Sétima arte autoral

13/12/2018

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O autor no cinema, de Jean-Claude Bernardet, apresenta o conceito criado na França que fundamentou a crítica e a análise do nosso Cinema Novo, na década de 1960

Por Gustavo Ranieri*

Poucas produções merecem um “título” que surgiu por volta dos anos 1950: cinema de autor ou cinema autoral. Mas o que significa isso afinal de contas? Trata-se de filmes cuja força motora está visivelmente no trabalho do diretor que domina todos os aspectos do fazer cinematográfico. Em resumo, é quando um diretor constrói uma trajetória sólida, impondo suas vontades com elementos e expressões artísticas que serão perceptíveis em todos os seus filmes.

O assunto é tão rico que mereceu atenção mais do que especial do crítico e teórico do cinema Jean-Claude Bernardet, 82 anos. Belga e naturalizado brasileiro há mais de meio século, ele lançou em 1994 um livro chave sobre o assunto: O autor no cinema, o qual ganha uma reedição primorosa pelas Edições Sesc. Ampliado com a colaboração do pesquisador Francis Vogner dos Reis, o livro é fundamental para todos os apaixonados e estudiosos da sétima arte, refletindo sobre a produção francesa e brasileira dos anos 1950 e 1960, mais especificamente sobre a Nouvelle Vague e o Cinema Novo.

“Com essa nova edição, tento entrar em contato com a pessoa mais jovem e penso que a atualidade do texto não se dá por ser um documento histórico importante, mas sim pela capacidade que ele tem de entrar em diálogo com a contemporaneidade. É aí que vem o Francis, que inicialmente iria escrever um prefácio, mas se empolgou e escreveu muito mais. E ele traz em seus textos algumas ideias que, se realmente forem levadas a sério, mexem muito na concepção do autor que se tem no Brasil. É uma tentativa de reformulação do pensamento de autoria no cinema brasileiro. Esse é o aspecto mais importante desta reedição”, enfatiza Bernardet.

Em tempos de streaming


Consumo sob demanda. Foto: Mohamed Hassan | Reprodução – CC0

Antes de mais nada, é preciso não se confundir cinema independente com cinema de autor, embora, na maioria dos casos, a produção autoral seja de baixo orçamento. “Houve uma degradação na expressão e, hoje em dia, qualquer pessoa que faça uma produção com baixo custo diz que fez um cinema de autor”, alerta o crítico Jean-Claude Bernardet.

Outro fato é que, por uma série de motivos, a produção realmente autoral nunca teve muita facilidade para alcançar públicos maiores. No Brasil, por exemplo, o maior entrave para os filmes mais independentes, de “autor” ou não, continua sendo a distribuição dos mesmos, que não conseguem espaço nas salas de cinema, perdendo a disputa para grandes produções ditas “comerciais”. As plataformas de streaming, tão populares hoje, também promovem a mesma segmentação, obedecendo aos padrões do mercado do entretenimento e dificultando a vida para a produção nacional de baixíssimo, baixo ou médio orçamento e, segundo Francis Vogner, reforça-os, identificada um tanto equivocadamente como autoral.

“A palavra ‘autor’ (em especial no cinema) em si não agrega automaticamente valor estético, mas valor de mercado. Não garante qualidade, não garante inventividade e nem, necessariamente, uma marca distintiva. A Netflix, por exemplo, muitas vezes quando vai estrear o filme de um diretor ‘autor’ mais famoso, lança na sua plataforma um filme mais antigo desse cineasta para pegar carona na publicidade de cinema do seu filme mais recente. Ora, o que é chamado de cinema autoral virou também uma commodity de mercado”, salienta Vogner.

* Gustavo Ranieri é escritor e jornalista.

Veja também:

:: trecho do livro

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