As inquietudes de Eustáquio Neves

Um homem discreto e bastante quieto, que visivelmente prefere que suas obras falem por ele, mas, que quando se sente mais à vontade, quando fala do seu trabalho, daí sim a gente reconhece sua prosa de bom mineiro. O artista então se revela e descama sua arte, percepções e inquietações que o levaram a ser quem ele é: Eustáquio Neves, o fotógrafo que conta histórias através de suas lentes, que tem um olhar investigativo, que denuncia a dor com a beleza de suas produções.

Eustáquio Neves, que é fotógrafo, mas também é químico, que desde sempre se entendeu como artista e pensava em inventar coisas quando pequeno; que é uma pessoa preta, e que se define também como um homem barroco (com um jeito muito mineiro de ser), pois seu trabalho traz espessuras, todas elas carregadas de sensações muito pessoais, e ao mesmo tempo, universais. Verdades tão duras, que ele transforma em arte com uma delicadeza peculiar.

Eustáquio Neves na abertura da mostra OUTROS NAVIOS – foto: Priscila Beal

Pode-se definir a mostra “Outros Navios – Fotografias de Eustáquio Neves “ – como uma maneira atualizada de conhecermos a história do Brasil; aquela versão crua e real que não nos contaram. Nela, o artista usa suas percepções e experiências pessoais pra construir as camadas de suas obras. E essa obras falam de racismo estrutural, de desigualdade social, de dores e traumas de tantas pessoas que ficaram renegadas à margem da sociedade. Pessoas periféricas que ficaram por décadas nas sombras, na invisibilidade, e que através do trabalho do artista são colocadas à luz dos fatos.

Cobertura em vídeo da abertura da mostra Outros Navios – Fotografias de Eustáquio Neves. Produção: Casa Rosa Filmes

O gerente da unidade, Thiago Freire, explica que a mostra busca sensibilizar nossos olhos para questões de identidade, de diversidade e de exclusão. Questões que são sempre urgentes e fortes na realidade brasileira. Além da beleza plástica e da força das imagens, a exposição vai se revelando de acordo com o olhar do visitante, que pode compreender com maior profundidade cada sobreposição que o artista usa para compor suas peças, sejam elas audiovisuais ou imagens.

Um aspecto interessante que vale a pena ser ressaltado do projeto é justamente a abertura de acessos a diferentes públicos. A mesma exposição que traz luz a temas obscuros para legitimar um histórico de esquecimentos, também traz uma série de dispositivos acessíveis e usa tecnologias inclusivas, no intuito de acolher ao máximo todos, sem distinções. Com o auxílio de recursos táteis, libras, braile, áudio descrição, piso tátil ou aro magnético, a mensagem chega a todos.

A mostra, que já passou com outra configuração pelo Sesc Ipiranga, traz um tema dolorido, pois fala de racismo, de injustiça, de preconceitos mais antigos que o próprio tema. O gerente Rogério Ianelli, da Gerência de Artes Gráficas do Sesc SP – ressalta que todo conjunto visual que compõe a exposição vai ao encontro da proposta curatorial – foi pensado para transmitir a percepção de fragmentos, de camadas.

A exposição Outros Navios está estruturada na área de convivência do Sesc Rio Preto, um lugar de passagem, muito solar, que interliga várias áreas da unidade, como explica o arquiteto responsável pelo projeto, Marcus Vinícius. Por outro lado, a mostra é um espaço protegido, de imersão, que induz à introspecção. Esse foi o modo escolhido por Marcus pelo qual a arquitetura leva o espectador a desacelerar e entrar em um contato mais íntimo com a obra do artista. Coerente ao projeto, a mesma linha de raciocínio acontece na concepção de iluminação da mostra, como explica Charly Ho, que cuidou deste aspecto da mostra. A luz transmite a atmosfera de sacralidade, através de espaços escuros com iluminação por dentro das telas, como vitrais de uma catedral. Quem já teve a chance de visitar a mostra com certeza vai entender essa referência.

Para o curador da mostra, o fotógrafo e editor Eder Chiodetto, amigo e admirador de longa data do trabalho do artista, a obra de Eustáquio é como um farol sobre a realidade, para refletirmos sobre privilégios, sobre desigualdades e sobre acessos que ainda são negados para tantos. A exposição talvez possa ser resumida sobre esse prisma: uma maneira finamente ilustrada e audiovisual, pessoal e íntima de despertarmos para aspectos urgentes e coletivos.

O Sesc Rio Preto convida a todos a participarem dessa reflexão através das imagens e vídeos de Eustáquio Neves.