Mês da Diversidade no Sesc Digital

08/06/2023

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por Bruno Carmelo

A partir desta quinta-feira, 8 de junho, a coleção Cinema em Casa na plataforma Sesc Digital incorpora ao catálogo três novos filmes para celebrar o Mês da Diversidade. A programação gratuita inclui títulos produzidos entre 2015 e 2019, de países distintos, representando diferentes formas de afirmar sua identidade de gênero e orientação sexual dentro de uma sociedade conservadora. 

O brasileiro “Meu Corpo É Político” (2017), dirigido por Alice Riff, busca entender de que maneira a vivência de jovens queer brasileiros atravessa questões sociais e econômicas quando eles habitam as periferias. Voltando-se à realidade paulistana, a cineasta acompanha o dia a dia de quatro pessoas (Fernando Ribeiro, Giu Nonato, Linn da Quebrada e Paula Beatriz) que combinam arte, educação e militância em sua trajetória de autoafirmação. 

Assim, as letras provocadoras de Linn da Quebrada, ainda em início da carreira, completam-se com a luta diária de Paula Beatriz, primeira diretora trans da rede de ensino no Estado. Fernando Ribeiro, um garoto transexual, busca ter sua identidade masculina respeitada nos registros oficiais, enquanto atravessa a fase de adequação hormonal. Já Giu Nonato, ativista e performer, transparece a força de suas composições artísticas. Em comum, os protagonistas enfrentam o desafio de lidarem com o público e serem ouvidos enquanto corpos socialmente demarcados. 

No entanto, engana-se quem acredita que obras políticas precisam ser carregadas de explicações, identificação de culpados ou um forte tom de urgência. Riff privilegia o olhar cotidiano, de contemplação, por meio das vidas em suas casas, com amigos e parceiros, no café da manhã ou no deslocamento até o trabalho. Assim, permite a identificação com vivências que, apesar de conterem especificidades, carregam percalços comuns a qualquer subjetividade cisgênero ou heterossexual. 

Cena do filme "Orgulho e Esperança".
Foto: Divulgação

Algo semelhante ocorre no britânico Orgulho e Esperança(2015), dirigido por Matthew Warchus. A comédia dramática parte de um curioso episódio verídico da década de 1980, quando um grupo LGBTQIAP+ de Londres decidiu apoiar os mineiros das cidades interioranas. Afinal, ambos eram alvos do regime ultraconservador de Margaret Tatcher, que freava tanto as reivindicações trabalhistas dos homens e mulheres nas minas quanto os pedidos por tratamento igualitário partindo de gays e lésbicas. 

Ora, esta ajuda inesperada suscitou conflitos e constrangimentos nos moradores de comunidades religiosas. A maioria destes operários nunca havia encontrado uma pessoa assumidamente gay, motivo pelo qual a aproximação entre pautas diferentes provocou desconforto. Apesar dos enfrentamentos e da forte pressão reacionária contra essa amizade, ambos os grupos encontram um ponto em comum em suas batalhas, além de perceberem as vantagens práticas (midiáticas, políticas e financeiras) desta cooperação. 

Este feel good movie elaborado a partir de temas bastante delicados (a luta política, a descoberta do HIV, as agressões homofóbicas nas ruas) conquistou uma legião de fãs graças ao tom bem-humorado da direção e ao grande elenco (Imelda Staunton, Bill Nighy, Paul Considine, Dominic West, George MacKay, Andrew Scott). Como resultado, conquistou um troféu no BAFTA e a Queer Palm do Festival de Cannes, além da indicação ao Globo de Ouro de melhor comédia ou musical. 

Uma história real também serve de motor ao italiano “Mãe + Mãe” (2018), de Karole Di Tommaso. A cineasta dedica a obra à esposa e ao bebê do casal. Ela narra uma versão tragicômica das dificuldades enfrentadas por duas jovens lésbicas quando decidem engravidar por meio de recursos de inseminação artificial. No entanto, enfrentam as dificuldades financeiras decorrentes dos caros procedimentos, além do preconceito de ambas as famílias, e das leis conservadoras na Itália, forçando-as a buscar auxílio na vizinha Espanha.  

Cena do filme "Mãe + Mãe".
Foto: Divulgação

O roteiro insere esta aventura nos moldes da commedia allitaliana, combinando percalços realistas com outros improváveis, que aproximam o tom do realismo fantástico. Enquanto esperam confirmações de exames e respostas de médicos, elas precisam hospedar turistas em sua casa; ajudar o amigo heterossexual com quem dividem o apartamento e encarar uma porta trancada, sem chaves, durante uma urgência. Os quiproquós envolvem até uma ligação telefônica à Nossa Senhora. 

Através desta obra, a diretora ajuda a suprir a carência de relatos homoafetivos focados nas mulheres, sempre em desvantagem no espectro LGBTQIAP+ em relação às histórias de homoafetividades masculinas. O filme jamais questiona a legitimidade da demanda de Karole e Ali pela maternidade, encarando com um misto de naturalidade e surrealismo o processo pelo qual lésbicas precisam passar para terem filhos, em comparação com o percurso de mulheres heterossexuais. 

As três estreias semanais do Sesc Digital permitem (re)descobrir representações leves e politizadas da diversidade sexual e de gênero, comprovando o amplo alcance popular do cinema LGBTQIAP+. Estas sessões tratam manifestações plurais da identidade enquanto algo a festejar e encorajar. Somem as visões trágicas e acusatórias de filmes queer de décadas atrás, muitos deles comandados por cineastas cisgênero e heterossexuais, e voltados a um público do mesmo segmento social, a quem se pedia mais tolerância e menos violência, por favor. 

O tom moralista de antigamente cede espaço, nesta trinca de filmes, às cores, à música, à leveza e à celebração da identidade queer despojada, orgulhosamente assumida como tal. Indivíduos gays, lésbicas, transexuais, travestis e demais identificações podem, enfim, ser representados no cinema enquanto sujeitos, ao invés de objetos de estudo. Não por acaso, trata-se de histórias que valorizam a família, porém num sentido amplo, costurando os laços de sangue àqueles eletivos, compostos por amigos, vizinhos, companheiros, e todos que nos ajudam a superar obstáculos pessoais. 

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