A arte do encontro – relato de Abdulbaset Jarour (Síria)

04/12/2025

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Em 2025, o Sesc São Paulo completa 30 anos de trabalho social com pessoas refugiadas. Para celebrar e trazer diferentes pontos de vista sobre o tema, convidamos 13 pessoas impactadas por estas ações, além de 3 instituições parceiras, para relatar suas relações de cooperação e protagonismo no contexto do Sesc. Leia na sequência o depoimento de Abdulbaset Jarour.

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A arte do encontro: reconhecimento ao SESC que deu face e voz   aos refugiados e migrantes em projetos inovadores em São Paulo  

 Sou Abdulbaset Jarour, um homem sírio de 35 anos, sobrevivente da guerra que assolou o meu país. Alguém que bem jovem que precisou deixar sua amada família e uma vida feliz e estabilizada para buscar refúgio e esperança em terras distantes e desconhecidas. Para me reconstruir como ser humano, entre medos, inseguranças e incertezas, há 11 anos cheguei ao Brasil e imediatamente me instalei em São Paulo. De lá até aqui, venho vencendo obstáculos e encontrando meu lugar no mundo, fazendo da minha voz a de todos aqueles que não conseguiram chegar até aqui. Atualmente estudo Direito e, já naturalizado brasileiro, estou como deputado estadual suplente por São Paulo. Sou membro-fundador de duas ONGs e presidente da Identidade Humana Global. Dentre os projetos que coordeno, destaque para a Copa dos Refugiados e Imigrantes, maior evento de futebol que reúne a comunidade migrante em prol desta causa humanitária. 

Caminho com o firme propósito de alcançar um futuro melhor, digno e que faça sentido diante da vida dilacerada. E, apesar das imensas e infindáveis dificuldades encontradas, o novo lar me aproximou de pessoas boas, compreensivas e acolhedoras. Também de algumas instituições que me abraçaram de forma inusitada e surpreendente, como o Sesc, onde tenho a honra de colaborar em projetos belíssimos de valorização das pessoas migrantes e refugiadas. Enquanto produtor cultural, apoiei para que, incluindo a mim mesmo, todas ganhassem rosto e voz, e o próprio pão, por meio de projetos como a ‘Copa dos Migrantes e da Diversidade’ e o ‘Sarau dos Migrantes e da Diversidade’. Minha parceria e colaboração junto à instituição nasceu e segue principalmente pelo reconhecimento aos valores humanos e sociais que esta defende.  

O ponto de partida
A arte e o esporte, sabemos, são lugares que possibilitam a interação entre as pessoas diferentes e sua inclusão social de forma leve e bonita. E, nós, refugiados e migrantes, nos revelamos um grupo de pessoas culturalmente potente, rico e plural, com diversas competências artísticas que por meio de projetos inovadores, ganhamos visibilidade no palco do Sesc e Senac na capital e em cidades do interior de São Paulo. Isto porém, só foi possível porque a instituição se preocupa com o bem-estar social e defende a democratização da educação, da cultura, do esporte e do lazer, promovendo acessibilidade à classe trabalhadora de forma gratuita, por exemplo, a espaços como teatros, shows e exposições. Apesar de ter um foco inicial nos trabalhadores do comércio, o Sesc estende seus benefícios a suas famílias e toda a comunidade, para que todos tenham uma vida mais plena e com qualidade.   

Importante registrar o começo disso. Na unidade do Carmo, na Praça da Sé, tive a oportunidade de participar de um curso de Português para Refugiados, realizado em parceria com o Senac. Tomado de alegria e em agradecimento, no evento de encerramento cantei algumas músicas árabes e isso despertou o interesse da instituição que me convidou para ministrar palestras em várias das suas unidades com abordagem em ‘refúgio e migração’ e ‘a guerra na Síria’, assunto que dominava o noticiário. Na ocasião, outros refugiados também tiveram espaço de fala. A partir daí surgiu o projeto ‘Refúgio Humano’ que realizou vários encontros, debates, saraus e posteriormente a capacitação de professores e funcionários de escolas públicas sobre o tema ‘refúgio e migração’, preparando-os para o acolhimento de crianças em situação de refúgio e migração que chegavam.  

O serviço humanizado  
Qualquer estrangeiro que migra de maneira forçada para outro país onde a cultura é tão diferente da sua se sente vulnerável, temeroso, inseguro, perplexo e hesitante. Por isso que o trabalho de acolhimento humanizado e a aceitação ‘do outro e do seu conhecimento’ é tão fundamental para que a adaptação seja um processo menos doloroso. A presença incentivadora, a confiança e o apoio do Sesc num momento tão sensível e delicado da minha vida, foram fundamentais. E aqui me refiro não apenas à instituição, mas aos funcionários e prestadores de serviço envolvidos na realização das palestras e eventos que sempre me trataram com carinho e respeito.  

Posso destacar o período em que fiz uma cirurgia no joelho e durante a minha recuperação surgiram algumas palestras. A equipe sempre atenciosa, sabendo da minha situação financeira precária e da importância dos ganhos advindos da participação nos eventos, se organizava para me apanhar em casa, cuidadosa em viabilizar uma condição mais confortável para que eu chegasse até o local e cumprisse o calendário sem riscos a minha integridade física.   

O carinho, a atenção, o respeito e o trato profissional humanizado a mim dedicados estão guardados em lugar especial do meu coração. Me sinto pleno de satisfação em fazer parte deste capítulo tão primoroso da história do Sesc, e de seguir integrando a equipe de artistas contratados para oferecer ao seu público vivências valorosas e absolutamente diferenciadas por meio do compartilhamento de experiências que marcam e registram o pior e o melhor da humanidade e da nossa época nas jornadas extraordinárias de pessoas comuns – como eu e você, caro leitor – e que são testemunhos da mais profunda fé em Deus, superação, resiliência e vitória diária nos recomeços de esperanças longe de casa. Meu sentimento é único e genuíno: GRATIDÃO.  

Abdulbaset Jarour 
Refugiado sírio em São Paulo desde 2014, atua como ativista e defensor dos direitos de migrantes e refugiados. Fundador da Identidade Humana e membro do Conselho Municipal de Imigrantes, também estagiou na Defensoria Pública da União. É empreendedor, conferencista e político, promovendo inclusão e políticas públicas para a comunidade migrante. 

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Saiba mais sobre os 30 anos de trabalho social com pessoas refugiadas e leia os outros relatos aqui.

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