O ser-teatro, o ser-mundo

06/07/2023

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Por Danilo Santos de Miranda

O Brasil é feito de inúmeros Brasis. Existem as versões de país que nos enchem de preocupação e indignação – e há as versões que nos elevam e nos tornam plenos, intensos, brasileiros de dar orgulho. Um dos nomes para esse estado de plenitude poderia ser: um “Brasil-Zé Celso”.

Apontar que Zé Celso Martinez Corrêa foi diretor, ator, dramaturgo e agitador cultural talvez soe esquemático, já que esses papéis – exercidos com rara qualidade estética e engajamento político-cultural – talvez pudessem dar lugar a uma expressão mais simples e íntegra: um ser do teatro ou, sendo mais justo, um ser-teatro.

Falar de Zé Celso, sobretudo num momento de extrema tristeza como o de hoje, demanda veia poética. Precisamos inventar expressões para dar conta de alguém que era pura invenção. Nesse sentido, ele dá continuidade a uma tradição bem nossa, que remonta à antropofagia de Oswald de Andrade, na qual o mundo inteiro é matéria-prima para a criação. Relembro a energia de Zé Celso ao navegar em mares sem
fronteiras, de Bertold Brecht a Euclides da Cunha, de Antonin Artaud a Nelson Rodrigues, de Tchekov a Cacilda Becker.

Fronteiras não fazem o menor sentido em sua cartografia. Suas encenações atraíram pessoas de identidades as mais variadas: verdadeiros rituais de encontro e ousadia poética. Muitos desses rituais aconteceram em espaços do Sesc, que se transformavam em solo sagrado-profano, onde a trupe catalisada por Zé Celso experimentava inéditas liturgias.

E o ser-teatro torna-se ser-mundo. Zé Celso operou como poucos a metamorfose de expansão que transita do corpo individual para o corpo coletivo, deste para o espaço teatral – ah, o Teatro Oficina! –, do espaço teatral para o bairro do Bixiga, e daí para a cidade, para o país, para todo planeta. Nessa dilatação que une arte e política, teatro e urbanismo, ele se envolveu em debates que dizem respeito à própria lógica de funcionamento da cidade.

Falar mais parece ocioso, já que não é possível dar conta desse fenômeno que pudemos seguir de perto. Assim, deixo meus sentimentos aos familiares e aos amigos, e fico acompanhado de suas memórias: livres e irrequietas como Zé Celso.

Danilo Santos de Miranda e Zé Celso

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