Marcos Sorrentino: Biólogo e Pedagogo

06/02/2018

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foto por Jonas Tuci
Texto: Otávio Rodrigues

Coordenador do Laboratório de Educação e Política Ambiental da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (OCA-ESALQ/USP), Marcos Sorrentino exerce vocação que vem da infância. Nascido na zona leste de São Paulo, o professor conta que ouviu de seus pais histórias sobre nadar no rio Tietê. “Eu já não tive essa sorte.” A mudança da família para uma chácara em Embu das Artes, na Grande São Paulo, fez com que o menino curioso se interessasse pelas árvores, pelos bichos e ciclos da natureza. “Havia também uma entidade ambientalista na cidade, logo me aproximei.” Em 1977, já estava ajudando na criação da precursora Comissão de Defesa do Patrimônio da Comunidade, ao lado de Cacilda Lanuza, Aziz Ab’Saber e outros pioneiros. Como diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 e assessor especial do Ministro da Educação para a construção da política ambiental do MEC entre 2012 e 2014, Sorrentino é um observador atento das questões que envolvem organização social, educação e meio ambiente. E tem sido protagonista em propostas de transformação da sociedade através da educação ambiental. “É necessário acessar a compreensão crítica das pessoas a respeito das causas e consequências desse estado de coisas e buscar, individual e coletivamente, as causas da degradação”. Graduado em Biologia e Pedagogia e mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, doutorado e pós-doutorado em Educação pela Departamento de Psicologia Social da Universidade de São Paulo, o professor conversa com Cadernos Sesc de Cidadania sobre educação ambiental, sonhos de futuro, política, celulares, hortas urbanas, baionetas, cicloativismo e espiritualidade.

Como vai o ambientalismo em tempos de alta tecnologia?

Marcos Sorrentino – O ambientalismo não nega o progresso, o desenvolvimento, a melhoria de condições por meio da tecnologia. Mas quer que isso ocorra de forma pactuada, democrática, para todos. Entre as humanidades que estão no planeta hoje, como é que a gente propicia bem-estar? Para cada um e para todos ao mesmo tempo! Isso tem sido negligenciado em nossa agenda política, entre nações e no interior de cada estado ou nação. Então, a educação ambiental que nós trabalhamos é uma educação ambiental que, acima de tudo, busca uma cultura de procedimentos democráticos, uma aproximação entre as pessoas, para dialogar sobre como construímos um benefício mais amplo para todos nós.

”Quando as pessoas se organizam e visualizam os problemas que as distanciam de seus sonhos de futuro, de seus planos de sociedade, isso é educação ambiental.” – Marcos Sorrentino

Divulgar informações não seria suficiente?

Marcos Sorrentino – A transformação sócioambiental que desejamos é cultural, uma transformação de valores, de modo de produção e consumo. E, para isso ocorrer, não basta informação. É necessário que exista um processo articulador dos vários atores de um mesmo território para que eles estabeleçam um projeto político-pedagógico capaz de incidir na realidade daquele território. Eles constroem os processos que, gradativamente, farão essa transição de uma sociedade perdulária, egoísta, degradadora, em direção a uma sociedade sustentável, como nós genericamente a chamamos.

E estamos muito longe desse ideal?

A Rede Globo tem uma novela que fala sobre agroecologia, permacultura, agricultura sintrópica, e faz um Globo Repórter focado na agricultura orgânica. E no mesmo pacote a gente percebe toda a difusão da agricultura de commodities, da monocultura, a ideia de que “agricultura é tecnologia”, que “agricultura é pop”… E o cidadão comum fica sem entender. Ora, se até a Rede Globo está falando da agro-ecologia, da importância de evitar alimentos com agrotóxicos, por que no Brasil cada um de nós continua a consumir mais de cinco litros de agrotóxicos por ano? Onde está o descompasso entre o que se fala e o que se faz?

Como avaliar as campanhas de conscientização?

Um célebre psicólogo norte-americano chamado Robert Sommer escreveu um livro sobre arquitetura e a função do design, no qual há todo um capítulo sobre conscientização. Ali ele diz que nunca se falou tanto sobre meio ambiente – no entanto nunca se degradou tanto. Ou seja, não basta apenas informação. É necessário acessar a compreensão crítica das pessoas a respeito das causas e consequências desse estado de coisas e buscar, individual e coletivamente, as causas da degradação.

De que maneira se faz isso?

Essa capacidade de estabelecer nexos de causalidade entre o fenômeno e suas causas exige a participação de educadores. Eles precisam propiciar ao indivíduo aprendizado a respeito de quais são as causas e como se organizar para enfrentá-las, pois há sinais de que estejamos indo na direção do caos, ao encontro de mais e mais dificuldades para a existência de humanos e de não humanos no planeta Terra.

Como construir esse aprendizado?

Coletivamente. Um conceito que vem sendo construído coletivamente nos últimos 30 anos, a partir de experiências em processos educadores entre universidades ou junto a municípios, é o do Coletivo Educador. A ideia é que só é possível fazer as mudanças culturais com a radicalidade que o momento pede, que a questão ambiental exige, aglutinando todas as forças individuais e coletivas de um determinado território para que elas conspirem em favor dessa transformação. Os grupos que nas décadas passadas se organizaram para resistir aos regimes autoritários, no Brasil e na América Latina, desenvolveram um conjunto de experiências que apontavam para esse caminho – a necessidade e a importância de organização e de articulação. À medida que o sistema político abriu espaço para novas ideias, essas estratégias passaram a ser testadas como políticas públicas, não mais como mecanismo de resistência. Na década de 1960, Paulo Freire já falava no Círculo de Cultura, cuja ideia ampliada se assemelha à do Coletivo Educador, que faz um convite à aproximação entre instituições, indivíduos e movimentos, para que se pactuem propostas e se enfrentem as iniquidades a que todos somos submetidos. Quando as pessoas se organizam e visualizam os problemas que as distanciam de seus sonhos de futuro, de seus planos de sociedade, isso é educação ambiental.

{Para que

eu preciso ter o meu jardim?

Ora, tem o

jardim da praça,

está largado lá…

Eu vou lá e faço,

aí vêm os vizinhos:

é de

todos

nós} – Marcos Sorrentino

Preservar o meio ambiente é o caminho?

Quando a gente fala em degradação ambiental, não fala apenas de corte de árvores ou de extinção de espécies – e não que isso não seja muito importante. Mas se trata também de relações entre humanos. É inadmissível que, ainda hoje, tenhamos produção de armamentos em todo o mundo, produção que alimenta uma violência obtusa, mesquinha, uma violência por pequenos poderes, poder pelo petróleo, por pedras brilhantes, por posses as mais prosaicas – como um celular.

Até o celular?

Há um  filme interessante chamado Celular Manchado de Sangue, que conta como os componentes de nossos celulares são retirados de montanhas a africanas por crianças, sob a mira de baionetas. Bem, a gente pode ser feliz com o celular, é um instrumento maravilhoso, que propicia felicidade, as pessoas se fotografam, mandam para os parentes, para os amigos, tudo isso, mas à custa da opressão, da exploração? Precisa ser assim? Não!

O que tem visto de interessante por aí em termos de mobilização e ações coletivas?

Os ciclistas! Acompanhei pelo e-mail a articulação da União de Ciclistas do Brasil, vendo positivamente como é que se colocam posições e como se abre mão delas para continuar a construir estratégias de enfrentamento dessa lógica hegemônica do carro, de mortalidade de ciclistas nas cidades brasileiras… Então,  quei muito feliz de ver que no Brasil inteiro há ciclistas de periferia, de centro de cidade, classe alta e baixa, tudo, mas eles conseguem estabelecer um diálogo sobre prioridades, formas de intervenção na realidade, de solidariedade, de socializar experiências. Agora mesmo, um menino em São Carlos defendeu uma dissertação de mestrado sobre ciclovias, socializou no grupo, as pessoas já reagiram… Então, acho que essa hospitalidade, esse sentido de cooperação, meio que software livre, (do tipo) eu produzo e coloco para todo mundo usufruir, faz parte desse ideário ambientalista, dessa lógica, algo que a gente procura ter presente em cada desafio. Outro bom exemplo que vem da rua é a meninada que está cultivando a praça – como os Hortelões Urbanos, em São Paulo. Para que eu preciso ter o meu jardim? Ora, tem o jardim da praça, está largado lá… Eu vou lá e faço, aí vêm os vizinhos: é de todos nós! É difícil? É difícil, porque passa alguém, quebra, estraga, mas tudo bem – faz parte.

O senhor se interessa mais pela natureza ou pela política?

Por ambas, à base de 50%. Talvez 33%, porque acredito ainda ser seduzido pela questão interior, a espiritualidade. É um pouco a postura que Mário de Andrade tinha de encantamento com a vida, de andar pela cidade conversando com as pessoas, olhando para as árvores. Ele dizia que essa era a religiosidade dele – que acredito ser mais correto chamar de espiritualidade. Essa espiritualidade não é ter – é ser. É um compromisso existencial, e o Rubem Alves escreve umas coisas belíssimas sobre o plantio de árvores. Quem planta uma árvore, que para crescer pode demorar 50 anos, provavelmente não verá essa árvore  frutificando. Portanto, o seu prazer, o seu compromisso no plantio da árvore, tem uma conexão que vai para além do bem de sentar à sombra e comer o fruto.

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