
Foto: Rubens Tamashiro
Por Fabio Corrêa*
Apresentado na Bienal Sesc de Dança 2025, em Campinas, o espetáculo Autophagies (Autofagias) vai muito além da dança: ele provoca uma reflexão profunda sobre nossos hábitos, nos leva a pensar nas histórias por trás do que chega ao nosso prato e nos faz viver a força de um banquete coletivo.
Dirigido pela franco-malinquense Eva Doumbia e com Mariela Santiago como mestra de cerimônias, o trabalho combina dança, rituais e degustação para despertar percepção, ancestralidade e consciência alimentar.
Ao entrar, o público é envolvido pelo aroma e pela preparação ritualística do mafê, prato africano que embala a narrativa. “Quando você chega, já começa a perceber e ver aquela pessoa preparando o alimento. Ela vai te conectando ao que está por vir e você vai ficando mais imerso. Todos os seus sentidos são estimulados e provocados”, conta Michel Pinheiro, designer gráfico que assistiu à apresentação.
O espetáculo ativa lembranças inesperadas no público. Michel, por exemplo, lembrou de seus avós durante a apresentação. Para ele, a memória afetiva resgata sua família, que sobreviveu do plantio de arroz e banana entre Juquiá e Registro, cidades do interior de São Paulo, ligando a experiência apresentada no palco a vivências ancestrais e territoriais, fora da cena artística, mas despertada por ela.

O espetáculo nasceu de uma pesquisa histórica e culinária que revela o papel da alimentação nas relações de poder entre humanos e outras espécies. A dança, inspirada na agricultura, dialoga com a dramaturgia e a música para dar voz a histórias pessoais e coletivas.
“Ela (a dança) nos coloca numa situação de inquietação, mas sobretudo de reflexão: do que eu estou me alimentando?”
O aroma, o sabor e a temperatura da comida se somam às lembranças despertadas pelas histórias de resistência. Em 95 minutos, ritmos de várias partes do mundo, da África à América Latina, se cruzam em uma celebração conduzida, também, pelo olhar atento a quem está ao redor, onde cada espectador processa e expressa suas emoções de maneira única.
Detalhes como o desconforto no abraço inicial, compartilhado coletivamente, marcam também o impacto social e emocional do espetáculo.

No ápice do rito, a degustação do mafê faz do público protagonista da experiência: “Quando a gente experimenta o prato… além da complexidade dos ingredientes, dá a impressão de que você consumiu o espetáculo”, completa Michel. Este momento transcende o simples ato de comer, é uma comunhão que une corpo e memória, tornando visível a história e as tensões por trás da alimentação.
Mais do que assistir, Autophagies transforma o sentir em corpo, memória, território e resistência.
*Fabio Corrêa é funcionário do Sesc São Paulo e integra a equipe de Comunicação do Sesc Jundiaí
Confira a entrevista com com DJ Michell.
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