No filme Here, o diretor belga Bas Devos mostra o encanto de encontros, musgo e sopa

02/05/2024

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por Mariane Morisawa*

Na cidade grande, mais um prédio enche a paisagem de concreto, vidro e barulho. As poucas áreas verdes ficam encurraladas entre o asfalto e os edifícios. O cotidiano é de corre-corre, de olhos voltados para os celulares ou perdidos na multidão. Ninguém para, olha, ouve, sente. Here, filme do cineasta belga Bas Devos que entra em cartaz exclusivamente no CineSesc nesta quinta-feira (2/5), propõe que o espectador faça justamente isso: pare, olhe, ouça e sinta, pelo menos por 84 minutos.

Here é o quarto longa-metragem do cineasta de 41 anos, depois de Violeta (2014), Hellhole (2019) e Trópico Fantasma (2019). Ganhou o prêmio principal da seção Encontros do Festival de Berlim de 2023 e foi escolhido o melhor filme dessa mostra pelo júri da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema).

O cineasta belga Bas Devos / Crédito: Erik De Cnodder

Devos cria seu filme entre a realidade e o sonho, nos pequenos gestos, nas poucas palavras, nas delicadezas que aparecem, sim, quando estamos dispostos a ver o que está em volta.

Quem constrói esses prédios são pessoas invisíveis – na verdade, ninguém presta atenção em ninguém nas nossas metrópoles. Muito frequentemente, esses trabalhadores são “outros” também, migrantes no caso de São Paulo, imigrantes em Bruxelas, onde o longa-metragem se passa.

É uma Bruxelas, aliás, formada praticamente só por gente de fora e seus descendentes. Como o romeno Stefan (Stefan Gota), um sujeito quieto que está de partida para seu país natal, em princípio em férias, talvez de maneira permanente. A realidade do imigrante é dura, solitária, deslocada. Stefan mal tem tempo para sonhar, e suas noites são tomadas pela insônia.

Nos preparativos para a viagem, descobre a geladeira cheia e, assim, decide fazer uma sopa, que sai distribuindo aos amigos por praticidade. Mas será mesmo? Pois a sopa é um dos alimentos universais do carinho, do afeto e do cuidado. Stefan busca silenciosamente uma conexão.

Os atores Liyo Gong e Stefan Gota em cena de “Here” / Crédito: Divulgação

Já Shuxiu (Liyo Gong, montadora que nunca tinha atuado) tem muitos sonhos. Em um deles, perdeu a capacidade de nomear as coisas. Shuxiu nasceu na Bélgica, mas, filha de imigrantes chineses, vive entre as duas identidades. Brióloga, dedica-se a estudar os musgos.

Seu encontro com Stefan é inesperado e improvável, uma mistura de destino, acaso e sorte. O taoísmo diria ser algo determinado em vidas passadas.

Bas Devos diz ter se encantado pelos musgos pois dão muito, pedindo pouco em troca. São pequenas plantas terrestres fundamentais para todos os ecossistemas e para a recuperação de florestas devastadas, além de servirem como bioindicadores ecológicos, de depósitos minerais e da poluição da água e do ar. Mas ninguém percebe o musgo nem sua importância, até porque é preciso parar, abaixar-se, aproximar-se para enxergá-lo.

Não é muito diferente com os outros seres humanos com quem convivemos nessa era expressa, de distração constante. Para conhecer o outro, estabelecer relações e até encontrar o amor é preciso, afinal, pelo menos um momento de atenção.

*Mariane Morisawa é jornalista e crítica de cinema.

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