Saberes ancestrais indígenas

30/07/2025

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*Por Elaine Garcia

Quem vive na cidade, na chamada “selva de pedra”, muitas vezes tem dificuldade de imaginar que existem povos que vivem e resistem há milênios nas florestas, com um modo de vida muito diferente do nosso.

Mas como puderam resistir, em meio a tanta violência e violação de suas existências, durante tantos anos de colonização?

Para buscar a resposta a essa pergunta, e a tantas outras que surgem quando começamos a nos aproximar dos povos indígenas, é preciso estar disposto a descontruir a forma de pensar que aprendemos desde crianças e abrir-se para um modo de ser que coloca o amor e o respeito à natureza no centro da vida, guiando as formas de se relacionar entre si e com todos os seres que habitam este planeta.

A quem se dedica a buscar essa resposta é também essencial mudar o ângulo do olhar, para compreender que os conhecimentos dos povos originários atendem a uma outra maneira subjetiva de ver e entender o mundo e que esses conhecimentos são criados a partir de paradigmas e práticas diferentes dos nossos.

Ao embarcar nessa viagem de coração e mente abertos, você poderá descobrir que é possível se relacionar de forma harmônica com a natureza, “entendendo que todos os seres naturais são indivíduos que merecem respeito e afeto” (FIGUEIREDO, 2007, p.69) e assim poderá desfazer o engano causado pela dicotomia humano – mundo natural, que separa a nossa espécie da natureza, e nos coloca em uma relação de dominação sobre ela.

Essa divisão é a principal causa dos problemas atuais da nossa sociedade, uma vez que separados do meio natural, passamos a considerar tudo o que não seja humano, como objetos, ou seja, mercadorias. (KRENAK, 2019, p.43)

Para os indígenas, a natureza fora dos seus corpos é tratada como “Mãe Terra” e a relação que estes povos estabelecem com ela está intimamente ligada ao conhecimento dos saberes ancestrais.

Os saberes ancestrais guardam em si, toda a sabedoria de um povo, sendo compartilhados pelos mais velhos, “perpetuando-se a cada geração, e assim, proporcionando o não esquecimento da cultura, conotam também ensinamentos para a convivência em grupo composto por todos os elementos constitutivos da natureza”. (XIMENES, 2012, p.61)

Reconhecer e legitimar os saberes ancestrais indígenas é uma escolha urgente que precisa ser feita por cada um de nós para que possamos enxergar e tecer outras formas de habitar o planeta, a fim de “adiar o fim do mundo”, como nos provoca o mestre Ailton Krenak:

Esse fim que é preciso adiar assinala a falência de uma certa ideia de humanidade, uma ideia – um projeto – que, ao ter posto a desvalorização metafísica do mundo como sua própria condição de possibilidade, transformou os portadores dessa ideia em agentes da destruição física deste mundo (e de incontáveis mundos de outras espécies. (2019, p.44)

A mesma ideia de humanidade – moderna e eurocêntrica – que criou a separação entre seres humanos e demais seres terrestres relegou os povos originários à condição de sub-humanidade, implicando na negação e expropriação de seus saberes.

Segundo Quilaqueo et al (2014), “[…] o mundo ocidental validou exclusivamente o conhecimento científico e justifica a marginalização de qualquer outro saber construído a partir de lógicas diferentes”.

Mas afinal, como podemos reconhecer e legitimar os saberes ancestrais indígenas diante dessa estrutura social que segue reforçando a transgressão dos direitos humanos desses povos?

Para legitimar o conhecimento dos povos indígenas devemos nos posicionar como uma sociedade intercultural diante da necessidade de uma profunda reestruturação legal que reconheça a transgressão sistemática dos direitos fundamentais, que assuma a responsabilidade pela reparação moral e econômica das comunidades nativas, e que assegure a proteção desses direitos para todas as pessoas indígenas. (NOUAILLE, 2010 apud SANTOS, 2024, p. 14)

Diante do desafio de uma mudança estrutural desta dimensão, é natural que nossas mentes inclinem para a desesperança, mas nessas horas recorremos a Paulo Freire.

(…) é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo… (1992, p.110-111)

Paulo Freire também nos ensina a acreditar que a mudança é possível através da educação, enfatizando a necessidade de uma educação libertadora que ajude as pessoas a questionar e mudar a realidade em que vivem. 

*Elaine L. Garcia é turismóloga, especialista em educação ambiental e agente de educação ambiental do Sesc SP.



REFERÊNCIAS

BARRETO, A. F. (org.). et al. Saberes ancestrais e cura integrativa: diálogos decoloniais. https://doi.org/10.35078/GVR5AW,   Arca Dados. V1. 2024.

FIGUEIREDO, J. B. Educação Ambiental Dialógica: as contribuições de Paulo Freire e a cultura sertaneja nordestina. http://www.ccm.ufpb.br/vepopsus/wp-content/uploads/2018/02/Educa%C3%A7%C3%A3o-ambiental-dial%C3%B3gica-Reimpress%C3%A3o-VEPOPSUS.pdf.  Fortaleza: Edições UFC, 2007.

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2019.

QUILAQUEO, D. et al. Saberes educativos mapuches: aportes epistémicos para un enfoque de educación intercultural. http://dx.doi.org/10.4067/S0717-73562014000200008. Chungará (Arica) vol.46 no.2 Arica 2014

SANTOS, A. N. S. dos et al. “Ecoalfabetização ancestral”: por uma valorização dos saberes indígenas para um futuro sustentável na América Latina. https://doi.org/10.55905/cuadv16n7-107.  Cuadernos de Educación y Desarrollo, v. 16, n. 7, p. e4885, 2024.

XIMENES, A. K. P. B. Saberes ancestrais indígenas dos Tapebas de Caucaia-CE: contribuições e diálogos com a educação ambiental dialógica. 2012. 162f. – Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/7514. Fortaleza (CE), 2012.


Saberes Ancestrais
Com Kaká Werá Jecupé e Cristine Takuá ; mediação de Ana Karolyne Silvestre

Nessa palestra o público é convidado a refletir sobre a ancestralidade, os ciclos naturais e o cuidado com a vida, pela perspectiva dos saberes dos povos originários e da jornada pessoal de Kaká Werá e Cristine Takuá.

Data e horário: 1/8 • Sexta • 19h00

A partir de 14 anos. Grátis
Local: Sesc Bertioga, Espaço Cênico
Grátis. Ingressos limitados. Retirada 30 min antes.

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