Rejane Dal Bello e o design gráfico como transformação social

30/12/2018

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A designer Rejane Dal Bello | Foto: Anna Huix

A relação entre o belo e o funcional sempre guiou o trabalho de Rejane Dal Bello*, premiada designer brasileira, radicada em Londres. A convite do Sesc Avenida Paulista, ela criou a identidade visual para a divulgação impressa e online dos cursos e oficinas 2019 da Unidade.
Aproveitamos para conversar com ela sobre sua trajetória pessoal e o trabalho de designer no Brasil e no exterior. Confira:

EOnline: Conte um pouco sobre sua trajetória profissional.

Rejane Dal Bello: Eu vou tentar dar um resumo dos 22 anos de carreira com palavras rápidas:
Cursei a faculdade de design gráfico no Rio e em menos de seis meses já estava fazendo estágio num escritório com foco em identidade visual. Mas como entrei na faculdade quatro anos antes do ano 2000, todos estavam esperando, após a virada de década, que tudo fosse ser digital e tecnológico somente. Meus professores na faculdade recomendaram que a gente focasse nessa parte e foi o que eu fiz. Antes da faculdade trabalhei em duas grandes empresas focadas na parte de website/digital.

Meu projeto final da faculdade foi programar um CD-ROM e fiz tudo sozinha programando com um livro de 500 páginas de um professor. Antes não tínhamos tantas facilidades de tutoriais e acesso a coisas novas. Bom, o ano 2000 chegou e realmente não mudou o mundo significativamente como estávamos pensando. Então resolvi desistir de focar em digital e voltar para a minha paixão que era design gráfico/identidade visual/branding.

Fui então passar 6 meses fazendo cursos de extensão na School of Visual Arts in New York, onde tive aulas com Milton Glaser, um dos mais famosos designers, que fez  logo I (Heart) NY e outros cursos extras. Nessa passada por NY, fiz uma entrevista na empresa HBO e fui chamada para trabalhar lá. Mas meu coração ainda estava muito ligado ao Rio e queria desenvolver meu trabalho no Brasil, já que Nova Iorque não conquistou meu coração como lugar para viver. É um lugar excelente, mas viver é muito duro, achei muito comercial.

Voltei para o Brasil e fui empregada na Ana Couto Design, a empresa líder da época de branding e lá fiquei por uns quatro anos. Ao mesmo tempo trabalhava aos domingos com trabalhos sociais e me veio a vontade de juntar os dois mundos e uma pergunta que não cessou, que foi: “Tem como design gráfico atuar em problemas da sociedade?”
E nisso eu embarquei para fazer um mestrado de dois anos na Holanda, onde o foco era olhar para a cidade e seus problemas. Eu foquei no problema “how to prevent long term-homelessness”. Ao mesmo tempo estava empregada num dos escritórios mais icônicos da Holanda, que é o Studio Dumbar, no qual permaneci por nove anos e foi amor à primeira vista. No país eu também dei aula para bacharelado em design gráfico e acabei sendo chamada para ser professora do mestrado no qual eu também fui estudante.

Depois desses nove anos recebi uma proposta para trabalhar numa das maiores empresas de branding da Inglaterra: Wolff Olins, em Londres, e fiquei lá por dois anos. Mas logo decidi que era hora de abrir meu próprio estúdio e espaço, já que já tinha a necessidade de equilibrar melhor meus trabalhos sociais, comerciais e autorais. E essa é a etapa em que estou no momento. Tenho um estúdio em Londres e a princípio trabalho só, mas quando os projetos são de médio a grande porte, eu me junto com meu creative partner, e trabalhamos com os talentos que o projeto necessita no momento. Assim tenho a flexibilidade no nosso dia a dia sem ter a preocupação de sempre ter projetos grandes para alimentar muita gente. O que é importante para mim é fazer os projetos. Eu tenho prazer de ser a designer e botar a mão na massa.

Identidade visual criada para os cursos e oficinas de 2019, no Sesc Avenida Paulista

EOnline: Comente sobre alguns dos seus trabalhos de cunho social:

Rejane Dal Bello: Vou comentar sobre dois:

1) Um trabalho muito importante para mim foi fazer a identidade visual toda de um hospital no Peru. O hospital é para o povo peruano e oferece serviços de graça! Conheci a holandesa que mudou a vida dela inteira para botar esse projeto em realidade, de fazer esse hospital, e por isso eu me inspirei muito no sonho dela, que é tão rico e tão raro nesse mundo: ajudar.

Eu tenho trabalhado com ela por 14 anos ou mais… E fiz tudo remotamente, nunca fui a Arequipa e nunca visitei o hospital, o que é o mais impressionante!


Identidade visual criada para hospital no Peru

2) Outro projeto é a Série Dr. Girafa. São livros que contam a história de uma doença infantil. Um projeto totalmente self-initiated. Explicar uma doença, seja ela comum ou rara, a uma criança nunca é tarefa simples. Todos os pais em algum momento terão que passar por isso, mas saber o que e como dizer é muitas vezes um desafio. Às vezes eles não possuem os conhecimentos médicos necessários para explicar a doença e oferecer conforto, algo tão fundamental nesses momentos. E justamente aí o Dr. Girafa aparece para cumprir seu papel. Com palavras simples e desenhos, baseado nos conhecimentos médicos, cada livro da série conta a história de uma doença infantil – desde as mais comuns até as mais raras. Para o alívio dos pais, o Dr. Girafa pode auxiliá-los nessa tarefa tão difícil que é ajudar os pequenos pacientes a entenderem pelo que estão passando, de forma clara, utilizando os conhecimentos médicos e (o que não é menos importante) proporcionando uma leitura agradável.

Publiquei três doenças infantis: catapora, lábio leporino e leucemia, em quatro línguas.


Detalhe do livro Dr. Girafa

EOnline: Quais são as principais diferenças no trabalho de design no Brasil e na Europa? O que você sentiu de diferente em termos culturais e de linguagem artística?

Rejane Dal Bello: A grande diferença é a valorização pela cultura em geral. Aqui na Europa todos vão ao museus sempre e a arte é essencial e primordial. Design é uma forma de arte em algum sentido também, e ter a abertura para novas ideias é muito importante para que os projetos possam atingir um impacto maior e realmente serem identificados e visualizados por muitos.
Se não se produz um projeto com um ponto de vista forte conceitual e visual o projeto dilui e não tem nenhum efeito no mercado. Acho que a noção de que um bom design, e de que esse investimento é um bom negócio, pois gera um entendimento mais vasto e pode ir além do que seria “previsto” no convencional, é o que eu acho mais provável de experienciar no velho mundo. Mas tudo tem sua exceção e também não é regra de jeito nenhum.


Projeto European Design Award 2010, em Rotterdam

EOnline: Cite seis artistas/profissionais que te influenciam

Rejane Dal Bello: Aloísio Magalhães, Paul Rand, Milton Glaser, Gert Dumbar, Sister Corita e Dick Bruna.

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Diretamente  de seu escritório em Londres, Rejane conta um pouco mais sobre a
identidade visual criada para os cursos e oficinas 2019

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