Museus apostam em recursos sensoriais para ampliar acessibilidade

31/10/2022

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Leia a edição de novembro/22 da Revista E na íntegra

Para além de uma arquitetura acessível, recursos táteis, auditivos, visuais e outros dispositivos sensoriais ampliam a fruição em espaços expositivos

Por Maria Júlia Lledó Fotos Adriana Vichi

Imagine tocar o Sol de Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral, ou a ponta da espada de Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, na pintura Independência ou morte! (1888), de Pedro Américo. Experiências multissensoriais como essas, disponíveis em réplicas das obras no Museu do Futebol e no Museu do Ipiranga, respectivamente, estão cada vez mais presentes em exposições artísticas. Algumas dessas extrapolam o objetivo de ser uma reprodução da obra para tornarem-se parte delas. Esse processo ganhou força nas últimas duas décadas, quando museus e outras instituições culturais passaram a ampliar possibilidades de fruição. Para isso, tecnologias estão sendo criadas e aprimoradas com o objetivo de tornar pinturas, esculturas e outras peças mais acessíveis a um público diverso.

“No Museu do Ipiranga, a acessibilidade era uma premissa dentro da lógica de que pretendíamos oferecer uma exposição que tivesse diferentes canais de relação com os visitantes. Ou seja, que eles pudessem estabelecer uma relação com o acervo a partir de diferentes maneiras. E aí, entram os materiais táteis, além de recursos como Libras e audiodescrição”, explica Denise Peixoto, educadora do museu especializado em história e cultura material. 

Entrevista com a educadora do Museu do Ipiranga Denise Peixoto. Edição: Guilherme Barreto


A moeda de metal em grande escala é uma das ferramentas multissensoriais criadas para fruição de obras e peças do Museu do Ipiranga

Reaberta em setembro passado, a sede do Museu do Ipiranga ou, oficialmente, Museu Paulista, que integra a Universidade de São Paulo (USP), dispõe de mais de 370 ferramentas multissensoriais, como maquetes, dioramas, telas táteis, reproduções em diferentes materialidades – a exemplo de moedas em grande escala e com desenhos em alto-relevo, e miniaturas de monumentos em pedra, todos feitos por artesãos paulistas – e até mesmo recipientes com a proposta de estímulo olfativo. “Agora é usar, discutir, criticar, pensar: ‘Senão assim, como seria?’ E aí, talvez, escolher determinados objetos que a gente já fez de um jeito para fazer de outro jeito, e fazer mediações nesse sentido. Então, a gente vai aprimorando os recursos de acessibilidade num processo contínuo”, destaca a educadora. 


Na nova definição de museu, aprovada pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), os conceitos de acessibilidade e de inclusão foram incorporados. Ao lado, reprodução da obra Independência ou morte!, no Museu do Ipiranga

Definição ampliada


Essencial para que obras de arte possam ser apreendidas não só pela visão, mas por outros sentidos, a implementação desses recursos parte, também, por uma compreensão mais ampla do que é acessibilidade em um museu ou espaço cultural. O que significa atender às necessidades de pessoas com diferentes tipos de deficiência, de letramentos, de idades, de vivências ou mesmo de marcadores de gênero, sociais ou territoriais. “A ideia é que a gente entenda que o museu está dialogando e propondo algo para um público que é diverso, porque a sociedade é diversa. E, se estamos dialogando nessa perspectiva, estamos atentos às soluções para oferecer ao nosso visitante uma experiência de relação com os conteúdos da exposição de uma maneira ainda mais abrangente. Inclusive porque a exposição é para todos”, defende Peixoto.

Entrevista com a educadora do Museu do Ipiranga Denise Peixoto. Edição: Guilherme Barreto

Em agosto passado, o Conselho Internacional de Museus (ICOM – International Council of Museums) aprovou uma nova definição que incorpora termos e conceitos relacionados a desafios contemporâneos. “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, fomentam a diversidade e a sustentabilidade”, segundo descrição disponível no site do conselho.

Na análise da museóloga Marília Bonas, membro do Comitê Executivo do ICOM Brasil, essa nova definição é estratégica porque traduz o papel dos museus no seu tempo, além de dar subsídio para as políticas públicas da área. Bonas também pondera: “a gente ainda está falando da acessibilidade numa perspectiva de ação, não só da estrutura, e isso tem uma tradução na ação dos museus – processos, projetos, programas – comprometidos também com o reconhecimento dos seus territórios, com o reconhecimento e o conhecimento dos seus públicos internos”. Ou seja, “o conceito de trabalhar em parceria e com a participação das comunidades também se vincula a esse compromisso dos museus, nessa perspectiva do direito à cultura, de garantia à diversidade de acesso”, acrescenta a museóloga.

Diretora técnica do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Futebol – instituições que também possuem diferentes recursos de acessibilidade, como experiências táteis customizadas por artistas, aplicativo que disponibiliza audioguias e abafadores de som para o público no espectro autista –, Bonas reforça que nos últimos 20 anos todos os museus do estado de São Paulo têm a acessibilidade como meta. “De material educativo e acessibilidade de conteúdos a estratégias de tecnologias, tudo isso vem sendo compartilhado entre museus e instituições culturais para públicos com novas necessidades”. 

Aproximar mundos


Reconhecida por criar o primeiro grande projeto de acessibilidade, a Pinacoteca do Estado de São Paulo se tornou referência para outras instituições. Seu Núcleo de Ação Educativa estruturou quatro programas educativos inclusivos que atuam com pessoas com deficiência física, neuromotora, intelectual ou sensorial; pessoas em situação de sofrimento psíquico; pessoas em situação de vulnerabilidade social; um público com 60 anos ou mais; e com a formação continuada das equipes do museu.

“Desenvolvemos a maior parte desses programas há duas décadas. Conseguimos experimentar, avaliar e rever os projetos e ações, o que nos oferece a possibilidade de um aprofundamento da prática. Aprendemos muito com as experiências de cada programa. Por exemplo: quando criamos o programa para o atendimento de idosos no museu, em 2013, já tínhamos uma grande experiência com a abordagem multissensorial para a mediação em artes visuais, advinda do trabalho com pessoas com deficiência”, conta Gabriela Aidar, coordenadora dos programas educativos inclusivos da Pinacoteca.

Atualmente, a Pinacoteca conta com uma série de recursos multissensoriais, tais como maquetes táteis dos edifícios da instituição, relevos e maquetes tridimensionais de obras de arte, além de recursos sonoros e olfativos. “Com a pandemia, aprendemos a usar os recursos digitais, assim, desenvolvemos uma série de QR codes presentes nas salas da nova exposição de longa duração do museu, chamada Pinacoteca: Acervo, como um videoguia em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e audiodescrições de obras de arte.


Reconhecida por criar o primeiro grande projeto de acessibilidade, a Pinacoteca do Estado de São Paulo conta com uma série de dispositivos, tais como maquetes táteis dos edifícios da instituição (acima), relevos e maquetes tridimensionais de obras de arte, além de recursos sonoros e olfativos


Ainda inauguramos a segunda versão da Galeria de Esculturas Brasileiras da Pinacoteca, com nove esculturas originais da coleção do museu disponíveis para apreciação tátil, e desenvolvemos alguns recursos digitais assíncronos durante a pandemia, como vídeo-visitas educativas para pessoas com deficiência intelectual, com 60 anos ou mais e para jovens em situação de vulnerabilidade social”, exemplifica Gabriela Aidar. 

E no futuro?


Para a educadora do Museu do Ipiranga Denise Peixoto, no museu do futuro mais pessoas de diferentes perfis farão parte da tomada de decisões. “Além disso, acho que as exposições podem avançar nesse diálogo entre acervo e proposições mais orgânicas que passem pela possibilidade do toque. Isso não é fácil, mas que essa questão já esteja enfronhada no processo curatorial. Ninguém mais vai discutir que precisamos ter esses recursos, mas ainda precisamos lidar com os nossos capacitismos.”

Entrevista com a educadora do Museu do Ipiranga Denise Peixoto. Edição: Guilherme Barreto

A museóloga Marília Bonas também faz esse exercício de imaginação de como seriam os espaços expositivos no futuro. “Que o museu possa ser um lugar onde as pessoas se reconheçam nas suas diferenças, mas onde elas tenham o mesmo acesso. Um lugar que proporcione uma experiência incrível para pessoas de classes diferentes, com necessidades diferentes, ou seja, para um público diverso. Porque a grande potência de um museu é ser esse lugar de encontro de pessoas com qualidades muito diferentes”.

Vamos fruir!

Mostras do Sesc São Paulo aproximam um público diverso de diferentes repertórios artísticos

Uma exposição é um local de encontro entre uma produção poética, científica, socioambiental ou histórica e a produção de sentidos articulada por públicos diversos. Partindo dessa definição, o Sesc São Paulo proporciona a diferentes visitantes, com seus respectivos saberes, condições e repertórios, a possibilidade da fruição artística. “Quando se planeja a acessibilidade em uma exposição, mais pessoas – entre elas as pessoas com deficiência – acessam oportunidades, desde a fruição das obras até uma dimensão ampliada de participação e pertencimento social”, explica Lígia Helena Ferreira Zamaro, assistente técnica da Gerência de Educação para Acessibilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

Para isso, no Sesc, a oferta de recursos de acessibilidade acontece em simbiose com a atuação dos educadores dos projetos expositivos. “Uma exposição acessível beneficia todos os públicos pois, desta forma, suas diversidades corporais, etárias e sensoriais não são empecilhos para suas experiências e, sim, matérias-primas para que elas se realizem”, complementa Zamaro. 

Confira as exposições, e seus respectivos recursos de acessibilidade, que estão em cartaz nas unidades do Sesc:


AVENIDA PAULISTA

A Magia do Manuscrito

São 180 manuscritos originais, grande parte deles do colecionador e curador da exposição, Pedro Corrêa do Lago, que possui um dos mais relevantes acervos do gênero no mundo, incluindo Michelangelo, Frida Khalo e Tiradentes. 

Terça a sexta, das 10h às 21h30; sábados, domingos e feriados:
das 10h às 18h30.
Até 15/01/2023.

Recursos de acessibilidade:  


Na exposição A Magia do Manuscrito, no Sesc Avenida Paulista, textos escritos a punho por Frida Khalo, Tiradentes e outros grandes personagens da história. Foto: Matheus José Maria

POMPEIA

Flávio de Carvalho Experimental

Pinturas, manuscritos, desenhos e outras obras de um dos artistas mais complexos da vanguarda brasileira do século 20 compõem essa exposição com curadoria de Kiki Mazzucchelli e Pollyana Quintella. 

Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Até 23/01/2023.

Recursos de acessibilidade:                

IPIRANGA

Outros Navios: Fotografias de Eustáquio Neves

Retrospectiva de quase 40 anos da trajetória do fotógrafo mineiro Eustáquio Neves, sob curadoria de Eder Chiodetto. 

Terça a sexta, das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 21h30. Domingos e feriados, das 10h às 18h30. Até 26/02/2023. 

Recursos de acessibilidade: 

PINHEIROS

Desvairar 22

Com curadoria de Marta Mestre, Veronica Stigger e Eduardo Sterzi, a mostra reúne mais de 270 itens, entre fotos, objetos, filmes, músicas e documentos, até um sarcófago egípcio original, propondo novos olhares sobre a Semana de Arte Moderna.  

Terça a sábado, das 10h30 às 21h. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h. Até 15/01/2023

Recursos de acessibilidade:  


Registros audiovisuais, entre outros itens da exposição Desvairar 22,
no Sesc Pinheiros, propõem novos olhares sobre a Semana de Arte Moderna. Foto: Adriana Vichi

SANTO AMARO

Rios DesCobertos – dos Jerivás aos Pinheiros 

A partir de instalações audiovisuais, a exposição convida ao reconhecimento da memória afetiva do Rio Pinheiros por meio de sua história, seus afluentes e sua importância para São Paulo. 

Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábado, domingo e feriados, das 11h às 18h. Até 18/12/2022.

Recursos de acessibilidade: 


Instalações audiovisuais compõem a exposição Rios DesCobertos – dos Jerivás aos Pinheiros, em cartaz no Sesc Santo Amaro. Foto: Matheus José Maria

INTERLAGOS

Darwin, o original

Conheça a vida e o legado do famoso naturalista, biólogo e geólogo inglês Charles Darwin (1809-1882), consagrado por suas contribuições sobre a origem e evolução das espécies na Terra. 

Quarta a domingo e feriados,
das 10h às 16h30. Até 11/12/2022.

Recursos de acessibilidade:  

Ao longo da exposição, o visitante encontra QR codes para acesso ao conteúdo online para os recursos de áudio e imagem. Há também um carrinho de recursos táteis (disponível por intermédio dos educadores da exposição). 

SANTO ANDRÉ

Pasteur, o cientista

Dedicada à vida e à obra do cientista francês Louis Pasteur (1822-1895), a exposição conta com vídeos, grafismos, animações, projeções, textos e desenhos.

Terça a sexta, das 10h30 às 21h. Sábado, domingo e feriados, das 10h30 às 18h30. Até 16/10/2022.

Recursos de acessibilidade:

Equipes educativas ficam disponíveis para atendimento de pessoas com deficiência nos espaços expositivos do Sesc. Cães-guia e cães de serviço acompanhantes de pessoas com deficiência são bem-vindos aos espaços do Sesc.
Saiba mais: bit.ly/exposicoes-acessiveis

A EDIÇÃO DE NOVEMBRO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!

Neste mês, discutimos a acessibilidade em museus e espaços expositivos. Para além de uma arquitetura acessível, instituições culturais apostam em recursos táteis, auditivos e visuais para ampliar a fruição e acolher públicos cada vez mais diversos. Conheça as políticas de acessibilidade de espaços como a Pinacoteca, Museu do Ipiranga, Museu do Futebol e unidades do Sesc São Paulo.

Além disso, a Revista E de novembro/22 traz outros conteúdos: uma reportagem que destaca a potência da criação coletiva e processual nas artes cênicas; uma entrevista com Eliseth Leão, que defende que a conexão com a natureza ajuda na manutenção da nossa saúde; um depoimento de Gilberto Gil, que se reiventa aos 80 e compartilha conosco memórias, vivências e inspirações; um passeio por croquis, desenhos de cenografia e fotos de palco que celebram o legado do italiano Gianni Ratto; um perfil de José Saramago (1922-2010), escritor português que faria um século de vida; um encontro com a diretora e dramaturga Joana Craveiro, da companhia portuguesa Teatro do Vestido; um roteiro por 5 espaços no estado de SP adornados por azulejos; um texto inédito da prosadora mineira Cidinha da Silva; e dois artigos que fazem um balanço sobre os 10 anos de criação da Lei de Cotas.

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NOVIDADE! Você também pode retirar a sua Revista E, gratuitamente, em uma das unidades do Sesc. A partir de novembro de 2022, ela volta a ser impressa e distribuída em todo o estado de São Paulo, com novo projeto gráfico e editorial. Conheça mais sobre a nova Revista E.

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A seguir, leia a edição de NOVEMBRO/22 na íntegra. Se preferir, baixe o PDF para levar a Revista E contigo para onde você quiser!

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