Reserva Natural Sesc Bertioga: onde todas as pessoas são bem-vindas

17/07/2025

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*Duda Menegassi

De olhos fechados minha mão desliza suavemente no corrimão. O tato vira meu guia na trilha enquanto deixo de lado a visão para privilegiar os cheiros e os sons que vêm dessa floresta urbana no meio de Bertioga, no litoral de São Paulo. O caminho faz parte da Trilha do Sentir, na Reserva Natural Sesc Bertioga, e não poderia pensar num verbo melhor para defini-lo. Não sou a única. Passam por mim visitantes entusiasmados. Das crianças aos idosos, pessoas em cadeiras de rodas, todos sentem o privilégio de estar em contato com a natureza, alguns deles pela primeira vez. Como afirma uma das placas, logo na entrada da reserva: “Este lugar pertence a todas as pessoas”.

O convite não é leviano. A área protegida, de entrada gratuita, foi pensada e desenvolvida pelo Sesc com a proposta de inclusão. E numa tarde de maio, enquanto passeava pela primeira vez na reserva, fui testemunha disso. De um lado, passeava um grupo do Sesc Jundiaí composto em maioria por pessoas mais velhas. Do outro, uma turma do 2º ano de uma das escolas do município, que frequentam regularmente a reserva, se reunia em volta da professora. Todos seguiram para a Trilha do Sentir.

Uma senhora com mobilidade reduzida pega a cadeira de rodas disponibilizada aos visitantes. Seu marido, um senhor de 90 anos, a empurra tranquilamente pela plataforma de madeira. “Isso é fantástico”, ele se admira. Fazem toda a trilha enquanto observam árvores, tiram fotos e conversam. Enquanto isso, as crianças tagarelam animadas respondendo as perguntas da professora e se surpreendem com as descobertas nessa verdadeira sala de aula ao ar livre.

Da esquerda para a direita: Placas em alto relevo com imagens da fauna e da flora. Um idoso e uma pessoa em um cadeira de rodas passeiam pela Trilha do Sentir / Fotos: Duda Menegassi

A trilha, com 960 metros de extensão, é feita por passarelas de madeiras acima do chão da floresta, com recursos de acessibilidade que ampliam as chances de pessoas com dificuldade de locomoção, com deficiências físicas ou visuais, poderem conhecer melhor a Mata Atlântica. A trilha tem o desenho de um oito deitado, com alternativas de saídas para quem deseja fazer menores distâncias. Em pontos ao longo do percurso, placas em alto relevo com imagens da fauna e da flora traduzem para o tato a biodiversidade local.

O objetivo de inclusão o se restringe à trilha. Logo na entrada da reserva, o Espaço Rosa dos Ventos dá as boas-vindas com placas informativas, que incluem textos em braille, mapas com texturas diferentes e cores contrastantes, além de um painel que reconhece os habitantes originais do território e agradece aos povos indígenas Guarani Mbya e Tupi Guarani que hoje ainda vivem no município.

“Tentamos preparar o espaço pro maior número de pessoas possível. Essa reserva não está sendo adaptada, ela está sendo planejada e construída para atender todas as acessibilidades possíveis e receber uma grande diversidade de públicos”, explica Juarez Michelotti, Coordenador do Setor de Educação para Sustentabilidade no Sesc Bertioga, responsável pela reserva.

O coordenador conta que há vários tipos de acessibilidade, não apenas física, com estruturas mais adequadas, mas comunicacional, cultural e, acrescenta Juarez, atitudinal – “que é como nós tratamos as outras pessoas”. 

As pessoas, afinal, são o coração da reserva. E é com a participação delas que a área protegida vem sendo construída. O próprio traçado da Trilha do Sentir é resultado de um trabalho coletivo que envolveu 30 pessoas de experiências e perspectivas distintas, sendo 22 moradores de Bertioga, que participaram de um curso oferecido pelo Sesc Bertioga em 2016 para elaboração de trilhas com desenho universal. 

Durante a capacitação, os participantes puderam eleger quais deveriam ser os principais atrativos do percurso e como a trilha deveria seguir para contemplá-los, tendo a acessibilidade como ponto central do planejamento. “Essa não é a trilha do Sesc, é a trilha das pessoas de Bertioga”, reforça Juarez.

“Quando você pensa de modo universal, inserindo pessoas com deficiência, você está atingindo um público muito mais amplo, que inclui pessoas idosas, crianças, pessoas com dificuldade de locomoção”, pontua Bruno Guazzelli Filho, morador de Bertioga que atua com ecoturismo acessível e participou do curso. 

Foto: Trilha do Sentir – Gustavo Xavier

Responsável pelo projeto social “Onda BGF Praia Acessível”, que promove a integração de pessoas com deficiência por meio do mar e do esporte, Bruno sabe o poder transformador que essa experiência pode ter. “É muito emocionante ver pessoas com deficiência, por exemplo, que nunca viveram isso, e um passeio desses muda a vida da pessoa e ela passa a enxergar a vida de outra forma. Essa oportunidade que o Sesc cria e que uma trilha dessas cria, abre um horizonte absurdo para essas pessoas”, exalta o morador.

Antes do curso de desenho de trilha universal, Bruno já havia participado das reuniões realizadas com a comunidade para elaboração do plano de manejo da reserva, o documento que norteia as ações de gestão da área protegida.

O processo de diagnóstico e planejamento participativo junto à população de Bertioga foi realizado ao longo de cinco oficinas entre agosto de 2014 a janeiro de 2015 e reuniu cerca de 300 pessoas e 50 instituições, tanto do poder público, quanto do setor privado e da sociedade civil organizada. As reuniões tiveram como objetivo compreender a percepção socioambiental dos moradores, além de mobilizar a sociedade no planejamento da reserva.

Os encontros promovidos pelo Sesc para elaborar o plano de manejo da reserva deixaram frutos para além das fronteiras da área protegida, com a formação do Coletivo Educador de Bertioga – alinhado com a Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental – e a Rádio Reserva, uma parceria entre o Sesc e a ONG Cala-boca Já Morreu para envolver os jovens e convidá-los a criar programas de rádio e debater diferentes aspectos do plano de manejo, assim como questões socioambientais.

Para Bruno, a experiência mudou sua relação com a reserva. “Não só com a reserva, mas com a natureza como um todo. Eu olho as áreas de mata que existem dentro da cidade com outro olhar. Porque entendi que existe muita biodiversidade mesmo dentro dessas pequenas florestas urbanas. E as pessoas passam na calçada, na avenida e nem se dão conta. Isso faz com que a gente tenha uma outra visão, de respeitar muito mais essa mata urbana e principalmente preservá-la”, conta.

A área pertence ao Sesc desde 1947, quando o município de Bertioga era bem diferente. Com a expansão urbana, a propriedade passou a proteger um importante fragmento de floresta alta de restinga, hoje cercado pela cidade. Nos seus 600 mil metros quadrados de Mata Atlântica, a reserva abriga mais de 60 famílias diferentes de plantas e cerca de 400 espécies de fauna. Essa riqueza é expressa em flagras surpreendentes, como uma mãe veado com seu veado, documentados na reserva pelas armadilhas fotográficas. 

Já as aves são a paixão de outra moradora que faz parte da história da reserva: Zoraide Alcântara, que mora há mais de 40 anos em Bertioga. Ela começou seu envolvimento por meio de um projeto de horta comunitária realizado pelo Sesc Bertioga no entorno da reserva e foi apresentada à observação de aves. Hoje uma ávida passarinheira, a relação com a natureza mudou sua vida. 

“Essa reserva para mim é minha casa. Eu me sinto parte dela. Quando eu estou estressada, minha vontade é ficar aqui o dia inteiro, vendo passarinho”, afirma Zoraide, que hoje faz parte do Clube de Observadores de Aves de Bertioga (COA Bertioga). 

A moradora tornou-se uma garota propaganda da área protegida, espalhando entre vizinhos, amigos e familiares a beleza do mundo natural. “Você acredita que tem gente que mora aqui e não conhece a reserva? Aí quando eu posto meus vídeos aqui na reserva, vem gente me perguntar que lugar lindo é esse. E quando eu falo que é aqui, em Bertioga, eles ficam surpresos. Aos poucos as pessoas estão conhecendo e frequentando mais, mas tem gente que não conhece ainda”, explica Zoraide.

A reserva está localizada a menos de um quilômetro da entrada do Centro de Férias do Sesc Bertioga e a cerca de 100 quilômetros da cidade de São Paulo. Com entrada gratuita, a área está aberta à visitação de terça a domingo, das 8h30 às 17h30.

A Reserva Natural Sesc Bertioga foi aberta à visitação em setembro de 2016. E em dezembro de 2021, em plena pandemia de Covid-19, foi reaberta junto com a inauguração da Trilha do Sentir. A abertura, feita em pequena escala e de acordo com as restrições sanitárias da época, foi uma forma de dar aos moradores de Bertioga uma opção para estar ao ar livre e em contato com a natureza – algo com comprovados benefícios para a saúde física e mental.

“É bom demais, faz muito bem à saúde. Se não fosse isso, eu estava com depressão na cama”, confirma Zoraide com um sorriso amplo que prova sua alegria em estar na reserva.

Atualmente, a lista de atrativos inclui uma segunda trilha, a do Tucum, com cerca de 400 metros de extensão pelo solo da floresta; um jardim de brincadeiras – o favorito da criançada; um domo geodésico; além de um centro de visitantes, equipado com uma televisão, banheiros, bebedouro e informações sobre a reserva, sua fauna e flora, e estrutura para realização de vivências, oficinas, cursos e apresentações diversas.

“Esse lugar é uma delícia. As crianças se divertem, tem um monte de cursos, tem lugar para todo mundo”, convida a observadora de aves.

Quem visita a reserva costuma virar fã. Como conta o guarda-parque Ednaldo Gonçalves, que há 2 anos trabalha no cargo, voltado para apoiar ações de monitoramento, pesquisa, educação ambiental, visitação, manejo e fiscalização da área protegida.

“Os moradores quando descobrem ficam apaixonados e muitos criam o hábito de vir para cá fazer uso do espaço, fazer piquenique nas mesas… Nos finais de semana, quando o clima ajuda, fica lotado. É um lugar ótimo para as crianças curtirem e os pais também. O mais difícil para nós é no verão, quando o dia escurece mais tarde e as pessoas não querem ir embora”, ri.

Morador de Bertioga, Ednaldo se orgulha do trabalho na área protegida. “A reserva para mim é um sonho. Estou muito feliz e tenho muito orgulho de cada pedacinho que fomos construindo aqui. É parte da minha história”, destaca o funcionário.

Gustavo Xavier, guarda-parque que atua desde 2016, conta que frequenta a área desde criança, bem antes da criação da reserva. “Eu morava na rua de trás, então desde meus 7 anos eu frequentava essa área, passava o dia pegando coquinho na mata”, lembra. 

“Quanto mais tempo passamos aqui, vamos sentindo emoções diferentes. Quando colocamos armadilhas fotográficas, a curiosidade do que vamos ver, as descobertas… Aqui na reserva, quanto menos a gente anda, mais a gente enxerga. Os detalhes estão por todas as partes. E uma das coisas mais gostosas é compartilhar essa experiência com as pessoas. Cada dia é um dia diferente e uma oportunidade de fazer a diferença não só na nossa vida, mas na das outras pessoas”, resume Gustavo.

Os guarda-parques são atores importantes tanto para realização de pesquisas científicas e ações de educação ambiental quanto para melhorar a relação com a comunidade. “Como somos conhecidos da comunidade, vamos conseguindo passar isso, da importância da natureza, para outras pessoas e a maioria delas consegue ver pelo outro lado”, acrescenta Ednaldo.

Da esquerda para a direita: O guarda-parque Ednaldo e o guarda-parque Gustavo realizam trabalhos de monitoramento nas trilhas / Fotos: Duda Menegassi

Aproximar a reserva das pessoas é um passo fundamental para ampliar ainda mais a participação em processos como a elaboração do plano de manejo, concluído em 2016 e que será revisado em breve, novamente de forma participativa.

“O plano de manejo prezou por muito diálogo com as comunidades do entorno da reserva. Reuniões feitas em escolas municipais, em centros comunitários, no centro de educação ambiental do Sesc Bertioga. Reunindo pessoas de associações de bairros, funcionários e ex-funcionários do Sesc, diretores de escola… E para revisão faremos isso de novo”, explica o coordenador, Juarez Michelotti.

No horizonte estão debates sobre a visitação, futuros atrativos – como a extensão da Trilha do Sentir – e a própria governança da reserva, para aumentar a participação dos moradores.

De acordo com o coordenador, estar com a porta aberta é pouco. “Queremos que as pessoas realmente possam criar junto, possam construir junto e sentir que sua contribuição ali é efetiva. Participação gera pertencimento”, destaca Juarez. E pertencimento gera cuidado.

Assim como unidades urbanas do Sesc são abertas ao público geral, em Bertioga a Reserva é de todas as pessoas. E por isso, todas podem – e devem – participar do processo de revisão do Plano de Manejo, que começará em breve. Acompanhem as redes sociais do Sesc Bertioga e participem!



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Veja aqui mais algumas imagens produzidas pela Duda Menegassi durante sua visita em Bertioga:





* Duda Menegassi é jornalista ambiental, especializada na cobertura de biodiversidade e áreas protegidas. Formada pela PUC-Rio, trabalha desde 2012 para ((o))eco, onde escreveu reportagens premiadas de jornalismo científico. É autora do livro “Travessias – uma aventura pelos parques nacionais do Brasil” e roteirista das cinco temporadas da websérie Pé no Parque. Foi assessora de comunicação da Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD) entre 2021 e 2024. Em 2025, foi nomeada para Explorers Club Class 50 como uma das 50 pessoas cujo trabalho em prol do planeta precisa ser conhecido.




Foto: Imagem aérea da trilha do Sentir na Reserva Natural Sesc Bertioga – Acervo: Sesc Bertioga


A Reserva Natural Sesc em Bertioga foi criada 2016 a partir da intenção de integrar o ser humano ao ambiente como forma de inspirar valores de cidadania e gerar bem-estar por meio de um vínculo maior com os ambientes naturais. 

Localizada zona urbana da cidade de Bertioga, a Reserva possui cerca de 60 hectares de Mata Atlântica, com uma rica diversidade de fauna e flora nativas de floresta alta de restinga, muitas das quais ameaçadas de extinção.   

Fazem parte da estratégia de atuação da Reserva Natural Sesc Bertioga: a proteção da biodiversidade, a realização de projetos educativos, a valorização e relação com as comunidades e culturas locais, o incentivo às pesquisas científicas e ao diálogo com outras Unidades de Conservação.   

A Reserva conta com equipe de educadores ambientais, trilha suspensa e uma estrutura de receptivo de público com desenho universal e recursos de acessibilidade para o atendimento de pessoas com e sem deficiência.

Saiba mais em sescsp.org.br/reserva-natural-sesc-bertioga

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