
* Por Mayumi Kitamura
Há um movimento de maré no peito de cada mulher. É a maré que vaza, o ar que se inspira: um recolhimento necessário para olhar para dentro, para o que o silêncio da praia particular revela sobre si. Nesse mergulho, se encontram forças, desejos e a própria identidade. Depois, há a maré que enche, o ar que se expira: a força que transborda e se lança ao mundo, buscando o encontro. É o olhar que, após encontrar a si, se volta para a outra.
Este movimento de respiração – do eu para o nós – foi a alma do Maré Delas 2025, que culminou no potente encontro “Amor como Força Política”, no Sesc Bertioga.

Um legado de luta: o tempo das conquistas
Um convite ao diálogo que ecoa em um lugar de memória. A própria história da unidade se entrelaça com a do movimento feminista. Em meio ao público, formado por homens e mulheres, emergiu a história do encontro ocorrido há cerca de 40 anos, no Sesc Bertioga e que se tornou um marco para tantas de mulheres. Em 1985, o Sesc Bertioga foi palco do terceiro encontro de feministas latino-americanas e caribenhas — um momento decisivo para o movimento feminista. Ali, militantes se reuniram para partilhar pautas, vozes e esperanças. Pesquisas e relatos reconhecem a importância desse encontro como força catalisadora de memórias e lutas, fundamental para expandir e fortalecer o feminismo no país.
A luta das mulheres e a conquista de direitos ao longo das últimas décadas são a prova de que a solidariedade e a persistência são a força que transforma a sociedade. Um lembrete de que cada direito que hoje parece natural foi, um dia, uma luta árdua e coletiva.
Uma constelação de vozes, um horizonte comum
E foi sobre a continuidade dessa luta que se debruçou o debate. No palco, uma constelação de vozes e vivências nos guiou por diferentes territórios. A advogada Rute Alonso soou como uma bússola, mostrando que o direito, quando tirado dos tribunais e levado para a comunidade, se torna um mapa para a liberdade. Ela se aprofundou no trabalho das Promotoras Legais Populares (PLPs), um exemplo prático de solidariedade em ação. “Uma das propostas da Lei Maria da Penha”, explicou Rute, “é de educação em direitos, que é o que a gente faz nas PLPs. E as nossas companheiras saberem seus direitos é ferramenta para elas ou denunciarem […] ou apoiarem outra companheira que está em situação de violência”. É o conhecimento que se transforma em cuidado, a lei que se torna rede de apoio.
Ao seu lado, Fernanda Albino, ativista e pessoa com deficiência, nos desafiou a ir além da chamada inclusão para pensar na adequação dos espaços e, fundamentalmente, na equiparação do olhar: a luta para que pessoas com deficiência sejam vistas, lembradas e reconhecidas em sua plena humanidade. O testemunho de Raphaela Fini aprofundou a questão do feminino a partir da luta por visibilidade e pertencimento da comunidade LGBTQIAPN+. E a sabedoria de Vilma Martins trouxe a terra, conectando a luta contra a violência ao direito a um chão seguro e a uma alimentação que nutre verdadeiramente.
E todas essas lutas, seja por acesso, por visibilidade, por terra ou por justiça, convergem para um território comum: o corpo. Um corpo que, como destacou Rute, precisa sentir que “pode fazer mais coisas além de tarefas domésticas, além de ser usado por outros. É um corpo que desfruta e que pode amar também”.

A Saída é Coletiva
Ao final, a sensação era de que a solidariedade havia sido vivida, praticada. Como um eco da noite, a fala de Rute permanece e serve como um mantra para o futuro: a de que direitos são uma soma, não uma divisão. “Esse amor que transcende para a gente conseguir coletivamente lutar por direitos, reivindicar políticas públicas e ter o exercício da solidariedade, não é só para mim, não é só sobre mim. Se conquistamos direitos para companheires, companheiras e companheiros, conquistamos direito para todo mundo”.
A luta que pulsou no Sesc Bertioga não terminou nos aplausos. Ela criou raízes em cada participante, que se inspirou a ecoar essas vozes, com a certeza de que cada direito conquistado por uma minoria não é uma peça retirada do todo, mas um alicerce que fortalece a estrutura da sociedade inteira.

* Mayumi Kitamura é jornalista e técnica em Processamento de Dados, com mais de duas décadas de atuação na área de comunicação. Com passagens pela TV Cultura e TV Costa Norte, seu trabalho investiga as intersecções entre o jornalismo, as novas tecnologias e o meio ambiente. Atualmente é graduanda em Engenharia de Software, onde aprofunda seus conhecimentos em sistemas e códigos que impactam a sociedade e a comunicação contemporânea.
🌿 Saiba mais: https://www.sescsp.org.br/editorial/amar-e-mudar-as-coisas/
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