
O novo álbum O Anel – Alaíde Costa canta José Miguel Wisnik é o destaque do Selo Sesc em dezembro, celebrando mais de 50 anos de parceria entre a renomada cantora e o talentoso compositor. O disco será lançado nesta terça-feira, 8 de dezembro, coincidentemente no dia em que Alaíde Costa completa 85 anos, e estará disponível nas plataformas de streaming e no Sesc Digital.
Para quem não quer esperar, já é possível ouvir o single “Saudade da Saudade”, uma colaboração entre José Miguel Wisnik e Paulo Neves. Esta faixa, verdadeira obra-prima, destaca o canto envolvente de Alaíde, acompanhado pelo piano de Zé Miguel, o contrabaixo de Zeca Assumpção e a bateria de Sérgio Reze. Juntos, eles transformam a expressão “ser/saudade de você” em uma experiência de presença e ausência única.
Além da música, você pode explorar a origem dessa amizade musical lendo o texto do próprio compositor. Ele rememora essa parceria límpida e ainda intacta, que resistiu ao tempo, com uma das maiores cantoras brasileiras. Não perca a oportunidade de celebrar essa união musical e a trajetória de Alaíde Costa, grande ícone da música brasileira!
por José Miguel Wisnik
para Hermínio Bello de Carvalho
Em outubro de 1968, Alaíde Costa cantou “Outra viagem” no Festival Universitário da TV Tupi. Eu tinha arriscado a sorte inscrevendo a canção com a qual saía de anos de estudo de piano clássico na adolescência para uma primeira aventura na música popular. De presente, a organização do festival me oferecia uma lista de intérpretes na qual brilhava, quase inacreditável, o nome da intérprete de “Onde está você” (de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini), sucesso nacional em 1965. Que cantara baladas medievais e renascentistas no Teatro Municipal, num concerto de Alaíde com alaúde, e que também transitava, assim, entre o popular e o erudito. Essa experiência foi meu batismo na canção. Venho aprendendo desde então o quanto, em Alaíde, a pessoa e o canto têm a mesma limpidez de cristal, uma integridade igual à sua memória incorruptível, e um coração pulsando na voz.
Até hoje ela não tinha gravado “Outra viagem”. Mas o elo entre nós ficou vivo, silencioso e intacto por mais de 50 anos. É ele que retorna na canção “O anel”, que dá nome ao disco. Depois que a produção escolheu o estúdio Space Blues, por um conjunto de critérios técnicos e musicais, me dei conta de que ele fica a poucos passos do lugar onde era o antigo auditório da TV Tupi, e colado muro a muro com a casa em que ficava a produção do Festival Universitário, onde eu e Alaíde nos conhecemos. Por uma misteriosa “volta e meia” da vida, retornávamos ao começo.
“Aparecida”, composta há muitos anos, nunca tinha sido gravada e agora, cantada por ela, parece feita para abrir o disco. “Saudade da saudade” (com Paulo Neves) evoca a bossa nova e as “canções só feitas de canções”. “Ilusão real” é uma parceria com Guinga que, como eu, teve em Alaíde a sua primeira intérprete. O arranjo para sopros é de Nailor Proveta. “Estranho jardim” é uma balada quase esquecida do meu primeiro disco, que ela escolheu cantar, assim como “Ilusão real”. “Assum branco”, minha homenagem às vozes que nos fazem voar, tornou-se um cântico e um acalanto. Desde o começo eu queria muito ouvi-la em “Por um fio” (também com Paulo Neves), canção que parece descrever o modo como ela própria canta e, nesse caso, contracanta com o violoncelo de Jaques Morelenbaum, que surge aqui como a verdadeira “voz do outro em mim”. Em “Laser” (com Ricardo Breim), a leveza capaz de cortar diamante ao meio é bem a dela. E a gravação de “Outra viagem” ficou parecendo vir de lá, daquele “estranho festival” de outras eras (“há tanto tempo, quanto faz?”).
“Olhai os lírios do campo”, que fecha o disco, é uma canção que fiz em 1966 para uma peça teatral no meu colégio público, em São Vicente. A letra era de Flávio Rezende, um querido e animado colega, cujos primeiros versos eu lembro, mas os outros tive que reconstituir. Ela respira singelamente um espírito bachiano que estava em voga na época, e no qual se incluía o “Onde está você”, que certamente me influenciou. As duas músicas aparecem juntas para dizer em sons o quanto eu, desde lá, me afinava com as finezas de Alaíde.
O trio de piano, contrabaixo e bateria que formei com Zeca Assumpção (cujas cordas cantam) e Sérgio Reze (cujos gongos cantam), as participações sensibilíssimas de Jessé Sadoc ao flughel, Shen Ribeiro nas flautas e Alexandre Fontanetti na guitarra, além de Jaques Morelenbaum, Nailor Proveta mais seu grupo de sopros e Alê Siqueira na produção, todos nos dedicamos a homenagear e servir essa deusa da canção brasileira, delicada e contundentemente visceral, que faz 85 anos no esplendor de sua arte.
José Miguel Wisnik é músico, compositor e ensaísta brasileiro

Ouça O Anel – Alaíde Costa canta José Miguel Wisnik nas plataformas de streaming e no Sesc Digital
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