
O espetáculo tem como foco o compartilhamento de saberes com o público. De que forma a obra resgata a relação entre dança e comunidade?
Para nós, a ideia de comunidade vai além de um grupo específico de pessoas: ela diz respeito àquilo que é comum, que nos conecta. E essa conexão acontece por meio do sentimento de pertencimento. Ao apresentarmos danças como o samba, o frevo, o maracatu, o afoxé e o caboclinho, buscamos não só mostrar essas manifestações, mas também convidar o público a entrar nesse jogo, nessa brincadeira, nesse universo simbólico. A obra cria um espaço de afeto e ludicidade no qual todos podem se envolver, independentemente da idade ou da origem. E isso só é possível porque o espetáculo é relacional: ele depende da presença, da escuta e da participação do público. Sem essa comunidade presente, a obra não acontece. Ela se constrói no encontro.
A obra cria um espaço de afeto e ludicidade no qual todos podem se envolver. É uma celebração viva e coletiva da nossa mestiçagem

Ao fazer uma viagem lúdica pelas memórias da cultura popular brasileira, quais diálogos com essas manifestações são abertos?
A proposta é abrir espaço para o diálogo entre o passado e o presente, entre tradição e contemporaneidade. A cultura popular brasileira é riquíssima e cheia de camadas simbólicas, afetivas, pedagógicas. Ao resgatar essas memórias – que vêm através das danças, das músicas, das brincadeiras, das narrativas –, o espetáculo permite que o público reviva algo ancestral, mesmo que pela primeira vez. E isso se dá de forma lúdica, convidando à imaginação e à escuta. Os elementos da tradição não aparecem como peças de museu, mas como práticas vivas, que se transformam e ganham novos sentidos na atualidade. O espetáculo propõe que essas manifestações culturais sigam pulsando no corpo das pessoas, que não sejam esquecidas ou reduzidas a rótulos folclóricos. É uma celebração viva e coletiva da nossa mestiçagem.
Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
Vivemos um tempo em que as tecnologias digitais, apesar de facilitarem muitos aspectos da vida, também vêm afastando as pessoas da convivência presencial. Acreditamos que a dança tem um papel essencial de reconexão. Ela nos convida a viver o aqui e agora, a experienciar o sensível, a escuta, o olhar e o toque. No caso de O Diário de Duas Bicicletas, a proposta é justamente criar essa simbiose entre o fazer artístico e a presença ativa do público. A dança é a única forma de subverter a permanência no corpo de algum tipo de enfermidade: quem consegue manifestar movimentos tem a habilidade de mudar estados físicos, e isso pode significar muito em situações nas quais a morte, de alguma forma, está presente. A gente afasta a morte dançando. A dança tem o potencial de transformar nosso interno, nossos desejos, nossa memória. Ela é capaz de mudar o caminho da vida de uma pessoa, de alterar sua visão de mundo, sua posição no espaço. A dança é a forma mais poética de existir no mundo e modificá-lo por meio da arte.

O espetáculo do Grupo Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira faz uma viagem lúdica pelas memórias da cultura popular brasileira. Com uma dramaturgia urbana e interativa, a obra traz o frevo, o maracatu, o samba e a dança afro, entre outras, acompanhadas por uma trilha sonora composta de canções autorais e de histórias sobre essas manifestações. A saia de chita, peça de vestuário comum a esses universos, costura a narrativa, sendo utilizada como elemento cenográfico, adereço e figurino. Vira vestido, vira indumentária indígena, vira peixe. Para além de assistir à coreografia, o público é convidado a experienciá-la: nesse percurso no espaço público, elenco e plateia se tornam um único corpo. Com essa troca de saberes por meio do movimento, da presença, da participação e da contemplação, o trabalho busca resgatar a importância da dança na sociedade e sua relação intrínseca com a comunidade.
The show focuses on sharing knowledge with the audience. How does it restore the relationship between dance and community?
To us, the idea of community goes beyond a specific group of people: it refers to what is common to us, what connects us. And this connection happens through a sense of belonging. By presenting dances such as samba, frevo, maracatu, afoxé, and caboclinho, we seek not only to showcase these expressions, but also to invite the audience to join in this game, this play, this symbolic universe. The piece creates a space of affection and playfulness everyone can engage with, regardless of age or background. And this is only possible because the show is relational: it relies on the presence, listening, and participation of the audience. Without this community there, it does not happen. It is built in the encounter.
The piece creates a space of affection and playfulness everyone can engage with. It is a living and collective celebration of our cultural diversity

By taking a playful journey through the memories of Brazilian popular culture, what conversations with these expressions are opened?
The idea is to open up space for a conversation between the past and the present, between tradition and contemporaneity. Brazilian popular culture is extremely rich and full of symbolic, affective, and pedagogical layers. By drawing on these memories — which come through dance, music, games, and narratives — the show allows the audience to relive something ancestral, even if for the first time. And this happens in a playful way, inviting imagination and listening. The elements of tradition do not appear as pieces in a museum, but as living practices that change and take on new meanings in the present day. The show proposes that these cultural expressions continue to pulsate in people’s bodies, that they not be forgotten or reduced to folkloric labels. It is a living and collective celebration of our cultural diversity.
How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
We live in a time when digital technologies, while making many aspects of life easier, are also moving people away from face-to-face interaction. We believe that dance has an essential role in reconnecting us. It invites us to live in the here and now, to experience the senses, to listen, to look, and to touch. In the case of The Diary of Two Bicycles, the idea is precisely to create this symbiosis between artistic creation and the active presence of the audience. Dance is the only way to subvert the permanence of some kind of illness in the body: those who can express movement have the ability to change physical states, and this can mean a lot in situations where death is present in some way. We ward off death by dancing. Dance has the potential to transform our inner selves, our desires, our memory. It is capable of changing the course of a person’s life, altering their worldview, their position in space. Dance is the most poetic way of existing in the world and changing it through art.
This show by Grupo Ângelo Madureira & Ana Catarina Vieira takes a playful journey through the memories of Brazilian popular culture. It’s a show with an urban and interactive dramaturgy featuring frevo, maracatu, samba, African dance, and other genres, plus a soundtrack composed of original songs and stories about these expressions. The chintz skirt — a piece of garment common to these worlds — sews the narrative together, used in the set, as a prop, and as a costume. It becomes a dress, Indigenous clothing, a fish. The audience is invited to not only watch the choreographed performance, but also to experience it: on this journey, the cast and the audience become one body. In this exchange of knowledge through movement, presence, participation, and contemplation, the piece seeks to restore the importance of dance in society and its intimate relationship with the community.
Confira a entrevista com com DJ Michell.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.