift and spread, across a complexity of rhythms, until they break.

Minas de Ouro. Foto: Carmen Luz
Foto: Carmen Luz

The performance was first created in Rio de Janeiro. How does it expand in a different urban context?
The starting point is the relationship between art and the city, cultural practices and territory, body, movement, and dance. In Rio, it was staged on ground built over the bones of our enslaved ancestors — what Heitor dos Prazeres called “Little Africa,” a site of Black cultural resistance. It was important to confront that cemented immensity, to celebrate our ancestors, and to share the dance and the thinking of contemporary passistas. As a national pillar, Afro-Brazilian cultural expressions are everywhere. I am currently studying the samba of São Paulo and the city of Campinas, mapping the levels of visibility and invisibility of its Black beauties. Every city is an arena of ongoing exposure, encounters, confrontations, and transformations. I think of MINAS DE OURO as an experience in which entrenched visions and stereotypes can shift and spread, in whatever way, across a complexity of rhythms, until they break. I propose an interaction of trajectories between samba dancers from Rio and Campinas, and a poetic drift for those who join our communion. 

How do you see the role of dance in today’s society, and what can it mobilize or reveal about our times?
I like to think of dance as distraction; it is at once amusement, deviation, engagement, a path of knowledge and self-knowledge. Hence its political dimension. In the times we live in — of fragile solidarity and unrestrained crises — I see dance as suspension, as an experience of strengthening, as a space for creating utopias. One of my favorite poets wrote, “Distracted, we shall win.” I love the playful multidimensionality of this verse; it helps me perceive flows and imagine other orders that move against the grain of contemporary enslavement. 

Synopsis

MINAS DE OURO | Experience No. 2 | Monument Performance

A procession, a parade of living sculptures led by a group of passistas carrying signs and props reminiscent of those used by gold sellers in large Brazilian urban centers. By questioning the multiple meanings of “to see,” “to sell,” “mines,” “memory,” and “monument,” this public intervention seeks to share stories, reclaim memories, and challenge paradigms around Black women in samba. The public route is permeated by samba and by the performance of these dancers. The Biennale features artists from Rio de Janeiro, where the first version was created, and from Campinas, who joined the creative team in residency. Along the way, the performance confronts the stigma imposed on these women (seen as sexual monuments but historically diminished and silenced) and highlights the artists’ agency and creativity, while celebrating the ancestral technologies of Black women. 

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.