Tecnologia e inovação no rastreio e prevenção de quedas em pessoas idosas: luxo ou direito? 

12/06/2025

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Por Rosamaria Rodrigues Garcia* 

O envelhecimento populacional é um triunfo da humanidade. Os seres humanos nunca viveram tanto, e essa deveria ser uma conquista e não um fardo para a sociedade. O aumento da expectativa de vida e a maior representatividade da população idosa desencadearam aumento da morbidade, principalmente no que concerne às doenças crônicas degenerativas, com consequente piora da capacidade funcional e da qualidade de vida.  

A queda é uma síndrome geriátrico-gerontológica de consequências avassaladoras para a pessoa idosa, como óbito precoce, institucionalização, incapacidade funcional, fraturas, traumatismos, medo de cair, entre outras. Cerca de 30% das pessoas idosas caem pelo menos uma vez por ano, e grande parte das que fraturam o quadril não recupera sua funcionalidade anterior, com altos índices de mortalidade no primeiro ano após o acidente.  

Diante da gravidade e das consequências multidimensionais da queda, e considerando a existência de fatores de risco modificáveis, é imprescindível a adoção de medidas individuais e coletivas de prevenção. Destacam-se programas de intervenção multifatorial, preferencialmente personalizados, e que incluam exercícios para equilíbrio e marcha, fortalecimento muscular com carga progressiva, medidas de adaptação ambiental, ajuste medicamentoso, correção de déficits visuais, controle de doenças preexistentes e cuidados com os pés e calçados.  

O avanço da tecnologia na área da saúde pode contribuir para a prevenção de quedas por meio de dispositivos vestíveis que detectam acidentes ou situações de risco e acionam centrais de emergência. Esses sensores utilizam dados como movimentação corporal, variações de peso e alterações posturais, auxiliando na detecção precoce de riscos. Alguns equipamentos oferecem proteção adicional, como coletes ou protetores de quadril que se ativam automaticamente durante uma queda. Sistemas de dispositivos interconectados, aplicativos de avaliação de risco, tecnologias educacionais e jogos interativos também são recursos promissores, especialmente quando aliados à inteligência artificial. Tais tecnologias favorecem o autocuidado e podem ser úteis tanto para pessoas idosas quanto para profissionais da saúde.  

No entanto, ainda não há consenso sobre os melhores dispositivos, sensores e algoritmos. E há grandes desafios relacionados à aplicabilidade e aceitabilidade dessas tecnologias em contextos reais, com diferentes níveis de escolaridade, letramento digital, capacidade funcional e diversidade cultural. É necessário considerar como essas soluções funcionam na prática, especialmente para pessoas com fragilidades cognitivas e físicas.  

Um ponto crítico é o acesso equitativo a essas inovações. Em um país com tantas desigualdades estruturais, até que ponto é possível garantir que todas as pessoas idosas possam se beneficiar das tecnologias para prevenção de quedas? Nesse cenário, é essencial refletir sobre o papel das Redes de Atenção à Saúde, especialmente do Sistema Único de Saúde (SUS), na inserção desse tema nas agendas de cuidado, políticas públicas e formação profissional. Há que se reivindicar a efetivação do Estatuto da Pessoa Idosa e da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, além da criação de uma política nacional de prevenção de quedas.  

A inclusão da avaliação multidimensional da pessoa idosa na atenção primária, com destaque para a temática das quedas, deve ser acompanhada de ações educativas, preventivas e terapêuticas. É fundamental promover o letramento em saúde e digital, com apoio de universidades e centros de pesquisa, para adaptar e implementar soluções tecnológicas de forma democrática e acessível no SUS.  

Destaca-se, ainda, a importância das chamadas tecnologias relacionais, que valorizam a escuta, a cocriação e o cuidado centrado em cada pessoa. Essas tecnologias favorecem a produção do cuidado construído com — e não apenas para — pessoas idosas, fortalecendo sua autonomia e protagonismo nas decisões sobre sua própria saúde. 

*Rosamaria Rodrigues Garcia tem graduação em fisioterapeuta, mestrado e doutorado em saúde pública e especialização em gerontologia, com pesquisas nas áreas de ensino em saúde, gerontologia, saúde coletiva, saúde pública e práticas de cuidado em instituições de longa permanência para idosos. É professora no curso de graduação em fisioterapia e no Programa de Mestrado Profissional em Inovação no Ensino Superior em Saúde, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.  

Referências 

Eost-Telling, C. et al. Digital technologies to prevent falls in people living with dementia or mild cognitive impairment: a rapid systematic overview of systematic reviews (Tecnologias digitais para prevenir quedas em pessoas com demência ou comprometimento cognitivo leve: uma revisão rápida de revisões sistemáticas – tradução livre). Revista Age and Ageing (British Geriatrics Society), 2024. Acesso em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38219225/  
 
Montero-Odasso, M. et al. World guidelines for falls prevention and management for older adults: a global initiative (Diretrizes mundiais para prevenção e manejo de quedas em pessoas idosas: uma iniciativa global – tradução livre). Revista Age and Ageing (British Geriatrics Society), 2022. Acesso em https://doi.org/10.1093/ageing/afad238  
 
Office for Health Improvements and Disparities. Falls: Applying All Our Health (Quedas: aplicando todo o nosso conhecimento em saúde – tradução livre). 2022. Acesso em https://www.gov.uk/government/publications/falls-applying-all-our-health/falls-applying-all-our-health  
 
US Preventive Services Task Force; Nicholson, W. K. et al. Interventions to Prevent Falls in Community-Dwelling Older Adults: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement (Intervenções para prevenir quedas em idosos que vivem na comunidade: recomendação da Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA – tradução livre). JAMA (The Journal of the American Medical Association), 2024. Acesso em https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2819573  
 
Vieira, E. R.; Palmer, R. C.; Chaves, P. H. Prevention of falls in older people living in the community (Prevenção de quedas em idosos que vivem na comunidade – tradução livre). Jornal BMJ (British Medical Association), 2016. Acesso em https://www.bmj.com/content/353/bmj.i1419  
 
Warrington, D. J.; Shortis, E. J.; Whittaker, P. J. Are wearable devices effective for preventing and detecting falls? An umbrella review (a review of systematic reviews) (Dispositivos vestíveis são eficazes para prevenir e detectar quedas? Uma revisão abrangente de revisões sistemáticas – tradução livre). Revista BMC Public Health, 2021. Acesso em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34775947/  
 

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