Under the Flesh [Sob a Pele] | Bienal Sesc de Dança

02/09/2025

Compartilhe:
Foto: Dmitrij Matvejev

🇧🇷 🇺🇸

Entrevista com Bassam Abou Diab | Coreografia e direção

Under the Flesh parte de sua experiência como testemunha de guerras. O que essa vivência deixa na memória do corpo?
Nasci no Líbano em meio à guerra civil e, da minha infância até hoje, vivi em meio a sucessivas guerras. O medo não era uma emergência; fazia parte da vida cotidiana. Sempre senti que meu corpo estava em estado de emergência, como se devesse esperar uma explosão a qualquer momento. Acho que isso moldou a qualidade do meu movimento: intensidade, força e violência. Quando comecei a criar a performance, passei a me fazer perguntas: por que eu danço dessa forma? Por que esses movimentos me dão uma sensação de segurança? Daí surgiu a conexão com o texto, que trata da relação do meu corpo com as bombas, e a relação profundamente enraizada entre sons violentos e música popular. O enfoque foi explorar a narrativa do corpo baseada na imaginação e em heroísmos lendários, mas com o corpo humano indefeso como o ponto central. O texto se torna um catalisador da música, e o som, um catalisador do movimento. A performance é uma tentativa de tornar a memória palpável, colocando a celebração coletiva como uma resposta ao perigo. Também questiona as imagens que os regimes perpetuam para estabelecer a guerra como uma realidade permanente. Para mim, esse trabalho é um mapa físico de sobrevivência.

A performance é uma tentativa de tornar a memória palpável, colocando a celebração coletiva como resposta ao perigo. É um mapa físico de sobrevivência

Foto: Dmitrij Matvejev
Foto: Dmitrij Matvejev

Como foi a composição dos movimentos em cena – essas “técnicas” de sobrevivência – e de que maneira alia dança e humor?
Eu transitei entre o teatro, o folclore e a dança contemporânea. Eu queria criar um teatro que me desse espaço para brincar e navegar em minhas práticas artísticas, abraçando o contexto ao meu redor, enquanto me esforçava para romper o domínio das técnicas ocidentais que pratiquei durante meus estudos de teatro. Quanto às “técnicas”, elas são uma mistura de minha experiência pessoal com práticas de dança contemporânea, dabke (dança folclórica) e rituais de luto. Alguns dos trechos entrelaçam estilos de dança e outros colocam o movimento em sua espontaneidade. Já a ironia, para mim, não é um meio de fuga, mas uma ferramenta de sobrevivência. Uma maneira de dizer: “Não sou uma vítima”. Uso o humor como recusa e resistência, para que eu não seja reduzido a um corpo ameaçado, mas seja visto como um eu que se adapta, confronta e alcança suas pequenas – embora temporárias – vitórias sobre a máquina de guerra e morte. A dança e o riso, juntos, abrem um espaço para o jogo, a liberdade e as possibilidades.

Como você enxerga o papel da dança na sociedade atual e o que ela pode mobilizar ou revelar sobre nossos tempos?
A dança é, para mim, uma celebração humana que coloca todos em pé de igualdade, criando uma aparência de relacionamento despido entre as pessoas, sem identidades de classe ou raciais. Um relacionamento físico, aberto e sensual que transcende a linguagem e a lógica. Em uma época em que tudo é cada vez mais subserviente ao capitalismo e à cultura do consumo, o corpo é uma ferramenta de protesto, uma demonstração de existência.

Foto: Andrea Caramelli
Foto: Andrea Caramelli

Sinopse

Under The Flesh [Sob a Pele]

O artista libanês Bassam Abou Diab parte de sua própria experiência, como testemunha de sucessivas guerras em seu país, para construir o espetáculo. Dirigindo-se ao público em tom de conversa, ele apresenta uma série de “técnicas” de sobrevivência, coreografias criadas por ele como formas de se proteger em conflitos. Trata-se, na realidade, de uma costura de linguagens vindas da dança contemporânea, de danças folclóricas (como o dabke) e de rituais de luto. Enquanto ensina à plateia seus métodos, embalado pelo tambor tocado em cena por Ali Hout , ele deixa seu próprio corpo contar a história de conflitos. Mas o corpo resiste: após as quedas, recobra-se e continua no seu ciclo. Neste seu ato de resistência, Bassam busca na ironia uma maneira de desafiar as máquinas de guerra e procura, na experiência coletiva e permeada de humor, lidar com sentimentos de medo e desalento.


🇧🇷 🇺🇸

Interview with Bassam Abou Diab | Choreography and direction

Under the Flesh draws from your own experience as a witness to war. What does that experience leave in the body’s memory?
I was born in Lebanon during the civil war and, from childhood to the present day, have lived through successive wars. Fear was not an emergency — it was part of daily life. I always felt that my body was in a constant state of emergency, as if I had to be ready for an explosion at any moment. I believe that shaped the quality of my movement: intense, forceful, violent. When I began developing the performance, I started asking myself: why do I dance this way? Why do these movements make me feel safe? That’s how the connection with the text emerged — it reflects the relationship between my body and bombs, and a deeply rooted link between violent sounds and popular music. The focus was on exploring a bodily narrative based on imagination and legendary heroism, with the vulnerable human body at its core. The text becomes a catalyst for the music, and the sound becomes a catalyst for movement. The performance is an attempt to make memory tangible by placing collective celebration as a response to danger. It also questions the images that regimes perpetuate to establish war as a permanent reality. For me, this work is a physical map of survival.

The performance is an attempt to make memory tangible by placing collective celebration as a response to danger. It is a physical map of survival

Foto: DmitrijMatvejev
Foto: DmitrijMatvejev

How did you create the movements on stage — these “survival techniques” — and how do you combine dance and humor?
I navigated between theater, folklore, and contemporary dance. I wanted to create a kind of theater that gave me space to play and explore my artistic practices, embracing the surrounding context while striving to break free from the dominance of Western techniques I trained in. The “techniques” are a blend of personal experience, contemporary dance practices, dabke (a traditional folk dance), and mourning rituals. Some sections intertwine styles, while others rely on spontaneous movement. As for irony, it’s not an escape mechanism but a survival tool. A way of saying: “I am not a victim.” I use humor as refusal and resistance, so that I am not reduced to a threatened body, but seen as a self that adapts, confronts, and claims small — even if temporary — victories over the war machine. Dance and laughter together create space for play, freedom, and possibility.

How do you see the role of dance in today’s society and what can it mobilize or reveal about our times?
Dance is, to me, a human celebration that places everyone on equal ground. It creates a stripped-down kind of relationship between people, free of class or racial identities. A physical, open, sensual relationship that transcends language and logic. In an age increasingly subservient to capitalism and consumer culture, the body becomes a tool of protest, a demonstration of existence.

Synopsis

Under the Flesh

Lebanese artist Bassam Abou Diab draws from his own experience as a witness to successive wars in his country to build this performance. Speaking to the audience in a conversational tone, he presents a series of “survival techniques” — choreographies he created as ways to protect himself during conflict. These are, in fact, a weaving of contemporary dance, folkloric forms (such as dabke), and mourning rituals. As he teaches his methods to the audience, driven by the live drumbeat of Ali Hout, Bassam lets his body tell a story of war. But the body resists: after each fall, it recovers and continues. In this act of resistance, he uses irony to confront the war machines and seeks, in shared experience and humor, a way to face fear and despair.

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.