Escute a playlist Fonográfica: Tá na Capa

26/05/2023

Compartilhe:

Por Mariana da Matta*

“A capa é o prefácio do disco”, diz a cantora, compositora e instrumentista Joyce. A comparação com o livro é pertinente. Mais que uma simples tradução da música que embala, a capa do disco pode ser um convite, ao mesmo tempo em que é extensão do projeto musical. É um elemento ativo e colaborativo na construção da obra.

Desde a década de 1950 – quando as capas passaram a ser entendidas como importante elemento de comunicação visual -, até hoje, as peças apresentam diversas linguagens, como ilustração, colagem, fotografia, tipografia, embalagem e acabamentos gráficos. O primeiro volume da Fonográfica traz capas nacionais que representam alguns desses eixos.  

Boa parte das primeiras capas contava com ilustrações, recurso ainda muito presente. Desde a composição em Cascatinha e Inhana, que já ensaiava traços gráficos que seriam desenvolvidos posteriormente, até Juçara Marçal. Destaques da seleção são a série MPBC, aqui com Djalma Corrêa, e Jorge Mautner, que representa o trabalho das artes plásticas com a música – o que faz da capa também um suporte para circular a arte fora de museus. A colagem também é muito adotada em capas, desde Altamiro Carrilho e Pedro Santos até Oruã e Pavilhão 9. Nesta categoria, a gravadora Som Maior trouxe grande contribuição com uma série de capas repletas de diversidade gráfica.  

Intervenções sobre fotografia são linguagens que rendem. Tinta, tipografia, recortes e ilustrações são algumas possibilidades, de Carne Doce a Sérgio Ricardo, além das experimentações com a própria fotografia, como as repetições em Sueli Costa e a técnica de solarização em Belchior. Há casos em que basta uma fotografia para dar conta do recado, como os clássicos tênis de Lô Borges, antes de colocar seu pé na estrada. Na abordagem do retrato, outros exemplos: as cores que reforçam o universo dos músicos, como em Moraes Moreira e Cartola; rostos mascarados como expressão de Jards Macalé e Marlui Miranda; mulheres que, ao contrário de tantas capas, se posicionam de forma ativa e não-objetificada como extensão de seus discursos feministas, como em Karina Buhr e Bia Ferreira. 

Dentre inúmeras capas tipográficas, a seleção traz exemplos da linguagem popular com as letras bordadas do Grupo Rumo ou as aproximações com o grafite do Grupo Paranga e Chico Buarque – este último, com Calabar, alvo da censura repressiva da ditadura.  

Além de tornar a música visível, a capa de disco pode sugerir leituras simultâneas, sejam gráficas ou sociopolíticas. Importante veículo que democratiza a arte e dá suporte a denúncias e afirmações identitárias, dialoga também com o tempo. Por representar o espírito visual de uma época, é um objeto cuja análise pode se aprofundar sob diversas lentes. Ainda, ao tornar a música palpável, a capa enriquece a relação sensorial com a música – mas este recorte tátil fica para o próximo volume! 

*Mariana da Matta é artista visual, designer gráfica, terapeuta integrativa e editora do selo de publicação independente Sismo. Vê a vida de maneira interconectada e pesquisa processos criativos transdisciplinares. Virginiana com ascendente em escorpião, caminha com coração selvagem e cultiva plantas, playlists e planos para o Bem Viver. 

| Autorias das capas:

Cascatinha e Inhana – Cantando Pra Você: Páez Torres 

Ed Lincoln – Seu Piano e Seu Órgão Espetacular: Joselito 

Djalma Corrêa – Série MPBC: Aldo Luiz 

Paulo Diniz – Quero Voltar Pra Bahia: autoria desconhecida 

Jorge Mautner – Bomba de Estrelas: Glauco Rodrigues 

Juçara Marçal – Encarnado: Kiko Dinucci 

Josyara e Giovani Cidreira – Estreite: Alexis Baldomá 

Altamiro Carrilho – Turma da Gafieira: Joselito 

Sambrasa Trio – Em Som Maior: autoria desconhecida 

Pedro Santos – Krishnanda: Pedro Santos 

O Terço – Criaturas da Noite: Antônio e André Peticov 

Pavilhão 9 – Se Deus Vier Que Venha Armado: Muti Randolph 

Anvil FX – Estado de Choque – Biabiana Graeff 

Carne Doce – Princesa: Beatriz Perini 

Josyara – Mansa Fúria: Natália Arjones 

Lia de Itamaracá – Ciranda Sem Fim: Celso Hartkopt com foto de José de Holanda 

Pedro Pastoriz – Projeções: Talita Hoffmann 

Sueli Costa – Sueli Costa: Cafi 

Sérgio Ricardo – Piri, Fred, Cássio, Franklin e Paulinho de Camafeu com Sérgio Ricardo: Caulos 

Belchior – Alucinação: Aldo Luiz com foto de Januário Garcia 

Lô Borges – Lô Borges: Cafi e Ronaldo Bastos 

Moraes Moreira – Moraes Moreira: Antonio Nietzche 

Cartola – Verde Que Te Quero Rosa: Ivan Klingen e Ney Tavora 

Jards Macalé – Jards Macalé: Luciano Figueiredo e Oscar Ramos com foto de Eduardo Clark 

Marlui Miranda – Olho D’Agua: Marcos Santilli 

Karina Buhr – Selvática: Priscila Buhr e Mozart Fernandes 

Bia Ferreira – Igreja Lesbiteriana, Um Chamado: Afroafeto, Esquemageral, Ilustrasil e Natalia Zapella 

Grupo Paranga – Chora Viola Canta Coração: Sebastião Nascimento 

Rumo – Caprichoso: Edith Derdyk e Gal Oppido, com bordado de Guta de Oliveira Ramos 

Chico Buarque – Calabar – O Elogio da Traição: Regina Vater 

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.