As marcantes trilhas sonoras dos videogames

16/10/2025

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Alberto S. Cerri é jornalista e videomaker. Também formado em Ciências Sociais, cursa pós-graduação em Criação de Conteúdo Audiovisual. Abriu as 96 fases de Super Mario World, era viciado em International Superstar Soccer e jogava as temporadas de Diablo III. Ouve remixes lo-fi de Ocarina of Time pra relaxar. É editor web do Sesc 24 de Maio.

Ilustrações por bárbara carneiro

Nos anos 90, durante a minha infância e adolescência, um dos rituais mais aguardados dos meus dias era ligar a TV de tubo, colocar no canal 3, esperar o “chuvisco” da tela e o zumbido do alto-falante, meter a fita no videogame e apertar o “on”. Então eu pegava o controle e olhava, ansioso, para a televisão, torcendo para o jogo começar. Quando nada acontecia (o que era frequente), a sabedoria popular entrava em ação: eu assoprava a fita, encaixava-a novamente no aparelho (com mais cuidado), repetindo o processo até que olhos percebessem os pixels mal definidos na tela e um sonzinho gostoso cutucasse os ouvidos, preparando as conexões entre meus dedos e minha mente para a aventura que iria começar.

Podia ser um jogo de plataforma, de aventura, de futebol, de corrida. Em todos eles, a trilha sonora estava presente nessa ainda recente forma de entretenimento audiovisual doméstico. Se a música de abertura me entusiasmava e gravava suas notas na minha memória (quem não sabe assobiar a abertura de “Super Mario Bros.”, composta por Koji Kondo, em 1984?), as trilhas incidentais que se alternavam assim que o jogo começava davam o tom emocional da narrativa. Na hora da exploração da fase, sem muitos inimigos, surgia uma música mais tranquila. Quando chegava o chefão, a trilha veloz e energética já condicionava o corpo a se tensionar. As mãos suavam, eu ficava de pé e, na maioria das vezes, perdia – pelo menos até decorar os padrões e controlar o nervosismo. Vinha então a decepcionante vinheta de game over. Mas quando dava certo e eu me superava para derrotar o vilão, a recompensa, com sons “brilhantes” e uma tela de congratulações, me deixava feliz da vida.

Na descrição nostálgica acima, vêm à minha mente jogos como “Altered Beast” e “Sonic”, de Mega Drive (que eu não tinha, mas jogava na casa das minhas vizinhas); “Black Belt”, de Master System; “Street Fighter II” e, “Super Mario World” de Super Nintendo (conhecido como Super Famicon no Japão); e “The Legend of Zelda: Ocarina of Time”, de Nintendo 64.

Tela de game over de “Street Figther II”

Os videogames começaram a chamar atenção, entre os anos 70 e 80, principalmente devido a elementos visuais, como a possibilidade de uma pessoa controlar a ação de um personagem que aparece na tela da TV usando um joystick ou gamepad; e a abundância de imagens coloridas e chamativas. Mas os efeitos sonoros e as músicas, as com letras e as incidentais, foram parte fundamental para o sucesso dessa diversão, que também se transformou em cultura e arte.

Voltando uma fase – um pouco de história e de memória afetiva

O videogame, assim como seu irmão audiovisual mais famoso, mais velho e menos interativo, o cinema, nasceu sem som. Considerado um dos primeiros jogos virtuais da história, “Tennis for Two”, feito para uma demonstração tecnológica pública, era um jogo de tênis sem qualquer reprodução sonora. O mesmo ocorreu com o primeiro arcade (aquele caixote de madeira com uma tela e uns controles acoplados, também chamado de fliperama aqui no Brasil), “Computer Space”. O primeiro sistema de videogame doméstico, o Magnavox Odissey, que chegou às lojas nos anos 1970, também não continha chip sonoro (hardware capaz de reproduzir sons).

Os “bips” do jogo “Pong”, de 1972, inauguraram os efeitos sonoros em arcades. Foi uma febre! Os sons chamavam mais a atenção dos jogadores nas “casas de jogos” e a indústria dos videogames domésticos logo percebeu os ganhos em imersão que o som poderia proporcionar à experiência do jogador.

O primeiro console de videogame com um chip sonoro em seu hardware foi o Atari 2600, da Atari, lançado em 1977. Aqui no Brasil, devido à limitação de exportações imposta pela Ditadura Militar, empresas brasileiras “clonavam” consoles de videogame e os relançavam com outros nomes. Era a tal reserva de mercado. Minha família comprou o Supergame, da CCE, nos anos 80, junto com alguns cartuchos. Nele, assim como no console original, apenas sons monofônicos podiam ser reproduzidos, o que significa que não havia muita diversidade de frequência, timbre ou mistura de faixas. Muitas vezes, quando um efeito sonoro do jogo precisava ser reproduzido devido a algo que aparecia na tela, como um tiro ou um soco, a trilha sonora musical cessava. Não havia memória suficiente para armazenamento e processamento de múltiplos sons.

Mesmo assim, a minha memória se lembra das músicas dos jogos de Atari. Em “Sneak’n Peak” (que eu e minha irmã chamávamos de “Esconde-esconde”), enquanto um jogador se escondia, o outro não podia olhar para a tela. Ao longo de toda a jogatina, loopings de músicas como Camp Town Races e Home! Sweet Home! eram tocadas.

Mas a minha recordação mais assustadora era jogar “Halloween” (na tradução para o português, o jogo passou a ter o nome de uma franquia rival de terror: “Sexta-feira 13”). Enquanto eu controlava a protagonista, que precisava resgatar crianças, passando por diferentes telas, o silêncio era quase total – havia apenas efeitos sonoros dos passos. Quando o vilão aparecia, portando um imenso punhal, um tema musical macabro começava a tocar e eu ficava em pânico. Eu só conseguia fugir (por pouco tempo) ou morrer ao cruzar com o vilão.

Gameplay de “Halloween”

Curioso pensar que, mesmo com escassas possibilidades técnicas, as músicas já traziam emoções intensas nos videogames. À medida em que a tecnologia avançou, os chips sonoros se tornaram um componente importante até no marketing dos consoles. A empresa Sega inaugurou o som FM nos videogames caseiros. Primeiro, eles eram vendidos separadamente para Master System. Mas o Mega Drive (conhecido como Genesis nos EUA), console 16-bit da empresa, lançado em 1988, já veio com o chip YM 2612 instalado, com seis canais de áudio. O Super Nintendo, da Nintendo, lançado em 1990, não ficou para trás e mostrou suas credenciais sonoras: som estéreo de oito canais. À época, as empresas já contratavam produtores musicais e músicos profissionais para a criação de trilha sonora para jogos de videogame. “F-Zero”, “Top Gear”, “International Superstar Soccer”, “Super Mario World” e outros, são dessa era de ouro, em que melodias criativas, cheias de riffs em looping eram feitas com pouco recurso. Compositores notáveis desse período são Yuzo Koshiro, David Wise, Hirokazu Tanaka e Koji Kondo.

Gameplay do jogo “F-Zero”

Novas possibilidades e uma ocarina do tempo

Com a passagem da maioria dos consoles para mídias em disco, como CD, em meados dos anos 90, conciliar música e efeitos sonoros deixou de ser um problema. Timbres de diversos instrumentos musicais poderiam ser reproduzidos ao mesmo tempo. O maior espaço de armazenamento também possibilitou a uma mistura mais fluída entre efeitos sonoros, vozes dubladas e música.

Mas no último respiro de uma era, surgiu uma obra-prima: “The Legend of Zelda: Ocarina of Time”, de 1998. O jogo, lançado para o Nintendo 64, da Nintendo, não tinha as possibilidades atreladas aos CDs, já que era armazenado em cartucho. E o hardware do 64 sequer tinha um chip sonoro dedicado. Mesmo assim, a trilha composta por Koji Kondo (de novo ele!), ambienta a aventura, considerada uma das melhores da história dos videogames, de forma marcante, influenciando profundamente as emoções de quem joga. Mas não é só isso: “Ocarina of Time” é baseado em música. O herói do jogo, Link, encontra uma ocarina e precisa aprender músicas para viajar para o futuro e para o passado, além de alterar o clima e desbloquear passagens. Só quem jogou sabe as emoções nostálgicas que a trilha da Kakariko Village e as três notas iniciais de “Song of Storms” despertam.

Song of Storms

Agora sim, a música sem restrições

Iniciar um jogo e já receber as ondas sonoras de uma música cantada, com vários instrumentos e em alta qualidade era uma experiência nova. A mais marcante para mim foi a de “Road to World Cup 98”, de 1997, feito para computadores. Quando você começava o jogo, era bombardeado com a “Song 2”, do Blur! Ótima maneira de lutar pela Copa do Mundo!

Abertura do jogo “Road to World Cup 98

Já na aclamada série Grand Theft Auto, o jogo “GTA San Andreas”, lançado em 2004 para diversas plataformas, permitia que você navegasse por diferentes rádios enquanto dirigia um carro (geralmente roubado) pelas ruas e estradas dos estados de San Andreas, Los Santos e San Fierro. A música “Moovin’ on Up”, do Primal Scream, tocada na “Radio: X”, era a companhia perfeita.

Moovin’ on Up

A música como protagonista

A inserção de músicas pop sem perda de qualidade em videogames abriu portas para uma série de jogos musicais. “Guitar Hero”, de 2005, foi uma febre, vendendo milhões de guitarras plásticas mundo afora. No jogo de ritmo, o desafio era apertar determinados botões à medida em que uma música famosa era tocada. Logo surgiu o concorrente, “Rock Band”, de 2007, que licenciou músicas de The Beatles, Green Day e criou cópias de outros instrumentos para incrementar a brincadeira. A franquia “Rocksmith”, lançada em 2011, existe até hoje e trouxe a possibilidade de o jogador plugar guitarra, violão, baixo, e teclado no videogame para aprender a tocar suas músicas favoritas de verdade. Por fim, “Just Dance”, de 2009, um jogo de ritmo baseado em músicas pop, virou sinônimo de integração familiar forçada em festas de fim de ano. Ele já está na 29ª edição.

Gameplay de Rock Band

Os indies e alguns jogos BR (que têm referências sobre músicas)

De maneira geral, os jogos de videogame eram feitos no Japão e nos Estados Unidos para serem distribuídos no mundo inteiro. Não havia localização, tradução ou dublagem. Com a ascensão dos jogos independentes (ou indies), entre os anos 2000 e 2010 (impulsionada pelo acesso barato a motores gráficos e por lojas virtuais acessíveis, como a Steam), os desenvolvedores de jogos influenciados por algumas décadas de videogame puderam reprocessar os cânones e, sem a pressão por vendas expressivas, realizar seus sonhos. No Brasil, há jogos que seguiram esse caminho.

Se a trilha sonora original de “Top Gear” é um clássico nostálgico internacional, o estúdio gaúcho Aquiris contratou o mesmo compositor, Barry Leitch, para que ele criasse as músicas cheias de notas do jogo “Horizon Chase”, de 2015, um sucessor espiritual. Assim como em “Top Gear”, o jogador disputa corridas de carro em ruas de diversas cidades do mundo, num estilo bem arcade. É possível correr em ambientes conhecidos dos brasileiros, como Brasília, Rio de Janeiro, Chapada Diamantina e Porto Alegre.

Enquanto “Horizon Chase” repaginou uma franquia querida e deu um toque brasileiro, “Dandara”, de 2018, da Long Hat House, de Belo Horizonte, partiu para um caminho mais autoral.

Em um jogo estilo metroidvania, mas com inovações na movimentação da personagem, a protagonista Dandara, uma mulher negra inspirada na personagem Dandara dos Palmares, precisa restaurar o equilíbrio de um mundo pós-apocalíptico e lutar contra a opressão. Há referências à cultura musical brasileira no game: a Vila dos Artistas é claramente inspirada em bares de Belo Horizonte, onde foi criado o Clube da Esquina; e a personagem Nara – um pássaro enjaulado -, canta trechos da música “Opinião”, de Zé Keti.

O brasileiro Thommaz Kauffman, a partir de estudos sobre o contexto do jogo, desenvolveu uma linda trilha sonora etérea, baseada em melancolia e esperança, segundo sua entrevista para a VGMonline.

Mil e uma referências (que poderiam ser outras)

As músicas e os efeitos sonoros nos videogames têm uma história recente, mas bem rica. As trilhas citadas aqui são as que tocam meu coração (e ainda muita coisa ficou de fora), mas se o texto fosse escrito por outra pessoa, certamente as referências seriam outras – tudo depende da memória afetiva.

Hoje, existem bandas que tocam música de videogame, playlists de lo-fi focadas em jogos clássicos, compositores brasileiros que só trabalham com música de videogame e por aí vai. Para esse ramo, o jogo está só começando.

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