Um circo dentro da gente 

01/08/2025

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O circo entrou na minha vida não pela maneira mais usual e, talvez, romantizada: o circo de lona chegando na cidade trazendo consigo a alegria, a magia e o mistério. Mas teve, sim, sua dose de encantamento. Foi uma amiga que, em 2010, me chamou para fazer uma aula de tecido acrobático numa escola em Barão Geraldo, em Campinas (SP), onde morávamos. Tecido o quê…? Não sabia do que se tratava, mas fui mesmo assim. A palavra “acrobático” havia me seduzido. O lugar era no quintal de uma casinha, com uma lona pequena e alta montada. Das várias sensações que me marcaram nesse dia, a de que mais me lembro foi de nunca ter subido em um lugar tão alto sozinha, literalmente, com minhas próprias mãos (o tecido devia ter uns 10 metros de altura).   

O circo se apresentou para mim como uma atividade física intensa e imensamente satisfatória, que fazia, e faz, eu me sentir forte para além da força física. Conheci e pratiquei outras modalidades de aparelhos aéreos, como a lira, trapézio fixo e o trapézio de voos e, desde então, essa parte do universo circense me acompanhou nos caminhos que minha vida tomou.  

Na escola onde treino, a amiga, que me convidou para fazer uma aula de tecido, e eu comemoramos nossos aniversários de 40 anos. Compartilhamos o que sentimos e vivemos nessa prática. Todo mundo podia brincar à vontade. E esse brincar é uma das muitas coisas que o circo me ensina. Lembro até hoje que minha reação ao pular na cama elástica pela primeira vez foi de dar risada. Fiquei gargalhando e pulando, feliz.   

Outro aprendizado é o de comemorar as pequenas conquistas: um movimento que finalmente consegui fazer com as pernas esticadas, sem dobrar o joelho; sair da plataforma do trapézio sozinha, sem ninguém me segurando; fazer o truque no meu tempo, sem precisar ouvir os comandos do professor. Mas acredito que o ensinamento mais importante é o de estar presente, vivendo o momento. Pode parecer clichê, mas é real. Para estar lá em cima, no tecido ou no trapézio, é preciso que eu esteja conectada com o que estou fazendo, consciente de cada gesto e intenção.  

Em muitos sentidos, sinto que a dinâmica de movimento no trapézio, de voos, tem uma semelhança com os movimentos de mudanças, grandes e pequenas, na vida: estou na plataforma, um lugar estável onde me sinto segura; grito para o portô [função de um acrobata que sustenta ou carrega outro] que estou pronta; ele diz que está pronto;  salto, segurando a barra, para executar o truque; o balanço deve ser forte e os movimentos executados no tempo certo; meu objetivo é passar para a mão do portô. Vai ter um momento em que eu vou estar suspensa, não segurando a barra nem a mão do portô, vou estar no ar. Eu treinei o truque e sei o que estou fazendo, mas esses segundos de suspensão sempre dão um frio na barriga. Quando finalmente alcanço as mãos do portô, uma alegria toma conta do meu corpo e da minha mente, e sinto que consegui finalizar algo muito importante. Nas vezes em que eu não alcanço,vou para a rede de segurança. Desço e tomo o caminho de subida para começar tudo de novo. E nesses movimentos, me lembro de Mário Quintana: “Alegria é quando tem um circo dentro do coração da gente”.   

Layana Peres de Castro é linguista e cientista social, mestre em políticas públicas de memória. Atua na programação do Sesc Avenida Paulista

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