Vozes Trans: canto, afeto e representatividade no Centro de Música do Sesc Consolação

13/10/2025

Compartilhe:

Aula do grupo Vozes Trans no Sesc Consolação – setembro, 2025. Foto: Carol Vidal

Coral criado em 2024 reúne 80 participantes e forma uma rede de acolhimento e expressão artística para pessoas trans.

O coral Vozes Trans integra, desde 2024, a programação de cursos do Centro de Música do Sesc Consolação e atualmente reúne cerca de 80 participantes. Idealizado e ministrado por Luís Chamis e Eva Dantas, ambos pessoas trans, o curso oferece prática de canto coral e aulas de prática de conjunto voltadas a pessoas transgênero — mulheres trans, travestis, homens trans, transmasculines, pessoas não binárias e outras identidades não cisgênero.

O projeto surgiu a partir da percepção de Luís e Eva de que havia pouca presença de pessoas trans no mundo da música, tanto em corais quanto entre instrumentistas. Inicialmente, o curso foi pensado como uma oficina de canto e piano com 30 vagas; a adesão foi tão grande que o formato acabou se transformando em um coral de maiores dimensões – um dos maiores do mundo.

Com o aumento da procura, as turmas se multiplicaram ao longo dos semestres. Atualmente, o Vozes Trans conta com três frentes de atividade: prática de banda, canto coral iniciante e canto coral intermediário. Desde sua criação, cerca de 150 pessoas já participaram do projeto.

As primeiras apresentações ocorreram na mostra de alunos do Centro de Música, na área de convivência da unidade, com grande sucesso de público público suficiente para se apresentar no Teatro Anchieta, onde realizou uma apresentação memorável com lotação de 280 lugares — o maior público do ano na casa.

Voz não tem gênero

Uma das reflexões centrais do curso é a crítica à nomenclatura coral tradicional, que organiza as vozes por categorias historicamente ligadas a identidades de gênero (sopranos/contraltos; tenores/baixos). No Vozes Trans, a organização das vozes é feita por altura — graves, médios e agudos —, permitindo que qualquer pessoa cante no naipe em que se sinta mais confortável. A proposta reforça a premissa de que a voz não tem gênero e valoriza a pluralidade vocal de cada participante.

Representatividade também no repertório

O repertório do coral prioriza obras de pessoas trans brasileiras, fortalecendo não só a visibilidade vocal, mas também a representatividade na composição. Entre as canções interpretadas estão: Inteire – Ayô Tupinambá, Caju – Liniker, Zero – Liniker e 20 Milhões – Mascucetas.

As escolhas de repertório dialogam com experiências sensíveis da comunidade trans, mas também celebram alegria, criatividade e potência artística, ampliando uma narrativa de pertencimento e afetos.

No canal do youtube do grupo há trechos das apresentações, como esta abaixo:

Histórias em coro

Entre as trajetórias presentes no coral, várias falam de reencontros com a música, pertencimento e cuidado coletivo. Helina, professora de História e Geografia, atriz e artista educadora que hoje atua em pesquisa de direitos humanos na escola, relata que a relação com a música sempre esteve ligada ao teatro e que, no Vozes Trans, encontrou um espaço coletivo de acolhimento — um processo que ela descreve como um ato de “aquilombamento”.

Nico, 24 anos, engenheiro civil com mais de 16 anos de experiência musical (incluindo clarinete erudito e coros), destaca que vir de um ambiente majoritariamente cisgênero torna o coro um lugar importante de pertencimento: não é apenas ocupar espaço, é sentir-se parte de algo que o representa.

Carlota Miranda, cientista social e educadora comunitária, resgata a trajetória que começou a cantar na igreja presbiteriana aos 14 anos e, após anos afastada, encontrou no coral um espaço para ressignificar a música e a expressão artística, em contraponto aos episódios de exclusão que experimentou em ambientes religiosos.

Bruna Schneider (Bruna Jotinha), 63 anos, que transitou por profissões como odontologia e eletrônica antes de dedicar-se intensamente à música — tocando violino e violão —, enfatiza a diversidade de idades, raças e trajetórias presentes no grupo e celebra o coletivo como um projeto vivo que já atrai convites para apresentações externas.

Como participar?

Mais do que um curso, o Vozes Trans consolidou-se como uma rede de trocas, afetos e formação musical. As turmas atuais estão temporariamente com vagas esgotadas, e há previsão de novas inscrições para 2026. O sucesso do projeto sinaliza a força de uma comunidade que produz arte, visibilidade e pertença a partir de sua própria voz.

Saiba mais aqui.

 

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.