A presença feminina nos festivais brasileiros de 2019

17/07/2020

Compartilhe:

Thabata Lima Arruda é pesquisadora e analista de conteúdo, com foco em diversidade, equidade e representatividade na música e no setor cultural. Há oito anos, realiza levantamentos sobre a presença feminina em festivais, produzindo relatórios e artigos publicados pela revista digital Zumbido, do Selo Sesc, que ampliam o debate sobre desigualdades na indústria musical. Seu trabalho foi reconhecido com o 4° Prêmio SIM São Paulo (2021), na categoria Pesquisa em Música, e como semifinalista no 8° Prêmio Profissionais da Música (2025), na categoria Pesquisador(a) Musical. Além da pesquisa, atua com curadoria e criação de conteúdo, desenvolvendo narrativas estratégicas para diferentes plataformas e públicos.

Em 2019, realizei um primeiro diagnóstico para evidenciar os números da baixa representatividade feminina nos palcos de festivais brasileiros. Por meio deste primeiro levantamento, foi possível identificar onde estamos e para onde devemos mirar. Um ano depois, os números mudaram e reforçam ainda mais a urgência de que mudanças aconteçam.

Nesta atualização, adotei a mesma metodologia da publicação anterior e priorizeias edições que aconteceram em 2019, quando não sabíamos que os festivais e suas dinâmicas mudariam para sempre. Portanto, é necessário olhar para esta pesquisa e refletir sobre o que significam estes dados e, principalmente, lembrar que eles são um recorte de toda uma indústria desigual.

O Coco de Umbigada se apresentou no Abril Pro Rock. O festival pernambucano reúne as principais bandas brasileiras e internacionais | Foto: Pei Fon/ Rock Meeting

Crescimento tímido

Para esta versão, mantive os festivais analisados anteriormente, exceto o Festival de Verão de Salvador, que não teve edições em 2019. Foram analisadas 1.032 atrações presentes nas programações de 31 festivais.

Os atos musicais foram contabilizados e categorizados em:

  • Mista – bandas compostas por pelo menos uma integrante mulher.
  • Mulheres – número de artistas solistas e bandas compostas somente por mulheres.
  • Homens – número de artistas solistas e bandas compostas somente por homens.

Também coletei os dados referentes à presença da mulher negra dentro da programação desses mesmos festivais.

Em 2018, a taxa de participação feminina nesses festivais foi de 20,3%, e em 2019 esse número subiu para 24,9%, representando um crescimento percentual de aproximadamente 23% na participação de artistas solistas e/ou bandas exclusivamente formada por mulheres.

Entre os cinco festivais com menos participação feminina em 2018, o Abril Pro Rock teve o crescimento mais significativo. Sua programação em 2019 saiu de 0% para 26,1% de participação feminina. O aumento foi resultado de uma edição dedicada ao empoderamento feminino. Para celebrar, a organização dedicou uma noite exclusivamente às artistas que compuseram os 26,1% da programação. Além disso, uma edição comemorativa de uma cachaça foi criada para o evento, levando em sua embalagem a ilustração da artista Hallina Brandão, exaltando o poder das mulheres, que estiveram ausentes nos outros dias do festival.

Goiânia Noise também saiu de 0% para 5,6%, e o Porão do Rock aumentou de 2,3% para 4% de mulheres solistas em sua programação, contando apenas com a solista Mariana Camelo, selecionada durante as seletivas. O Vaca Amarela teve uma queda acentuada, passando de 35,3% para 5,4%.

O João Rock aparece no ranking com 4%. Essa porcentagem foi alcançada devido à presença da cantora e compositora Pitty. Mais uma vez, a artista foi a única mulher em toda a programação do evento.

O histórico Rock in Rio realiza suas edições em anos alternados e, em 2019, levou ao seu público uma programação com apenas 22,5% de participação feminina, um dos menores percentuais entre os festivais analisados.

Em 2019, a brasileira com maior destaque no Lollapalooza Brasil foi Marisa Monte, que estava se apresentando com Os Tribalistas. Dessa forma, as únicas solistas na programação foram as compositoras e cantoras Duda Beat e Luiza Lian.

Patrocinado por marcas de alcance global, o festival atingiu um público de 246 mil pessoas em três dias de evento e coloca em xeque a responsabilidade dessas empresas em apoiar eventos com grande audiência, mas baixa representatividade.

Uma marca de salgadinhos, por exemplo, também patrocina a Parada do Orgulho LGBT e apoia diversas iniciativas voltadas à diversidade. Entretanto, no ano passado, o Lollapalooza tinha para cada 1 mulher em sua programação 11,2 homens, e para cada 1 artista negro, entre homens ou mulheres solistas brancos, havia 8,6 artistas brancos.

Nesse contexto, refletir sobre quais palcos e marcas consumimos ou, agora, quais lives dedicamos nosso tempo, torna-se um exercício necessário.

Guitarrada das Manas no Festival BR 135, o único a atingir o 50/50 em sua programação | Foto: Antonio Wagner Fotografia

O tradicional Festival de Inverno de Garanhuns e o Se Rasgum, não chegaram aos 40% de representatividade feminina. Porém, a diversidade de gênero, racial e etária, foram pontos fortes em suas programações.

O crescimento merece celebração, mas está muito longe do ideal. Quando estas 844 atrações são analisadas individualmente, outras desigualdades são reveladas. Ano passado, a proporção de presença feminina foi de 1 mulher para cada 4,1 homens. No recorte racial, a proporção foi de 1 mulher negra para cada 14,1 homens (brancos e negros) e 1 artista negra para cada 2,4 artistas mulheres brancas.

Em 2019, a brasileira com maior destaque no Lollapalooza Brasil foi Marisa Monte, que estava sob o nome d’Os Tribalistas. Desse modo, as únicas solistas na programação foram as compositoras e cantoras Duda Beat e Luiza Lian.

Patrocinado por marcas de alcance global, o festival atingiu um público de 246 mil pessoas em três dias de evento. E coloca em cheque a responsabilidade das mesmas em apoiar eventos com grande impacto de audiência, mas pouca representatividade.

Uma marca de salgadinhos, por exemplo, também é patrocinadora da Parada do Orgulho LGBT e apoia diversas iniciativas pautando a diversidade. Entretanto, o Lollapalooza, no ano passado, para cada 1 mulher em sua programação haviam 11,2 homens, e para cada 1 negro, entre homens ou mulheres solistas brancos, haviam 8,6 artistas brancos.

Neste contexto, refletir sobre qual palco e marca consumimos ou, agora, lives que dedicamos nosso tempo, precisa ser exercitado.

Futuro

Os números aqui levantados falam sobre espaços que jamais serão os mesmos, pois a indústria fonográfica e do entretenimento está exposta e buscando modelos para manter relevância em um mundo que se revela diferente todos os dias. Por isso, falar a respeito do futuro é tentar compreender a incerteza.

Portanto, olhar para essa pesquisa como diagnóstico pode ser importante para esmiuçarmos as raízes que nos fizeram chegar a 2020 com festivais altamente consumidos e sem nenhuma mulher em suas programações. A partir dessa análise, conseguimos aprofundar ainda mais o debate e criar ações práticas.

O presente nos desafia a usar o digital a nosso favor, ampliar a inclusão e criar nossos próprios palcos.


*Metodologia

Foram selecionados 31 festivais de diferentes portes e públicos, com prioridade para festivais multigênero. Buscou-se analisar os mesmos festivais, porém, alguns não ocorreram em 2019.

Os line-ups foram retirados das redes sociais dos festivais e também de informes de imprensa. Os 1.032 atos musicais foram categorizados em: mista – projetos musicais compostos por pelo menos uma integrante mulher; mulheres – número de artistas solistas e bandas compostas exclusivamente por mulheres; e homens – número de artistas solistas e bandas compostas exclusivamente por homens. Também foi levantado o número de artistas negros, homens e mulheres.

Com esses dados, foram calculadas as porcentagens de participação feminina por festival, categoria e ano. Foram considerados todos os horários dos festivais, não apenas palcos ou horários principais. Neste estudo, foram contabilizados apenas artistas da música; outras linguagens artísticas não foram incluídas.

As classificações de gênero foram feitas com base em como cada artista se identifica e se apresenta em suas redes oficiais. Ainda que este recurso não seja um critério absoluto para essa determinação, foi feito o possível para respeitar ao máximo as identidades de gênero. Importante ressaltar que mulheres trans são mulheres.Não foram considerados grupos artísticos identificados como bloco, maracatu, coco ou qualquer outro cuja identificação dos integrantes não tenha sido possível por meio de sites, redes sociais etc.

Lista dos festivais

2019 – 31 festivais: Abril Pro Rock (PE), CarnaUOL São Paulo (SP), Coala (SP), CoMA (DF), Coolritiba (PR), Favela Sounds (DF), Festival BR 135 (MA), Festival DoSol (RN), Goiânia Noise (GO), Jaguariúna Rodeo Festival (SP), João Rock (SP), Lollapalooza Brasil (SP), Mada (RN), Morrostock (RS), No Ar Coquetel Molotov (PE), Nômade Festival (SP), Planeta Atlântida (RS), Popload Festival (SP), Porão do Rock (DF), Psica (PA), Psicodália (RS), Queremos! Festival (RJ), Rec-Beat Festival (PE), Rock in Rio (RJ), Rock the Mountain (RJ), Sarará (MG), Se Rasgum (PA), Sons da Rua (SP), STL Festival (MG), Timbre (MG), Vaca Amarela (GO).


Leia também: A presença feminina nos festivais brasileiros de 2016 a 2018



Texto atualizado às 17h40 de 03.abr.2025 para correções gramaticais e de concordância em todo o texto. Além disso, foram feitas as seguintes alterações:

  • Dados e gráficos revisados e atualizados para respeitar a continuidade da pesquisa nos novos relatórios.
  • Inserção da informação sobre a artista visual Hallina Brandão.
  • Remoção da informação sobre a proporção entre artistas homens negros e mulheres negras.
Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.