Formas de fazer e pertencer

01/12/2025

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No Centro da cidade, onde quase tudo parece urgente, aprendi a reconhecer outra cadência. Entre o vai e vem das ruas, entre as sombras antigas de ruínas e os reflexos dos prédios, há algo que permanece – uma respiração mais lenta, feita de memórias e presenças. Descobri que o Centro não é apenas passagem, mas permanência. Um lugar onde o tempo se acumula em camadas, revelando novas formas de fazer e pertencer.

Estar no Sesc São Bento [antes conhecido como Sesc Florêncio de Abreu], em pleno Triângulo Histórico de São Paulo, é habitar esse tempo sobreposto. Cada esquina e cada viela formadas por edificações aglomeradas guardam ecos de outras épocas: o barulho dos bondes, as vitrines antigas, as vozes que insistem em permanecer. Entre o ruído e o silêncio, a pressa e a pausa, encontro o sentido de estar no Centro. Essa metáfora urbana e arquitetônica reflete, ainda, a alta densidade construtiva, a escassez de áreas verdes e as ilhas de calor. Uma região que carrega em si a identidade, a história e os desafios da cidade.

Por trás do comércio e do trânsito incessante, surge o exercício de viver nesta rede de vidas que se cruzam diariamente: trabalhadores, artistas, moradores antigos, pessoas que, ao longo desses quase quatro anos em que atuo na unidade, reconheço pelo olhar. Neste território, o fazer deixou de ser apenas ação planejada para ser convivência, escuta e partilha. O ato de oferecer tornou-se, acima de tudo, um ato de aprender com o entorno, com as pessoas, com o cenário fragmentado e com as possibilidades que ele revela, como o próprio tempo que se move devagar.

Poeira e fragmento atravessam meu olhar e me ensinam a ver beleza onde antes via desgaste. A poeira não é sinal de abandono, mas de resistência, vestígio do que persiste, mesmo depois que o novo se instala. Cada fragmento encontrado nas ruas – como um bunker (tem na unidade), caixa forte (bar cofre), uma janela antiga, uma conversa interrompida, o som de um sino distante – é parte de uma narrativa ainda viva. Recolher esses pedaços é um gesto de cuidado, uma tentativa de recompor pertencimentos.

O trabalho que realizo no Sesc São Bento vai além das quatro paredes do equipamento. Acontece nas praças, calçadas, ruas, no Mercadão, no pátio do metrô, no Vale do Anhangabaú, nos becos e vielas do entorno. É neste território de encontros breves e afetos discretos que percebo a cidade em sua potência mais humana. Aqui, fazer e oferecer é criar vínculos, valorizar a diversidade e reconhecer que o cotidiano também é patrimônio. Cada oficina, mediação ou atividade realizada é, de algum modo, uma tentativa de reconstruir fragmentos de histórias, gestos e presenças. É convidar as pessoas a enxergar o Centro não apenas como lugar de passagem, mas como espaço de vida, troca e pertencimento.

Com o tempo, percebo que a cidade também me transforma. Ela me ensina a escutar com mais atenção, a reconhecer, a reinventar formas de existir em comunidade. Entre o peso da história e a leveza do cotidiano, encontro no Sesc São Bento um território de equilíbrio, um ponto onde memória e reinvenção caminham juntas, na ressignificação dessa trajetória do equipamento e da própria cidade. Sigo descobrindo maneiras mais próximas, sensíveis e humanas que ajudam a construir presença no território. Porque, no fim, o que o Centro me revela é simples e essencial:  é nele que a cidade, teimosamente, se refaz todos os dias. 

Mario Luiz Alves de Matos é contabilista, administrador de empresas, gestor cultural e gerente do Sesc São Bento.

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