Pantanal ardendo: fotógrafo João Farkas fala sobre as queimadas na região

25/09/2020

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Habituado a revelar a beleza de uma das mais ricas regiões do Brasil, fotógrafo João Farkas analisa as queimadas e os danos à nossa identidade como nação

Por Gustavo Ranieri*

Um dos fotógrafos brasileiros mais prestigiados em todo o globo, João Farkas tem uma longa história com o Pantanal. Prova concreta é o recém-lançamento, neste mês de setembro, de um livro homônimo, publicado pelas Edições Sesc São Paulo e que oferece ao leitor 80 imagens de um dos biomas mais ricos do país. Mas tal relação não se resume ao homem empunhando sua câmera para capturar a beleza da fauna e flora dessa imensa área no Centro-Oeste. Pelo contrário, é um artista que, de alguma forma, está enraizado ali também, constantemente em expedição na região e um dos responsáveis, inclusive, pelo Documenta Pantanal, organização que atua na documentação e estímulo ao diálogo com organismos e instituições ligados a questões de sustentabilidade. Portanto, para alguém tão habituado a revelar com maestria a beleza do Pantanal, é desesperador testemunhar o que é considerado o pior período de queimadas das últimas décadas, o qual vem consumindo milhares de hectares da reserva e provocando a morte de animais-símbolo da biodiversidade brasileira.

São vários os fatores que dificultam o combate aos incêndios, entre eles o período extremamente seco, os ventos, a demora das esferas governamentais para agir e a escassez de medidas efetivas por parte delas, assim como, claro, a falta de conscientização, já que segundo especialistas, boa parte dessas queimadas ilegais foram feitas por proprietários da região, visando deixar o solo limpo para plantio ou pastagem.

Querendo saber a opinião do fotógrafo João Farkas sobre o que está acontecendo e entender um pouco mais sobre sua relação com o Pantanal, fizemos a entrevista que você pode acompanhar a seguir.

Tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal | Foto João Farkas

Para um fotógrafo que registrou com tanta maestria a beleza do Pantanal, como olhar e analisar esse cenário gritante dos incêndios?
Para quem trabalhou no Pantanal e entrou em contato com aquele universo tão interessante, tão bonito e tão diverso, ver o Pantanal queimar é muito triste. Se já é para quem não esteve lá e não conhece, imagina para quem vive naquele ambiente e tem trabalhado lá, como é o meu caso. E não só pelo Pantanal aquilo me preocupa, mas também porque, em minha visão, por ele ser muito delicado e frágil em seu equilíbrio, ele é uma espécie de termômetro do que está acontecendo no planeta. Na verdade, o Pantanal está sendo vítima da ação humana, seja em relação ao clima, seja em relação ao solo e outras questões, é o tal do antropoceno, era em que a gente vive e na qual o homem conseguiu um poder enorme de alterar a paisagem e o meio ambiente com consequências por vezes muito perigosas. Então, acho que o Pantanal é um alerta do que a gente está fazendo com o planeta.

E como você observa a mobilização da população e, especialmente, a postura governamental diante do problema?
Parece-me que o Brasil, que a nossa sociedade tem uma baixa organização e mobilização para causas importantes. E não é de hoje que o Brasil descuida do seu patrimônio natural. Talvez hoje a gente esteja vivendo o momento mais agudo desse descuido e isso é muito triste, porque como sociedade a gente não está percebendo o valor que isso tem, inclusive econômico. Não tenho dúvida de que a biodiversidade, esse reservatório de natureza do Brasil terá um grande valor no futuro. Penso que a gente como país e como sociedade está negando uma coisa muito importante para a gente mesmo, para as futuras gerações e para toda a humanidade. Penso que cuidar da natureza é inteligente, inclusive do ponto de vista econômico. É uma falsa dicotomia achar que proteger a natureza é colocar o planeta dentro de um museu. Na verdade, tem que preservar de forma viva, produtiva e atuante. A gente sabe que é possível cuidar da natureza e, ao mesmo tempo, obter dela o que é preciso como civilização.

Sabe-se que anualmente, na época da seca, queimadas acontecem nessa região, contudo, o clima seco agora está mais longo do que de costume, impactado também pelo desmatamento da Amazônia. Quais medidas mais drásticas, em sua opinião, deveriam ser tomadas a partir de agora, já que não podemos voltar no tempo para impedir o que está em curso?
Como não sou técnico em legislação, políticas públicas ou gestão ambiental, para mim é muito difícil dar uma opinião. O que penso é que a gente está lidando com questões muito amplas, como o aquecimento global e a mudança climática. Ou seja, são fenômenos que a humanidade vem criando, produzindo ao longo de séculos. Obviamente, algumas pessoas e muitos governos e organizações já perceberam que a gente caminha aceleradamente para um aquecimento muito grande, que traz enormes transformações no clima, no regime de chuvas, na temperatura do Pantanal. E é assustador. Estamos vendo isso em todos os lados e não sei quais medidas seriam realmente efetivas. Uma coisa é você decidir parar algo ou decidir começar aquilo que pareça melhor. E outra coisa é fazer essas medidas acontecerem de fato. O Brasil tem sido muito pouco efetivo na implementação de políticas, mesmo quando elas existem. Por isso, não sei qual é o grau de sucesso que a gente vai ter para impedir essas queimadas. O que vejo é que se a gente não conseguir mostrar para o mundo que a gente está preocupada e agindo da melhor forma possível, isso vai ferir os interesses econômicos, comerciais e diplomáticos. Não se trata apenas de defender a natureza, mas também do sucesso econômico de uma nação, pois você não pode ser um país que não se preocupa com a natureza. Senão, seu produto não será mais aceito, como já está começando a acontecer, isso fere toda a economia brasileira. Assim, não é apenas uma questão ambiental. É preciso salvar o tuiuiú, a arara-azul, o jacaré, assim como a saúde financeira de um país, de um povo. Necessariamente, o Brasil vai precisar acordar para isso; talvez não seja agora, talvez demore um pouco, mas terá de ser feito.

Como fotógrafo, como artista, o que o Pantanal representa em sua vida? De que forma, além das fotos, ele se relaciona com você?
Tenho uma relação muito forte com a natureza, não apenas pelo prazer de estar nela e poder apreciá-la, mas também porque, ao meu ver, a sociedade moderna foi adquirindo uma tamanha complexidade, uma falta de parâmetros, sejam morais, sejam estéticos, o que torna a natureza uma espécie de porto seguro para humanidade de hoje. A natureza está aí levando muita porrada da gente, mas continua mostrando que as coisas podem funcionar dentro de um certo ritmo, que podem ter uma certa beleza e harmonia, quesitos que a gente está perdendo como civilização, pois se vive um desenvolvimento material interessantíssimo, mas um desequilíbrio muito grande de valores internos, pessoais e humanos, e também na relação com a sustentabilidade do planeta. Então, para mim, olhar para a natureza e estar na natureza é o grande alimento que falta para a humanidade. E também acredito que a arte se tornou uma atividade extremamente crítica, porque há tanto problema no mundo contemporâneo, questões de dissonância, de intolerância, que a arte contemporânea reflete isso, mas é um reflexo que, muitas vezes, pode ser desagradável, já que é feito de fato para incomodar. Por outro lado, você pode ter uma relação com a natureza expressa na arte e feita para continuar mostrando esse paradigma de equilíbrio, de beleza e de padrão que nos falta. Estou há um ano sem ir para o Pantanal e, por incrível que pareça, o que mais me faz falta do Pantanal é aquele silêncio. Ele tem um silêncio monstruoso, maravilhoso, que você só repara quando volta para a cidade. A gente é natureza, então, negar o valor e a convivência com a natureza é negar a gente mesmo.

Foto João Farkas

*Gustavo Ranieri é jornalista e escritor.

>> Saiba mais sobre o livro Pantanal, de João Farkas (Edições Sesc).

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