Othon Bastos: florir em cena

01/08/2025

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Depois de mais de 70 anos dedicados a obras de cinema e televisão, o ator reflete sobre seu retorno ao teatro e o exercício de humanidade (foto: Fernanda Balda)

POR MARCEL VERRUMO

Leia a edição de AGOSTO/25 da Revista E na íntegra

Na coxia do teatro, antes de entrar em cena, o ator Othon Bastos mantém a tradição de pedir proteção divina a cada espetáculo. Assim como preserva sua fé, cultiva a alegria na existência e não hesita em dividir com o público palavras, sorrisos e afetos. Nascido em Tucano (BA), em 1933, há mais de sete décadas o artista mantém-se ativo na dramaturgia brasileira, seja no teatro, no cinema ou na televisão, resistindo às intempéries características de diferentes momentos históricos, aos desafios de se fazer arte e à saudade daqueles que partiram.  

Aos 92 anos, Bastos está em cartaz com a peça Não me entrego, não!, escrita e dirigida por Flávio Marinho a partir de memórias e referências reunidas pelo próprio artista. O monólogo já passou pelo Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis, e pelo teatro do Sesc Taubaté. Nesse momento, segue em temporada por outros estados. Pela atuação, venceu o Prêmio Shell de 2025 como Melhor Ator. 

No monólogo, o ator rememora seus mais de 70 anos de carreira, desde a juventude, como figurante em Londres, até a velhice, nos palcos nacionais. Ao compartilhar anedotas, traz à cena a história da arte brasileira, como os bastidores do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha (1939-1981), um clássico do Cinema Novo; e da peça Um grito parado no ar (1973), de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), marco da resistência no período de ditadura militar. Ao vestir-se de si, corporifica títulos que compõem a história cultural do país, evocando artistas que o inspiram, como Constantin Stanislavski (1863-1938) e Bertolt Brecht (1898-1956), e relembrando amigos com quem dividiu sua jornada. 

Neste Depoimento, Othon Bastos expressa suas crenças na arte do teatro e na vida, e ainda revela o desejo de, no tablado, continuar compartilhando amor com as plateias. 

teatro 
O teatro é a coisa mais importante que existe. A arte de viver, de sonhar. A arte de tudo. Você não pode esquecer essas quatro letras: A-R-T-E. Cada vez que entro em cena, estou aprendendo. Vou dizendo as palavras que quero que sejam ditas. Não escondo. Nesse palco, estou falando de vida, que é o mais importante: viver e aprender a viver. A vida é a felicidade. Não é dinheiro, sucesso. O importante é viver, é dar-se à vida. Vivo de alegria, sou uma pessoa alegre, nasço contente todas as manhãs. 

chamado 
Eu vinha fazendo cinema e televisão. Um dia, parece que o destino falou comigo: “Você está se esquecendo do teatro. Está longe do teatro há muito tempo: não se esqueça de que você é filho do teatro”. Fui assistir a uma peça [Judy: o arco-íris é aqui], do Flávio [Marinho], e achei o espetáculo lindo. Ele conseguiu unir a atriz com a personagem, a Luciana Braga com a Judy Garland (1922-1969). Conheço Flávio há mais de 50 anos, quando ele era crítico de teatro. Depois de assistir à peça, eu lhe disse: “Gostaria de fazer um espetáculo. Você escreveria um para mim? Eu não quero nada triste, nada. Quero mostrar um lado que as pessoas não conhecem. Eu quero alegria”.  

processo 
Entreguei um material para o Flávio, umas 600 páginas com aquilo que penso, que gosto e guardo para mim, como palestras, bate-papos, pensamento de autores. Ele pegou, viu o texto e começou a montar. Um dia, me ligou e disse: “Já estou arrumando tudo, mas uma coisa eu já lhe digo: temos o final do espetáculo. Você tem 91 anos, volta ao teatro depois de 15 ou 20 anos. Este é o gancho: você voltar a fazer teatro com essa energia”. 

histórias 
Nesse espetáculo [Não me entrego, não!], não estou fazendo a minha biografia. São momentos de minha vida que tive que passar para chegar aonde cheguei. Isso é o importante do espetáculo: vou buscar a minha vida. No palco, mostro para o público o que sou, o que fiz e como sou. Vou contando não só a minha história, mas a história do teatro e do Brasil. Conto o que é possível ser feito e falado dentro de um espetáculo de uma hora e meia. Aqui, mostro o que vivi. Mostro que fiz o que eu quis fazer. E amei tudo isso. 

acreditar 
O que eu peço para entrar no palco? Eu só peço energia e amor. Quando estou para entrar em cena, paro e digo: “preciso da proteção de Deus para fazer este espetáculo”. Pronto. É preciso ter fé. Isso é algo que as pessoas estão perdendo. Acreditar mesmo. A palavra fé já é fortíssima. Você tem que ter isso dentro de si, tem que acreditar em você.Isso é a coisa mais importante. “Eu acredito em mim” é o que você tem que dizer. Eu sei que posso fazer e vou fazer. Tenho uma esperança. 

humanidade 
Stanislavski [ator e diretor teatral russo] dizia: “um ator deve ser muito mais do que apenas um talento artístico. Ele deve ser uma pessoa repleta de humanidade”. Até inseri essa citação no programa [do espetáculo Não me entrego, não!], porque penso que isso seja da maior importância. Para o ator, só o talento artístico não basta. É preciso ter humanidade. O ator tem que transmitir humanidade para as pessoas. Tenha sempre um diálogo consigo. É como dizia o filósofo egípcio Plotino, você tem que ter sempre um momento para fazer uma viagem dentro de si, porque vai encontrar suas respostas lá dentro. 

plateias 
A cada lugar para onde você leva o teatro, vai haver um público diferente. Você não sabe como será a reação das pessoas, mas, se você leva com todo o afeto, com todo amor, com todo carinho, a plateia vai lhe receber com o mesmo afeto, amor e carinho. O Zé Vasconcelos (1926-2011), um ator maravilhoso e um imitador fantástico, dizia: “Quando estou fazendo um espetáculo, quero que a pessoa já esteja sorrindo quando comprar o ingresso”. O público tem que chegar com essa alegria e isso é transmitido para você, que está no palco. 

Othon Bastos no palco em Não me entrego, não!, escrita e dirigida por Flávio Marinho: peça revisita carreira do ator em diferentes contextos da história do Brasil (foto: Fernanda Balda)

verdade 
Não existe coisa mais importante que a verdade. Há pessoas que acham que não houve ditadura no país. Nós, artistas, que estamos aqui, passamos por isso, sofremos, lutamos contra. Penso que isso precisa ser dito. Aconteceu. Isso desperta nas pessoas certa curiosidade: “se ele está dizendo, se passou por isso, nós precisamos saber a verdade”. Pode ser brutal, mas a verdade diz a você: “Isso aconteceu, não é fantasia. Passamos por isso, lutamos, fomos atacados de todas as maneiras, mas nós estamos aqui lutando, dando arte para vocês, dando amor para vocês, dando conhecimento”. 

trabalhar 
O que eu digo para as novas gerações é que elas não devem desistir, devem fazer aquilo que acham que deve ser feito. Fernando Pessoa (1888-1935) dizia: “Trabalhar é trabalhar-se”. Se você está trabalhando, você está se expondo, revelando-se. Para mudar a sociedade, você tem que trabalhar. E talvez no seu trabalho, você consiga transmitir às pessoas uma possibilidade para que elas também possam trabalhar e se transmitir umas para as outras. Acredito que deve haver cada vez mais união. Nós vivemos tempos horríveis, tempos de inglórias, tempo de destruição total. Mas enquanto você tiver forças, tem que lutar. 

continuar 
Quantas saudades eu tenho das pessoas que já se foram, dos colegas que trabalharam comigo. Eu fiquei, mas eles foram. Acho que Deus ainda não olhou para mim e falou: “tá na hora”. Enquanto Ele disser: “vá fazendo”, eu continuo. Faço com um amor tão grande, com uma vontade tão grande de viver e de transmitir essa vida e esse amor que tenho dentro de mim. Você tem que dar amor para as outras pessoas. 

florir 
Buda diz que se você plantar uma semente de amor, é você quem irá florescer. Disso, eu penso no verbo florar: eu floro, tu floras, ele flora, nós florimos, vós floris, todos floram. O importante é viver. Com todas as dificuldades, com todas as lutas, tem que viver e ter alegria de viver. Eu estou compartilhando sempre, estou sempre me dando às outras pessoas. E eu acho que é isso que você tem que ser na vida: ser amigo, companheiro, desbravar essa terra e seguir em frente, florir. 

No palco, mostro para o público o que sou, o que fiz e como sou. Vou contando não só a minha história, mas a história do teatro e do Brasil. 

Assista a trechos desse Depoimento com o ator Othon Bastos, realizado no Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis, em abril de 2025. 

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