Rafa Carvalho (foto: acervo pessoal)
Na Estante: Rafa Carvalho assina a curadoria literária de maio e junho no Sesc Campinas
Rafa Carvalho é um artista transmídia que se entende como poeta na perspectiva expandida do que pode ser a Poesia. Educador e agente cultural comunitário, nasceu em Mauá (SP), mas se criou em Campinas, onde vive atualmente entre sua comunidade e o mundo, com atuações em mais de 25 países. Finalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2018, com roxo seco, tem 6 livros publicados em diferentes gêneros. Sua identidade mestiça e não-binária se confirma e abre em suas práticas artísticas, atuando sempre nas encruzilhadas. Recentemente escolhido para a antologia de poesia latino-americana contemporânea da editora Peabiru, compôs também o coletivo e a antologia Poetas del 15M, na Espanha em 2011. Doutorando em Educação pela Unicamp, prepara para o próximo ano seu primeiro livro de ensaios.
Esta edição do Na Estante está focada na cidade de Campinas. Todos os títulos têm alguma relação com o município, seja pelos/as autores/as, editoras, temáticas ou processos de criação. Amplia seu foco também para a questão das periferias, destacando vozes silenciadas pelos grandes centros e defendendo, ao mesmo tempo, diversidade e equidade na literatura. Veja os títulos:
A literatura, assim como a vida, é sem dúvidas muito maior (como também bem mais miudinha) do que aquilo que se tende, ainda, a acreditar. Em meio a muito porvir, sinto que seja parte do caminho nos aproximarmos de quem está perto. Algo como (com)vivermos milagres, entre os santos e as santas de casa – pra lembrar de um premente dito popular. Interessa-nos perceber a literatura como uma linguagem pra todas; de todas. Uma coisa viva, que rastreia a história humana, sim, mas que segue sendo produzida e atualizada. Para mudarmos o mundo, precisamos mudar os nossos modos de percebê-lo. E se a literatura pode ser um jeito de atuarmos nisto, também interessa que a percebamos com novas maneiras. Somos pessoas. Humanas. Contar histórias, sentir a necessidade – vital – da Poesia, tem a ver com isto. É urgente que saibamos: a literatura está ao nosso alcance, como um direito; tanto como fruição, quanto para (re)criá-la. Ela está e sempre esteve, também, em nossas cidades.
Nesta curadoria, percebemos o quanto tudo pode estar vizinho, ao mesmo tempo em que ampliamos nossas percepções. A maioria das autoras e dos autores nasceram e/ou se radicaram em Campinas. Viveram ou vivem aqui. Há casos em que as editoras também se criaram na cidade. E ainda outros, em que os livros é que foram escritos nela, ou a partir dela; de variados modos.
Procuramos atender a diversidade e, concomitantemente, considerar as periferias; visibilizar aquilo que é igualmente importante mas que fica ainda às margens, muitas vezes, de propostas que seguem coloniais, relativas aos sistemas vigentes que, também com esta curadoria, queremos transmutar. Marcelo Rubens Paiva é uma pessoa tetraplégica. Pessoalmente, não compactuo com o termo PCD. Mas o autor compõe um grupo social com necessidades específicas, com relação às suas condições físicas. “Adeus ano velho” é seu primeiro sucesso literário, e se relaciona muito com vivências suas a partir de seu ingresso na Unicamp. “Cidade de Deus”, um título que pode surpreender na lista, foi escrito em grande parte aqui, enquanto Paulo Lins também passava pela mesma universidade. Estes dois livros, assim como seus escritores, são já bastante conhecidos pelo cenário nacional, o que os difere de quase todas as demais escolhas. Temos editoras locais, pequenas, como a Ofícios Terrestres e a Encruza – esta última com destaque pelo trabalho que vem realizando justamente junto às periferias; e por ser uma editora coletiva, sem fins lucrativos, periférica e popular.
Ainda na questão das periferias, destacamos nesta lista a Poesia. Ler poesia parece cada vez mais desafiador, nas relações com o Tempo atuais. E talvez também por isto precisemos nos desafiar a lê-la; cada vez mais. Temos poetas maravilhosas/os aqui, como Fabíola Rodrigues, Rosa Oyassi, Jô Giacomini, Will G.S.G.; Guga Cacilhas, Fernando Medeiros e Osvaldo Souza dos Santos. Dentre mais, aqui representadas/os em outros gêneros. Hilda Hilst, por exemplo, que constituiu aqui seu significativo legado, é uma poeta imensa. E por isto mesmo evocamos sua prosa, para curar Na Estante, com uma reunião de textos que nos convida a mergulhar por sua impressionante amplitude de escrita. Centenas de poetas mais, de toda a América Latina, reúnem-se pela antologia da Trunca, cuja existência orbita Campinas como outras cidades do estado. Sendo muito importante para esta curadoria compreender o nosso município num contexto integrado, continental. Nós também compomos este mapa. E pelo fato de não estarmos sós, ampliamos nossa visibilidade para todo o interior; cidades da região. Temos JC Petermann radicado em Campinas, mas contando-nos coisas de Sorocaba, São Paulo e Galiza em seu romance. Sabrina Sanfelice, também radicada aqui, narrando histórias de mulheres de um anterior bem mais profundo. Assim como a Rosa Oyassi, pra lembrarmos da importância de aquilombar o nosso interior.
Fausto Antônio convida leitores e leitoras mais jovens para nossa conversa. Pelo mesmo motivo, convidei “Téo e a pipa”, como uma contribuição direta pra tentarmos um compartilhamento entre pessoas de todas as idades. Toda nós, pessoas leitoras em (trans)formação. Osvaldo e Fernando são poetas que conheci no CeCCo Tear das Artes, e que nos convocam a considerar, tanto a luta antimanicomial, quanto os desdobramentos da idéia (assim, acentuada) de neurodiversidade. Muitos/as dos/as autores/as não vêm das classes sociais mais altas. Estamos entre pessoas diversas, de diferentes idades, incluindo autoras/es 60+. Na importância de termos listas com autores e autoras negros e negras. Reunindo gente com diferentes condições físicas e mentais. Pessoas LGBTQIAP+ e com variadas identidades de gênero. Entre homens, mulheres e pessoas não-binárias. E assim seguindo.
Naturalmente, a lista é muito limitada. Uma lista com 15 títulos não pode dar conta da cidade; nem da literatura. Saibamos que ela é só uma amostra; um recorte possível. Que nos convida a novos encontros, quem sabe. Assim como a ampliarmos nossos contatos com este universo – que pode ser muito maior – dos livros e das leituras. Temos pessoas mestiças, entre as autoras, com ascendência indígena; mas seguimos nossa pesquisa pra encontrarmos autores e autoras indígenas relacionadas com Campinas. Assim como a Editora Encruza vem fazendo um movimento por fomentar publicações novas, também dessas vozes. O mesmo valendo a pessoas trans. Todas as possibilidades de pessoas – que estejam dispostas a uma convivência digna, em que aprendamos cada vez mais com nossas diferenças, ao mesmo tempo em que tenhamos, já e sempre, o mesmo valor. Queremos, em breve, propor uma lista apenas com livros feitos pra crianças (de todas as idades). Ou seja: esta lista é apenas um passinho. Que não encerra nada. Mas que abre diálogos e, oxalá, um mapeamento muito mais completo, a ser realizado, de toda a literatura que se movimentou, movimenta e movimentará nas transfluências possíveis em, de, e com: Campinas.
Fico feliz em fazer parte, pelo convite, confiança e parceria do Sesc; bem como pela chance de atuar junto, não apenas como curador, mais compondo escritas e processos editoriais na cidade (e no mundo) que eu amo.
Boas leituras!
Na Estante está presente na Biblioteca do Sesc Campinas desde março de 2023, com o propósito de ampliar o repertório de leitura do público frequentador. A iniciativa busca destacar obras e temas que, muitas vezes, passam despercebidos no dia a dia, promovendo novas perspectivas sobre o mundo, o passado e o futuro.
A cada dois meses, uma curadoria — realizada por uma personalidade ou instituição — seleciona 15 livros, que ficam expostos em uma estante de destaque. Escritores, atrizes, pesquisadores e outros convidados trazem sua visão singular, proporcionando uma experiência de leitura diversificada e instigante.
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