
Neurocientista alerta sobre o uso desenfreado de redes sociais e a necessidade de criar um pacto transgeracional de moderação
POR LILIAN SILVA
Leia a edição de OUTUBRO/25 da Revista E na íntegra
O trabalho desenvolvido pelo neurocientista Sidarta Ribeiro pode ser encontrado em publicações, palestras e entrevistas, mas não só. A pesquisa do fundador do Instituto do Cérebro e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) também transita por palcos, museus e cinemas. O livro Sonho manifesto: Dez exercícios urgentes de otimismo apocalíptico (Companhia das Letras, 2022) inspirou a montagem da peça Sonho elétrico, da Companhia Brasileira de Teatro. Com sessões esgotadas e protagonizado pelo ator Jesuíta Barbosa, o espetáculo ficou em cartaz no Sesc Vila Mariana de junho a agosto.
Já sua obra O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho (Companhia das Letras, 2019) deu origem à exposição Sonhos: história, ciência e utopia, realizada no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, de dezembro de 2024 a abril deste ano. Com curadoria do próprio cientista, a mostra apresentava de que modo os sonhos têm sido aplicados por diversos povos e em diferentes épocas como ferramenta de criação, aprendizado e, inclusive, de decisão.
Recentemente, o neurocientista também participou do documentário Criaturas da mente (2025), do diretor Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus, 2005), que pode ser assistido nas plataformas de streaming. Relacionando conhecimentos científicos com saberes ancestrais, o longa-metragem investiga este estado mental do sono – misterioso e coletivo –, que consiste na nossa capacidade de sonhar.
Dedicado a essa e outras temáticas, como os avanços do uso terapêutico da cannabis, discussão presente em seu último livro, As flores do bem (Fósforo, 2023), Sidarta Ribeiro se consolida como um cientista e pensador brasileiro da contemporaneidade. Neste Depoimento, ele chama atenção para o uso excessivo das telas, principalmente entre crianças e jovens.
dependência
Quem não está dependente de telas? Eu estou, estamos todos, e não é sobre elas serem ruins. O audiovisual é incrível, só que tudo em excesso faz mal. O problema é a falta de medida. Se as pessoas estivessem usando as telas com moderação, cuidando das horas por dia e da qualidade, mas nós não fazemos curadoria. Estamos vendo um monte de lixo, de mentiras, de coisas que desagregam a sociedade. E a quantidade é absolutamente excessiva. Isso foi desenhado cientificamente para deixar o nosso sistema nervoso em alerta constante. São muitos conteúdos interessantes, que chamam a atenção, tanto de boa quanto de má qualidade, e rápidos. Quando você vê uma coisa de que não gosta, há um incentivo para rolar a tela e ver a próxima. Já quando vê uma coisa de que gosta, existe um incentivo para rolar e ver se a próxima também é boa. Tudo muito bem arquitetado para nos capturar.
consequências
Sou pai de dois meninos, um de quinze e um de sete anos. E, às vezes, eu fico desesperado porque parece que as telas são a coisa mais importante do mundo, sabe? Quando a gente viaja de férias, eu fico negociando o tempo offline. Aí é uma discussão seríssima. Parece que você está tirando o oxigênio de uma coisa futura que vai acontecer. O uso excessivo de telas traz muita ansiedade também aos nossos jovens. A gente está causando um mal muito grande porque fomos nós, adultos, que deixamos isso acontecer e não pensamos direito nas consequências. A gente precisa fazer uma discussão sobre isso assim como discutimos a respeito de qualquer fármaco. Qual é a quantidade, qual é a dose e qual é a qualidade desse uso de tela? Se nós, mães, pais, avôs e avós, continuarmos a nos entregar dessa forma na frente das nossas crianças, como é que elas vão escapar disso?
saídas
Como é um almoço de domingo típico hoje em dia? Você vai a um restaurante e está cada um com a sua tela, não é? Parece tudo muito bem desenhado para a chegada triunfal dos robôs. Precisamos de um pacto transgeracional de moderação. Se a gente conseguir baixar o nosso tempo de tela e aumentar o nosso tempo offline, em sintonia, em conexão, aí fica muito legal. Ver filmes incríveis, ouvir música… é ótimo. Em família, temos que buscar promover um tempo com todos longe das telas para conversar, jogar jogos de tabuleiro, fazer capoeira, cantar junto, sair para brincar. Coisas que nós, quando crianças, tínhamos, que eram tão gostosas e que, hoje em dia, estão em risco de extinção. A gente lembra como era o mundo [sem as telas], nossos filhos não. Eles nem sabem o que estão perdendo, e essa é a grande dificuldade.

risco
A gente tem um desafio enorme aí. Esse mundo em que as redes sociais mandam e desmandam, fazem o que querem e não prestam contas à sociedade é um absurdo completo. E a única razão pela qual elas estão conseguindo, em muitos locais do mundo, estar nesse lugar indefinido é por causa da “força da grana que ergue e destrói coisas belas” [referência ao verso da música Sampa, composição de Caetano Veloso]. A gente precisa dar um limite para isso, pois o risco é muito alto. Se as novas gerações continuarem do jeito que estão, a gente vai ter – aliás, já tem – uma grande descontinuidade cultural em relação às gerações passadas.
I.A.
Ver um monte de conteúdo dá a sensação de que você sabe tudo aquilo, mas não sabe. Só vai saber mesmo quando escrever, falar sobre aquilo, quando alguém te der um feedback dizendo: “isso aqui está correto; isso aqui não”. Há uma ilusão de aprendizado, o que é muito perigoso. Poucos são os jovens que estão se dando conta do tamanho do problema, e eles estão cada vez menos capacitados, ao mesmo tempo em que as inteligências artificiais estão se capacitando em tudo. Onde isso vai dar? A gente vai ficar obsoleto, os seres humanos vão ser colocados para fora do mercado de trabalho. O Goldman Sachs [banco de investimento multinacional estadunidense] fez um estudo estimando em 300 milhões de empregos perdidos, e a McKinsey [empresa global de consultoria], um número maior.
mudar
O mundo das telas ganha do livro de 7 a 0. Eu estava conversando com o professor de português do meu filho, aí ele fez uma citação do Guimarães Rosa (1908-1967) e eu falei: “Tá, mas quando ele vai ler Guimarães Rosa?”. O professor, então, parou e me disse: “É, ninguém ali [da turma] vai ler, né?”. Se as novas gerações não vão ler nada do que a gente leu, não vão escutar nenhuma música que a gente escutou, não vão conhecer a história do mundo, se vai ser tudo totalmente mediado por telas, e sem história, isso é um prato cheio para a dominação. A gente precisa se posicionar e mudar os hábitos. Se mães e pais querem que os filhos tenham outras relações com as telas, também têm que estabelecer outras relações.
A EDIÇÃO DE OUTUBRO DE 2025 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Para ler a versão digital da Revista E e ficar por dentro de outros conteúdos exclusivos, acesse a nossa página no Portal do Sesc ou baixe grátis o app Sesc SP no seu celular! (download disponível para aparelhos Android ou IOS).
Siga a Revista E nas redes sociais:
Instagram / Facebook / Youtube
A seguir, leia a edição de AGOSTO na íntegra. Se preferir, baixe o PDF para levar a Revista E contigo para onde você quiser!
Leia poemas inéditos de Rodrigo Garcia Lopes, ilustrados por Carcarah
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.