*Por Paulina Chamorro
Quando Neiva Guedes começou a estudar as araras-azuis, há mais de 30 anos, a espécie estava quase extinta na natureza. Foi o olhar e o amor desta bióloga pelo Pantanal e pelas araras que salvou a espécie da extinção e a transformou em uma das maiores referências no mundo no estudo de psitacídeos (grupo de aves).
Neiva Guedes quis fazer faculdade de Medicina, mas para ajudar em casa, escolheu estudar Biologia à noite. Sorte das araras, do Pantanal e da conservação no Brasil. Sua paixão pelas araras-azuis foi fulminante. Recém-formada e fazendo um curso sobre conservação da natureza, Neiva avistou pela primeira vez as araras no Pantanal no mesmo dia em que descobriu que elas estavam fadadas a desaparecer.
A partir daí sua vida não se separou delas. Logo Neiva entendeu que para estudá-las não seria possível monitorar apenas um indivíduo, ou somente um ninho; era preciso acompanhar vários grupos de araras. Isso só seria possível rodando o Pantanal para mapear os ninhos, contar quantos ovos tinham, quantos filhotes nasciam, onde as araras estavam se reproduzindo. Nenhuma dessas informações existia. Foi Neiva quem reuniu o extenso histórico atual.
Hoje, a partir das pesquisas pioneiras da bióloga, a arara-azul é reconhecida como uma espécie-chave na conservação dos ambientes. Consideradas “engenheiras ambientais”, as araras fazem cavidades em árvores, que são usadas por outras espécies, e dispersam frutos para muito longe da planta mãe.
Em 1990, já com o projeto formalizado e os métodos estabelecidos, Neiva saiu pelo Pantanal, a partir da região do município de Miranda (MS), replicando sua forma de trabalho. Ela descobriu que precisava aprender a escalar e para isso descolou uma ajuda com a WWF Internacional, que enviou um biólogo americano com experiência em escalar árvores na Amazônia. Neiva rapidamente aprendeu a subir os manduvis e outras árvores onde as araras costumam construir suas casas. “Ele ensinou uma vez e eu tinha tanta vontade de aprender que na segunda eu já falei: ‘pode deixar’”, relembra Neiva. “Em 40 dias da primeira campanha do projeto já aprendi a escalar com facilidade”, complementa.
A primeira aventura de Neiva pelo topo das árvores, quando foram catalogados 54 ninhos, tornou-se o ponto de partida de um dos grandes exemplos de conservação do Brasil e do mundo.
Araras-azuis foram capturadas aos milhares nos anos 1980 para serem vendidas como aves de estimação. Ao fim da década, estimava-se uma população de apenas 1,5 mil indivíduos. Hoje, cerca de 6,5 mil vivem principalmente no Pantanal, mas também em áreas onde antes há muitos anos não eram registradas, como no Cerrado.
Para a comunidade científica, um dos grandes avanços, além do envolvimento com a comunidade na conservação da arara, foi descobrir que um dos principais problemas na reprodução da espécie era a falta de cavidades naturais. Apesar da aparente harmonia do Pantanal com seu cenário paradisíaco, havia uma disputa entre aves pelos buracos nos troncos.
“Fui estudando, entendendo, desenvolvendo a metodologia e também criando na própria natureza, com a recuperação de ninhos naturais e a instalação de ninhos artificiais. A resposta foi generosa. Agora, muitos proprietários de terras no Pantanal pedem para ter ninhos em suas áreas, ou também plantam árvores para ter araras rasgando o céu pertinho do quintal”, comenta Neiva.
Foto: João Marcos Rosa/Nitro.
Vendo as jovens pesquisadoras da equipe do Instituto Arara-azul em campo é possível compreender de onde veio a inspiração para o trabalho. Todas fazem tudo, todos os dias, de acordo com os ensinamentos de Neiva. Pilotam o veículo em regiões sem estradas, escalam as árvores com habilidade, carregam a comida feita à noite para seguir monitorando os ninhos e ainda seguem todo o protocolo de pesquisa. Essa interdisciplinaridade é uma característica muito importante para o projeto.
Atualmente, com três décadas de atuação em pesquisa e monitoramento, o Instituto Arara-Azul, Neiva Guedes e todos os pesquisadores e pesquisadoras que trabalham com a espécie têm um grande desafio: lutar pela sua conservação, frente ao fogo no bioma Pantanal, que nos últimos cinco anos tem arrasado grandes extensões onde as araras vivem. Mas a resistência e amor por elas é maior do que o desafio, ao menos para Neiva.
“Acredito que é possível, acredito que ainda tenho um papel, uma responsabilidade a cumprir. E quanto mais temos dificuldades, mais é hora de mostrar trabalho” finaliza. A missão de Neiva é semelhante à das araras: criar abrigo para outras espécies, contribuir com a dispersão das sementes para a manutenção da biodiversidade e ensinar conservação através da beleza da natureza.
Essa matéria faz parte da série “As Histórias de Amor de Mulheres pela Natureza do Brasil”, criada pela jornalista Paulina Chamorro ( @pauli_chamorro ) e pelo fotógrafo João Marcos Rosa ( @joaomarcosrosa ) baseado no projeto “Mulheres na Conservação”, que reúne histórias de mulheres que mudaram completamente a conservação de espécies e áreas, dedicando sua vida. Os desafios são muitos e dar visibilidade a quem está fazendo a diferença pela natureza do Brasil é o primeiro passo para que estas grandes mulheres sirvam de inspiração para outras.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.