Índio não. É indígena!

09/08/2022

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PraCegoVer #ParaCegoVer Imagem retangular e colorida na qual destaca-se um homem indígena sentado em uma pedra localizada à direita da imagem. Ao fundo, a floresta.

*Por Geraldo Varjabedian

“Eu não sou índio e não existem índios no Brasil. Essa palavra não diz o que eu sou, diz o que as pessoas acham que eu sou. Essa palavra não revela minha identidade, revela a imagem que as pessoas têm e que muitas vezes é negativa”.

Daniel Munduruku

A partir dessa importante fala do escritor e liderança indígena Daniel Munduruku, ao defender o uso da palavra indígena, que significa “nativo”, no tratamento dirigido aos povos originários, podemos pensar como, ao longo da história, a imagem do indígena brasileiro foi moldada segundo os valores e entendimentos de outros povos. Porém, não é de nossos entendimentos, ou dos entendimentos coloniais, que se pode definir quem é indígena. Uma pessoa é indígena quando se reconhece como indígena, quando se identifica ou faz parte de um grupo de pessoas que se identifica como indígena, e a aceitam como indígena. 

Conhecimento, cosmovisão e espiritualidade, arte, idioma, moral, costumes,  comportamentos, hábitos e aptidões adquiridos por pessoas que fazem parte de uma sociedade constituem sua cultura. Diferente das tradições, a cultura está em permanente transformação, segundo trocas que, no caso das relações entre colonizadores e povos indígenas, em geral, foram e continuam perversamente injustas! Todos os brasileiros, e isto inclui os habitantes mais antigos desta terra, têm o direito de exercer sua cultura e lutar por seus direitos. 

Bem diferente do que reza o estigma histórico, a comunidade indígena brasileira não é um peso para o país. Ao contrário, trata-se de povos e culturas de inestimável valor para toda a humanidade. Não bastassem a importância cultural e antropológica, e seus vastos conhecimentos sobre a biodiversidade; entre inúmeras atividades, os povos indígenas brasileiros estão presentes e contribuem cada vez mais na cultura, na arte, nas universidades, na produção de pesquisas, nas instâncias de representação democrática, nas relações internacionais, na medicina e principalmente na preservação do meio ambiente, com a aplicação de conhecimentos em  modos de produção ecológicos e verdadeiramente sustentáveis. 

Foto: Cadu de Castro

PraCegoVer #ParaCegoVer Imagem retangular e preto e branca na qual destaca-se um homem indígena idoso olhando diretamente para a lente da câmera. O fundo da imagem é preto e contém fumaça.

Também é um equívoco afirmar que indígenas não são civilizados. Esta ideia é fruto da invisibilização e da inferiorização impostas pela colonização, e que ainda não conseguimos desconstruir no Brasil, justamente, porque, até há pouco tempo, ignorávamos qualquer parâmetro de civilização que não coubesse aos interesses do poder econômico. Outro estigma que precisa ser desconstruído quanto aos povos originários indígenas é o da ocupação de terras no país. 

Você concorda que a importância da Amazônia para o planeta é indiscutível? Sabia que 98% das áreas de ocupação indígena do Brasil ficam na Amazônia Legal? Sabia que temos somente 700 terras indígenas, nem todas demarcadas, e que todas essas terras somadas, equivalem a apenas 13% do território nacional? 

Na chegada dos portugueses, a população indígena no Brasil era de 3 milhões de pessoas e o país era ocupado por mais de 1.000 povos indígenas distintos. Aos 520 anos da colonização, somos 210 milhões de brasileiros e restam apenas 817,9 mil indígenas dispersos em 305 etnias, ou seja, 0,47% da população do país. Pelo racismo, pelo descaso político, por projetos de desenvolvimento equivocados, pelas invasões de terras, assassinatos, suicídios, contágio por doenças, desmatamentos legais e ilegais para extração de madeira, mineração, formação de pastos e produção agropecuária, grilagem e outros tantos conflitos; a maior parte da população indígena brasileira vive uma diáspora em sua própria casa! 

Foto: Cadu de Castro

PraCegoVer #ParaCegoVer Imagem retangular e colorida. Em primeiro plano, um homem indígena sem camisa e com um cocar fuma uma espécie de cachimbo de madeira enquanto se apoia em um dos bambus da oca. Ao fundo, mulheres e crianças.

Vivemos um momento de forte questionamento ao modelo de desenvolvimento vigente. Todos os parâmetros de sustentabilidade apontam para a urgência de uma grande mudança em nossos modos de produção e no padrão de bem-estar estabelecido. 

Nunca foi tão necessário descolonizar nossos entendimentos, na busca por caminhos e esperanças para as novas gerações. Se estamos questionando a civilização de que fazemos parte – a civilização imposta ao nosso país – , cabe abrir os olhos e o coração à civilização responsável pela preservação da biodiversidade brasileira – até a chegada dos colonizadores e, desde então, da natureza remanescente.  Os povos originários, com seus saberes e tradições, sinalizam alternativas para outros modos de interagirmos enquanto sociedade – e com a natureza – que hoje são estudados e considerados internacionalmente como alternativas para a sustentabilidade. 

*Geraldo Varjabedian é ativista independente e educador popular.

Em tempo, ainda sobre a necessária quebra de preconceitos sobre o modo de vida indígena, convidamos você a conhecer a série documental “Diálogo entre dois mundos” na qual o historiador e fotógrafo, Cadu de Castro, dialoga com o Nhanderuí (líder espiritual), Egino Chaapeí, sobre os hábitos, as relações simbólicas e a religiosidade do povo Guarani.

São sete episódios em que conheceremos: quem é o Nhanderuí (líder espiritual) e qual o seu papel na comunidade, a cosmovisão, o tempo, as plantas sagradas, a medicina tradicional, os rituais e a dança dos guerreiros e guerreiras Guarani, isto é, aspectos de uma cultura que tem como característica marcante o fluxo contínuo entre a fronteira do mundo terreno e do sagrado.


A série documental, realizada pelo Sesc Bertioga e produzida pelo documentarista, Junior Castro, e o historiador e fotógrafo, Cadu de Castro, tem o objetivo de proporcionar aos não-indígenas o conhecimento e a compreensão sobre a cultura Guarani, com a qual têm muito a aprender e respeitar. Por outro lado, estimular os jovens Guarani a refletirem sobre a importância de sua cultura e de seus nhanderuís.

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