UMA VIDA EXTRAORDINÁRIA | Narrativa visual de Danilo Santos de Miranda

28/11/2023

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Filósofo e sociólogo, Danilo Santos de Miranda dedicou sua trajetória a promover a arte e a cultura numa perspectiva humanista, educativa e democrática

POR ADRIANA REIS PAULICS

Leia a edição de DEZEMBRO/23 da Revista E na íntegra

Ele viveu 80 anos e construiu um sólido legado como gestor cultural. Diretor do Sesc São Paulo desde 1984, Danilo Santos de Miranda (1943-2023) promoveu a arte e a cultura como elementos fundamentais  para a cidadania e o bem-estar social e, portanto, com o dever de serem sempre acessíveis ao público. Em quatro décadas à frente da instituição, trouxe ao Sesc nomes importantes das artes e do pensamento crítico, possibilitando que os frequentadores das unidades se aproximassem e se apropriassem da produção cultural contemporânea do país e também do exterior. “A arte é indispensável para que possamos avançar e nos faz ainda mais humanos e capazes de sentir e perceber a realidade a nossa volta”, dizia.

As contribuições de Danilo receberam reconhecimento amplo, inclusive em âmbito internacional. Ao considerar a essencialidade da arte para a formação humana, o pensamento do “professor”, como era chamado, trouxe novos significados para a cultura e tornou-se referência na valorização da pluralidade de saberes e expressões, tendo a diversidade como valor a ser celebrado.

A seguir, estão reunidas algumas das reflexões que dão a dimensão humanista e plural que são marco do trabalho de Danilo, acompanhadas por fotos que constroem a narrativa visual sobre essa trajetória. Os trechos de depoimentos foram extraídos de entrevistas publicadas pelo Guia brasileiro de produção cultural: ações e reflexões (Edições Sesc São Paulo, 2022) e da entrevista que Danilo concedeu à edição de abril de 2023 da Revista E, por ocasião de seu aniversário de 80 anos. Parafraseando Danilo em uma de suas palavras recorrentes ao se deixar encantar pelas artes: foram oito décadas de uma vida “extraordinária”.

Longevidade

Do ponto de vista do acúmulo da experiência, me considero privilegiado. Tive uma infância muito ativa e feliz, uma formação razoavelmente sólida, e uma vida profissional também bastante variada. Minha vida foi sempre divertida. Tive momentos muito efusivos e tive, como todo mundo, momentos intensos e problemáticos, além de ter enfrentado dificuldades em função das minhas opções. E eu, sobretudo, acredito no futuro – pessoal, coletivo – e me coloco como alguém que, dentro do meu pedaço, batalho por um mundo melhor.


Junto ao músico André Abujamra na abertura da exposição Rigor e caos – Antônio Abujamra, no Sesc Ipiranga, em novembro de 2018. Evelson de Freitas

Pensar

O que noto, muito gravemente, é que falta pensamento no mundo hoje. Com frequência, as coisas são feitas de maneira superficial ou instintiva, não refletem a verdadeira vocação do ser humano, que é refletir, pensar nas coisas, pensar na vida. Acredito que a pandemia até ajudou nesse freio de arrumação para podermos pensar com um pouco mais de seriedade nas coisas e na indispensável necessidade de aprofundar, estudar, analisar para tomar decisões, para ver o que é melhor para todos. A solidariedade está um pouco embutida nisso também.

Sentido

A arte é indispensável para que possamos avançar e nos faz ainda mais humanos e capazes de sentir e perceber a realidade à nossa volta. Os artistas têm essa característica de ser alguém que vislumbra, que imagina, que está além do tempo, que inventa, que força, que cria a beleza, mas cria também a dúvida, a indagação e coloca um ponto de interrogação na cabeça das pessoas ao mesmo tempo em que cria a beleza na música, no teatro, na dança, nas artes visuais, na literatura, no cinema. Sem isso, o humano perde o sentido. Somos iguais aos outros seres e participamos da vida sobre a terra da mesma forma que todos, mas somente a arte nos torna mais humanos e mais capazes.

Educação

Somos [Sesc] uma instituição educacional que atua na educação não formal. A cultura – por meio de temas, modos de fazer, levantamento de pontos de vista positivos e negativos a respeito de qualquer situação – faz parte de um processo educacional. A educação formal é parte do processo cultural, e a educação informal é permanente. Estamos sendo educados desde o momento do primeiro choro, no colo da mãe, do reconhecimento da voz… Por quê? Porque se transmite, assim, um modo de fazer ou de ser – e isso difere de uma cultura para outra. Temos, na vida, um tempo da educação formal, organizada por intermédio da escola, mas, depois dela, permanece – ou deveria permanecer – a perspectiva da informação e do conhecimento.


Lado a lado do amigo, o filósofo Edgar Morin, durante o lançamento da coleção Diários de Edgar Morin (Edições Sesc São Paulo, 2012), no Sesc Pompeia, em 2012. Alexandre Nunis

Teatro

Tenho sempre uma atenção especial pelo teatro pelo seguinte fato: o teatro consegue falar o que ninguém fala, consegue botar o dedo na ferida em que ninguém tem coragem de pôr, em todos os sentidos, até provocando coisas aparentemente absurdas, que não têm senso, não têm sentido nenhum e, no entanto, provocam.
O teatro é rico. Essa troca fantástica que a gente consegue fazer, levar e trazer, para mim, é o grande segredo da ação cultural séria e bem feita. E uma peça, por mais que seja montada milhares de vezes, não é a mesma nunca, é sempre própria daquele momento, porque cada pessoa que está ali, que está assistindo, tem uma história, uma vida e, por isso, a troca é diferente a cada vez. (…) O teatro tem uma missão extraordinária de poder fazer essa provocação de maneira bastante sólida, e as outras linguagens também, óbvio.

Provocações

A cultura tem um papel central para as pessoas perceberem onde estão e o que têm que fazer. Diria o seguinte: pensem sempre neste país, pensem no Brasil, pensem que a cultura tem um papel central para mudar isso que está aí. A cultura não é um complemento, não é simplesmente algo que vai trazer alegria, diversão e entretenimento. Vai além. Se não provocar o pensamento, a cultura não realiza sua missão. Edgar Morin é quem diz: “A cultura que não provoca não é cultura”. É indispensável melhorar esse país, então provoquem. Pensem no Brasil e provoquem, em todas as linguagens. Temos gente admirável em todos os campos.

Diversidade

Temos uma capacidade enorme de produzir no campo da música, temos uma variedade imensa nesse nosso país-continente, com gente de todo tipo, formação de todo tipo. A multiculturalidade brasileira, um fenômeno também bastante trabalhado, é um fato muito especial com essas influências todas: as originárias, dos indígenas, negros, brancos e europeus, mais os que vieram depois, nessa variedade imensa de gente que está chegando e deve ser bem recebida. O grande papel que aqueles que pensam na cultura têm que ter é com relação ao país, com a realidade brasileira, e, para isso, a gente tem que trabalhar, resistir, batalhar muito e provocar muito também.


Ladeado pelos músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, na comemoração aos 60 anos do Sesc São Paulo, em 2006, no Sesc Pinheiros. Piu Dip

Futuro

O Brasil tem condições de melhorar as coisas para o futuro, mas tudo isso envolve política, sim, envolve economia, sim, mas envolve, sobretudo, a cultura e o convencimento a respeito de quem nós somos. E que papel temos nós – os brasileiros comuns – nisso? Temos que colaborar no nosso nível, na nossa atividade, no nosso dia a dia. Eu, pessoalmente, tenho o privilégio e a responsabilidade de atuar no nível pessoal e de colaborar no nível institucional para, quem sabe, alcançarmos um futuro menos desigual.


Cumprimentando o cantor e compositor Criolo na pré-estreia da unidade do Sesc Guarulhos, em maio de 2019. Matheus José Maria

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