Na Plateia #2 — Russo Passapusso

02/03/2018

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Todo mundo já foi público. Tipo, todo mundo que tá no palco, já foi público, e se constrói com o público. De Tom Jobim a John Lennon, de Dodô e Osmar a Caetano e Gil. E, se você, caro leitor, que é aquela pessoa bacana, levando a vida dum jeito tranquilão, sem muitas emoções pois o sedentarismo cimentou algumas artérias e juntas juntamente com a sua paciência para música ao vivo — mesmo partindo disso tudo — , você se lembra quais foram os shows que te fizeram transcender aquela condição estacionária da vida, não lembra?

Pois bem, uma das cabeças por trás da música mais ligada no 220V que há hoje em dia — além de frontman de um show igualmente pilhado e catártico — , também tem lá suas histórias pra contar sobre os shows da sua vida. Russo Passapusso, cantor e compositor do Baiana System, trocou uma ideia com a Zumbido, sentado “Na Plateia” do Sesc Pompeia, pra fazer o link entre Brasil, Estados Unidos e Jamaica culminar no show do Baiana. O relato na íntegra vem na sequência.



01 — “nada mais é que um show que você também se faz como público…”

“Olha, eu tenho uma lembrança bem forte da primeira vez eu que vi um show, assim, vai parecer até que é puxação, porque o cara convive muito comigo e tal, mas isso foi um pouco antes ali da convivência mesmo forte, da amizade forte que a gente tem, mas foi com o Curumin, principalmente. Foi muito louco na minha cabeça, pela forma sem pretensão que ele faz o show.

Eu já vi ele tentar montar shows fantásticos, montar repertório, saber a hora da luz, a hora do isso, a hora do aquilo, tentando ver o que seria e o que não seria, e ver o Curumin entrar com a banda dele, tranquilamente, sentar na bateria, dar boa noite para o público e de repente ele estava ali tocando, e o show foi criando uma áurea de intimidade com o público muito grande.

Aí eu tive esse aprendizado, de que não necessariamente você precisa ter aquela maquiagem, ou aquela superentrada, ou isso e aquilo, e que a coisa pode ser progressiva, e que o show que mais aproxima, nada mais é que um show que você também se faz como público, e o Curumin tem muito disso.

É muito natural essa forma dele trabalhar, é sem pretensão. Depois disso a gente acabou gravando disco, ele fez a produção do meu disco, isso e aquilo, juntos, foi também dentro desses moldes de tirar ali a pretensão, de fazer a voz que mais você canta, não a que você gostaria de cantar, sem maquiagem, isso tudo.

02 — “tinha uma transformação muito grande dentro daquilo…”

“Depois eu tive a oportunidade com o Baiana de viajar para Tóquio, não lembro muito do nome do festival. Fuji. Fuji Rock.

E aí eu vi o show do Death Grips, que é um cara que eu sou apaixonado, me ajudou assim, a tirar os estereótipos de ‘Ai, trap. Ai, rock. Ai isso, e ai aquilo’, e também a reencontrar um caminho da atitude sem precisar estar colocando numa prateleira, ou num estereótipo aquilo ali. Foi um show fantástico.

Ali eu vi muito do que seria uma ideia do que a gente traz como desconstrução musical, dentro dessa antropofagia de que todo mundo levanta essa bandeira hoje de antropofagia e tal, mas eu vejo muito que tá todo mundo dentro do caminho dos hits, através do sexismo, da violência, das coisas que chamam atenção, e o Death Grips mostrou outros caminhos dentro desse show.

O telão ali era um telão de luz, sem projeção, uma luz forte, de frente para o público, aonde você nem conseguia enxergar o que estava acontecendo, mas tinha uma transformação muito grande dentro daquilo, então esse show foi muito importante. Tinha dois palcos, o da Björk e o do Death Grips. Eu saí correndo para o do Death Grips para assistir e foi o melhor show que eu assisti na minha vida, foi muito forte.

03 — “Eu não sabia que em um show vazio conseguia ter uma catarse interna daquele jeito.”

“E o terceiro show foi um show também há muito tempo atrás, o do MiniStereo Público. A gente fez MiniStereo Público e Ranking Joe, que é um cara da Jamaica. Um jamaicano toaster, dessa escola que eu mergulhei muito e aprendi muito. O toaster na Jamaica é mais ou menos como o sambista no Brasil. Um cara que faz parte mesmo da cultura de rua, do lifestyle, desse estilo de vida e tal.

Na Bahia ninguém conhecia Ranking Joe na época, até hoje acho que muita gente não sabe quem é, e o show foi totalmente vazio. Eu entrei meio desanimado, porque o show era vazio, eu era uma das pessoas que estavam cantando ali.

Eu cantei, fiz minha participação, depois desci para o público, tinha poucas pessoas. Foi a primeira vez que eu vi o Ranking Joe cantar, ele levantava a cabeça assim, não olhava, só ficava olhando em transe para baixo. Ele cantou mais de uma hora e meia, quase duas horas, duas horas e meia sem parar, e tudo linear, tudo fortíssimo, com uma atenção como se tivesse cantando para trezentas milhões de pessoas.

Ele fez aquele show ali, na Bahia, no Pelourinho, na Ladeira da Montanha, com o SoundSystem, tinham seis, sete pessoas na frente dele, que eram as pessoas do SoundSystem, da gente, e ele deu uma atenção e abriu o coração e a alma, e ali ele libertou muita coisa. Eu não sabia que em um show vazio conseguia ter uma catarse interna daquele jeito.

Então esses três shows, o Ranking Joe, mais o MiniStereo Público e o SoundSystem; o Curumin, ali antes de eu entender quem era Curumin, com aquela coisa natural dele, eu vi depois conhecendo ele que era tudo verdade; e o Death Grips explodindo, mostrando ali a coisa visceral, sem estereótipos e sem aquela coisa do mercado, é assim que ele caminha. E foi isso aí que a gente aprendeu.


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