Entrevista

21/08/2023

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CPF: A edição atual da revista trata dos pequenos espaços culturais
que são referência para as grandes instituições. A forma de acolhimento,
de como pensar a programação e juntar pessoas para uma conversa,
é uma referência que tem inspirado em escala mais ampla. Para iniciar
essa conversa, é importante contextualizar a sua história e ação cultural.
Por favor, conte-nos um pouco da sua trajetória.

Maria Vilani: A minha história não é diferente da de muitas mulheres
nordestinas que chegaram às periferias de São Paulo, pois costumo
dizer que a gente não vem para São Paulo; a gente que vem para tentar a
subsistência, por assim dizer, não conhece o glamour de São Paulo, concentrado
nos bairros “nobres”. A gente é acolhida pela periferia. E nessa
periferia a gente encontra uma série de pessoas que nos antecederam,
mas, na história, só mudam as personagens.

A gente está em busca de melhores condições de vida, ou de propiciar
melhores condições de vida para nossos filhos. Estava falando com meu
marido: “Não sei por que a gente põe filho no mundo”, ele respondeu: “É a
vida”. Será que é isso, é a vida, né? Porque, se não tomar muito cuidado,
a gente, que chega desses lugares longínquos… não me refiro à distância
geográfica, mas à distância dos direitos, do direito à cidadania, uns têm,
outros não têm. Então não se aproximam.

E a periferia está sendo um reflexo do lugar de onde a gente veio, porque
a cultura se estabelece ali, as trocas se estabelecem ali. Então, digo
que o Grajaú é o meu país, porque realmente foi no Grajaú que consegui
me formar e contribuir para que meus filhos tivessem uma formação. Então
foi no Grajaú que decidi, digamos assim, impulsionada pelas circunstâncias,
que seria meu lugar. Esse é meu lugar.

E não foi diferente da grande maioria das pessoas. Cheguei no Grajaú,
a gente não tinha asfalto, não tinha saneamento básico, a luz elétrica era
muito fraca, tinha que colocar um Bombril na antena da televisão para
conseguir ver alguma imagem. A gente pode não ter conhecimento, não
ter tido, mas a gente pensa. Somos seres pensantes. E ao pensarmos, chegamos
à conclusão de que precisamos de uma série de coisas que negam
para a gente.

Então, a gente precisa dizer sim aos nãos que essa sociedade, que esse
sistema nos dá. E não fiz diferente. Aprendi que o conhecimento transforma.
Então fui buscar o conhecimento. No primeiro momento, era o conhecimento, depois cheguei à conclusão que eu precisava de canudos, de
diplomas, porque só com eles eu abriria portas. Daí a conciliação, mas eu
não poderia ir para a academia e esquecer minhas origens. Mas eu também
não poderia ficar só ali, porque não era só, eu tinha uma prole para
representar.

Fui estudar, fui trabalhar, fui transformar minha casa num centro de
cultura, para que meus filhos tivessem acesso, porque negaram isso para
a gente também… esse bem que atravessa o ser humano e sem o qual você
não se estabelece como ser humano. Então, a gente teve que correr atrás,
trazer aquilo que hoje chamam de sarau, nos anos 1980 a gente já fazia
isso. A gente tem a história do sarau de 2015 para cá, como esse nome.

E parabéns a quem bombou esse nome, maravilha. Mas nós tínhamos
pessoas que faziam tudo isso que se faz hoje, só que não tinha essa telinha
para propagar.

A minha casa não era a única, mas foi a mais ousada, por assim dizer.
Fui capaz de botar uma faixa na frente da minha casa com o letreiro:
“Precisa-se de poetas”. Tivemos a coragem de fazer uma carreata poética,
mas muita gente fazia o que se faz hoje (…)

Leia na íntegra:

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