UMA CANTORA ‘FORMIGUINHA’ | A autenticidade e dedicação de Mônica Salmaso

01/04/2024

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Mônica Salmaso dispensa estereótipos da fama e valoriza a autenticidade e a incansável dedicação ao ofício musical

   Leia a edição de ABRIL/24 da Revista E na íntegra

Apontada pela crítica como uma das grandes vozes da música brasileira contemporânea, a cantora paulistana Mônica Salmaso celebra o fato de poder andar pelas ruas de maneira tranquila. Uma contradição para o imaginário popular, que costuma medir o sucesso de um artista a partir dos estereótipos de uma vida de celebridade. 

“Amo o meu trabalho e a carreira que construí. Estou no meu melhor lugar neste momento, mas não é um lugar de fama. Sou uma ‘cantora formiguinha’, que faz questão de trabalhar em cada detalhe”, orgulha-se. 

Ela emergiu na cena musical dos anos 1990 e seu nome ganhou destaque em todo o país durante a pandemia, em 2020, com a popularidade do seu projeto virtual Ô de Casas. Foram 175 gravações em que se apresentou com músicos convidados, cada um em sua casa e ocupando metade da tela do celular, por meio de uma montagem nas redes sociais. “O que era despretensioso virou alento, uma forma de continuar fazendo música e de ofertar afeto ao público em um momento tão difícil”, recorda. 

Em 2022, a cantora foi convidada por Chico Buarque para acompanhá-lo na turnê Que tal um samba? No ano passado, Salmaso se juntou a nomes como Gilberto Gil, Leila Pinheiro e Lulu Santos para interpretar as faixas do álbum Afeto (Selo Sesc, 2023), em homenagem aos 90 anos de Carlos Lyra (1933-2023), que faleceu duas semanas após o lançamento do disco.  

Com a agenda recheada de convites e projetos solo e em parceria com outros artistas, Mônica Salmaso vem consolidando uma carreira que já se aproxima de três décadas de estrada. Neste Depoimento, ela compartilha reflexões sobre a identidade musical brasileira, relembra momentos importantes de sua trajetória e esboça planos para o futuro. 

vitrolinha   

Não tive exemplos de pessoas que viviam das artes. Por volta dos meus seis anos, um tio me presenteou com uma vitrola de plástico vermelha e aquela antiga Coleção Disquinho (Gravadora Continental, 1960), que fazia sucesso contando historinhas infantis acompanhadas de composições do Braguinha (1907-2006). Daí por diante, comecei a ouvir os discos dos meus pais, que eram poucos, mas bons e variados. Tinha um tanto de Dorival Caymmi (1914-2008), Chico Buarque, Roberto Carlos, Vinícius de Moraes (1913-1980), Milton Nascimento, Caetano Veloso, Elis Regina (1945-1982). As músicas e os artistas formaram em mim o que chamo de “banco de emoções”, porque mesmo sem entender as letras, eu conseguia sentir as emoções que aquelas canções transmitiam. De tanto ouvir, comecei também a cantar ao lado dos adultos, nos encontros musicais que meus pais organizavam em casa. Foi assim que alguém notou que eu era uma criança afinada, e, claro, eu gostei do elogio! Ouvir e cantar música brasileira virou meu prazer! No entanto, ainda que eu olhasse para aquele mundo com olhos apaixonados, não tinha a pretensão de ser cantora, era um sonho muito distante para a minha realidade.  

ofício 

Eu estava com 18 anos e fazia cursinho para o vestibular. Queria cursar jornalismo, por influência de uma prima, mas estava sofrendo de ansiedade na sala de aula. Não suportava passar tantas horas tentando decorar nomes e datas para uma prova. Foi quando, andando pela Vila Madalena, encontrei um amigo saindo todo feliz da escola Espaço Musical, do Ricardo Breim. Pensei: “Preciso fazer aulas de canto para compensar a minha angústia”. Convenci meus pais e me matriculei. Comecei a fazer aulas, teóricas e práticas, e o sonho não era mais um delírio, ser cantora se tornou um ofício factível. Poucos meses depois, larguei o cursinho e anunciei que seria uma cantora profissional. Meus pais devem ter ficado aflitos diante de um futuro tão incerto, mas confiaram em mim. Logo, dei minha primeira canja e não parei mais. 

sorte 

Um ano e meio depois de ter começado as aulas, surgiu um convite inesperado: a mãe de uma amiga me elogiou para a atriz Rosi Campos e ela, mesmo sem me conhecer, indicou o meu nome para o diretor de teatro Gabriel Villela, que procurava alguém para cantar na peça O concílio do amor (1989), no papel de Verônica. Hoje, eu vejo que a companhia de teatro me trouxe a segurança e o acolhimento de que eu precisava. Segui na peça até que Eduardo Gudin me convidou para participar do disco Notícias dum Brasil (1994). Outra vez abracei a oportunidade. E foi o próprio Gudin que, tempos depois, também me provocou a fazer um disco só meu. Ele propôs: “Que tal gravar Os Afro-sambas, de Baden Powell (1937-2000) e Vinícius de Moraes?”. Fiquei apreensiva. Eu ainda não me sentia uma cantora, mas uma paraquedista de sorte, e com uma tremenda responsabilidade. Mas topei o desafio. Em 1995, gravei o álbum ao lado de Paulo Bellinati, violonista, compositor e arranjador, e deu certo! Talvez seja um golpe de sorte, mas eu me preparei bem para ele. 

Reprodução

ENTENDO QUE A VIDA É UMA MISTURA ENTRE AS ESCOLHAS QUE A GENTE FAZ E AS OPORTUNIDADES QUE NOS APARECEM. EU SEMPRE ME DEDIQUEI ÀS MINHAS OPORTUNIDADES. 


Pelo projeto musical de lives Ô de Casas, durante a pandemia, Mônica Salmaso recebeu o cantor Chico Buarque para interpretarem juntos a canção “João e Maria”, acompanhados pelos músicos Teco Cardoso (flauta) e Luiz Claudio Ramos (guitarra). Foto: Reprodução

revelação 

Me lembro de ficar impressionada com a carreira independente do Eduardo Gudin. Na casa dele tinha um fax, um computador e um telefone. Só com isso ele desenhava as turnês que fazíamos pelo Brasil, e eu gostei desse jeito “formiguinha” de trabalhar. Foi exatamente assim que decidi construir o meu caminho. A verdade é que eu nunca quis largar meu trabalho nas mãos de alguém, nunca quis me tornar uma personagem e ser diferente de quem sou. Isso fez com que minha carreira fosse mais segmentada e, talvez, menos popular. Brinco que sou vista como uma cantora revelação, todo ano, há muitos anos. Mas não me importo com isso. Entendo que a vida é uma mistura entre as escolhas que a gente faz e as oportunidades que nos aparecem. Eu sempre me dediquei às minhas oportunidades. Aproveitei bem o meu caminho, e tenho orgulho de dizer que a indústria fonográfica não impôs o meu trabalho a ninguém, nem ele foi moldado por ela.  

janelas  

Sou casada com Teco Cardoso, também músico e profissional autônomo. Logo no início da pandemia, em 2020, fiquei muito angustiada. Eu estava assistindo a uma live do Alfredo Del-Penho, quando ele me viu online e me chamou para cantar com ele. Eu tentei, mas nosso dueto ficou uma pororoca, por conta do delay tecnológico. Mesmo assim, a gente se divertiu. No dia seguinte, disse ao Teco que queria consertar o embaraço daquela live. Fiz uma proposta ao Alfredo: “Você topa gravar um vídeo cantando e tocando “A Cor da Esperança”, de Cartola (1908-1980) e Roberto Nascimento (1940-2019)?”. O Teco sugeriu que eu cantasse olhando para um lado e o Alfredo para o outro, assim, depois de editar os vídeos, ficaria parecendo que estávamos interagindo. Publiquei o resultado nas redes sociais com o nome Ô de Casas. Outros amigos viram e disseram que queriam gravar também. Isso me ajudou a ocupar bastante a cabeça naquele contexto tão tenso. Foi assim, inclusive, que me enchi de coragem para convidar o Chico para participar e interpretar “João e Maria” comigo. “Chico, eu juro que você vai se divertir”. Ele confiou e topou. E, como era de se esperar, o público se emocionou ao ouvi-lo. Aliás, o Ô de Casas em si foi um sucesso bem inesperado. Hoje, eu sei que nosso projeto foi um respiro de sanidade. Esse projeto me fez olhar para a minha carreira e para o tanto que eu já havia construído até ali.  Foi uma corrente de afeto. 

Chico 

Antes de me entender como gente, eu já escutava e cantava Chico [Buarque]. Cresci apaixonada pela sua obra e tive meu primeiro contato presencial com ele em 2006, quando recebi um presente em forma de convite para participar do seu disco Carioca. Em 2008, com o desejo de homenageá-lo, gravei o álbum Noites de gala, samba na rua, só com músicas do Chico. Minha relação com ele, a pessoa, só se estreitou quando fiz o convite para o Ô de Casas. Talvez, essa tenha sido a sementinha e o incentivo para que Chico me presenteasse com o convite para a turnê de Que tal um samba?.  Nunca quis normalizar o fato de estar ao lado do Chico Buarque nos palcos. Participar da turnê foi um presente, tanto pra minha vida quanto pra minha carreira. 

identidade 

Tem gente que nasceu para a fama, está tudo certo, mas isso não é da minha natureza. Meus prêmios são os convites e o reconhecimento pelo meu trabalho. Também acho delicado quando comparam meu nome com o de outras grandes cantoras brasileiras. Não acho possível comparar a minha carreira com as delas, porque somos de momentos diferentes. Aliás, eu não seria quem eu sou se elas, minhas referências, não tivessem sido o que foram antes. Eu não tento ser igual, nem diferente das outras cantoras. Esse é o meu conselho para quem está começando sua carreira: seja você e isso já te faz ser único. 

futuro 

Quero ser reconhecida como uma cantora brasileira, formiguinha, que deu o seu máximo pelo ofício. Podem gostar ou não do meu trabalho, mas não podem dizer que o faço malfeito, isso não aceito! Tomara que eu possa cantar até meus 90, livre dos calores da menopausa, sem neura, feliz e numa boa. Minha projeção de futuro é cantar enquanto for bom e prazeroso. Tomara!   

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com a cantora Mônica Salmaso, registrada do estúdio do Sesc Vila Mariana, em dezembro de 2023.

Assista a trechos da conversa com Mônica Salmaso para a edição de abril da Revista E. Captação: Guilherme Barreto. Edição: Rafael Ohana.

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