
Dos cartazes de supermercado às embarcações amazônicas, um convite para apreciar obras pintados à mão que fazem parte da memória visual e afetiva da América Latina
POR CRISTIANE KOMESU
FOTOS NILTON FUKUDA
Leia a edição de Dezembro/25 da Revista E na íntegra
Pinceladas e traços feitos à mão por diferentes povos da América Latina, transmitidos por mestres a aprendizes, de geração em geração, permanecem vivos em ruas, mercados, barcos, carroças e caminhões, apesar do crescimento das artes digitais e da Inteligência Artificial. Na pintura de letras, as curvas, cores, ornamentos e sombreados de cada caractere revelam a assinatura de um autor, seu país ou região.“Quando a gente pega um cartaz de mercado brasileiro e um cartaz de mercado chileno, vemos estilos e sombras diferentes. No Peru, por exemplo, há a presença do flúor (tonalidade) e do fundo preto. E, na Argentina, tem o fileteado portenho, uma sabedoria popular que é muito próxima da pintura tradicional, com sombras, luzes e ornamentação complexa”, descreve o letrista e designer Filipe Grimaldi.
Na arte dos filetes de caminhão – pinturas que decoram as carrocerias pelo Brasil – é comum que o pintor imprima, literalmente, sua digital, finalizando as artes com a ponta do dedo, segundo Grimaldi. Uma assinatura inconfundível para outros artistas que mantém viva a tradição. “Quando você vai ao interior de São Paulo, aqueles mestres fileteadores têm a história muito próxima deles. A gente ouve assim: ‘olha, há 50 anos, o meu amigo começou esse filete aqui’”.
A partir da observação e da reprodução, os estilos se perpetuam e são passados para novas gerações que, aos poucos, acrescentam outros contornos. Essa prática se dá tanto em muros quanto em carrocerias de caminhão e cascos de barcos – do interior paulista aos rios amazônicos. “As crianças ficam na beira do rio, vendo os barcos passarem… copiam a letra e depois, aos 15 anos, começam a pintar num estilo parecido com o do mestre que sempre viram”, conta Grimaldi, autor do bordão “Chora, fotoxópi!”, que se popularizou nas redes sociais por desafiar o famoso softw re de edição de imagem (Photoshop) e valorizar trabalhos manuais. Essa familiaridade intrínseca às criações visuais populares adiciona sentidos que vão muito além do puramente informativo, comercial ou estético. Com uma linguagem direta, e ao mesmo tempo afetiva e poética, letras e filetes revelam marcas de identidade, carregadas de sotaques e heranças. “Se a gente pega uma placa que foi pintada no Nordeste do Brasil sobre a venda de ‘dindin’, e outra placa pintada no Sudeste, que vende ‘sacolé’, elas estão falando da mesma coisa, só que de diferentes maneiras. Eu acho que a letra também é isso, às vezes ela comunica o mesmo, só que com estilos diferentes”, resume o artista Thiago Nevs, que também atua na valorização de expressões visuais populares.
Nessas particularidades, capazes de aproximar e causar estranhamentos do público, é que as manualidades resistem frente às intervenções de novas tecnologias. Para Grimaldi, o avanço da IA ainda está longe de substituir o ofício de letristas e fileteadores: “Vai demorar para uma inteligência artificial fazer um trabalho manual ou algo que chegue perto. A gente acredita muito no poder das nossas mãos”.










para ver no Sesc
Sotaques em cores
Exposição reúne trabalhos de 66 artistas e mestres do Brasil e de outros países latino-americanos

O universo vibrante e multicolorido das letras pintadas à mão que dão vida aos cartazes de mercado, às carrocerias de caminhões e até às embarcações é celebrado em Letras & Filetes: Memória Afetiva e Latinidades, em cartaz no Sesc Ipiranga até 5 de abril de 2026. Com curadoria dos artistas Filipe Grimaldi e Thiago Nevs, a mostra propõe um mergulho nessa expressão da cultura visual popular do Brasil e de países como Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru.
A exposição destaca como o gesto manual e a inventividade popular transformaram letras, palavras e ornamentos em expressões carregadas de identidades e memórias, a partir do trabalho
de cartazistas, abridores de letras, letristas profissionais e mestres filetadores. Ao todo, 66 artistas estão presentes nessa mostra que reúne uma diversidade de sotaques e formas. “A gente tentou fazer uma curadoria a partir de estilos e suportes. Tem quem pinta na madeira, na telha, num plástico, no metal, no cavalete, no toldo, na porta de metal e até no carrinho de pipoca. Isso tudo a gente quis mostrar, porque faz parte do trabalho do letrista”, conta Filipe Grimaldi. Vale destacar que toda a comunicação visual da exposição – das placas de identificação das obras, aos textos curatoriais nas paredes – foi inteiramente pintada à mão.
Durante o período da exposição, performances, oficinas, vivências e ações educativas levam ao público oportunidades de experienciar a cultura visual popular e aprender com mestres do Brasil e de outros países latino-americanos. Além disso, a plataforma EAD Sesc Digital disponibiliza o curso online e gratuito O pintor letrista – Lições introdutórias em pintura de letra em que Filipe Grimaldi compartilha ensinamentos básicos de seu ofício.
Ipiranga
Letras & Filetes: Memória Afetiva e Latinidades
Até 5 de abril de 2026. Terça a sexta,
das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 20h. Domingos e feriados, das 10h às 18h30. Grátis.
Saiba mais em sescsp.org.br/letrasefiletes
EAD Digital
O pintor letrista – Lições introdutórias em pintura de letra
Com nada mais que pincel, esmalte à base de água e cartolinas, o designer e letrista Filipe Grimaldi apresenta, nesse curso, os ensinamentos básicos do seu ofício: a pintura de letras. 6 aulas. Grátis. Saiba mais em ead.sesc.digital/cursos
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