Olivia Hime homenageia seu melhor amigo

29/09/2023

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A cantora, compositora, instrumentista e produtora musical Olivia Hime lança pelo Selo Sesc seu álbum Se eu te eternizar. O trabalho de doze faixas é uma declaração ao amor pelo companheiro de vida e música: Francis Hime, um dos maiores compositores e arranjadores da nossa música. É possível escutá-lo nas principais plataformas de áudio e no Sesc Digital.

Para este projeto, ela fez uma seleção apurada do acervo do artista, entre obras inéditas e outras pouco conhecidas em parcerias com ela própria (caso de Meu melhor amigo, a primeira feita pela dupla, em 1972), e outras com Cacaso, Chico Buarque, Geraldo Carneiro, Paulo César Pinheiro, Thiago Amud e Zélia Duncan. 

É de Zélia e Francis a música que abre o disco, a inédita Valsa sedutora, que logo em seu começo dá pistas do que há por vir com o verso: “Se eu te eternizar numa canção / acreditarias neste amor?”. Zélia também assina o texto de apresentação do disco, que pode ser lido a seguir, e empresta sua voz a Pássara, composta por Francis e Chico Buarque em 1980 para a peça teatral “Geni”. 

Completam as participações especiais: Dori Caymmi, em Menino de Mar, Sérgio Santos, em Anunciação, o Quarteto Maogani em Amorosa e, claro, o próprio Francis Hime, que assina os arranjos e atua como pianista. Destaque também para a participação da orquestra russa St. Petersburg Studio Orchestra em cinco faixas. 

Entre as inéditas, estão: Círculo fechado e Mar Enfim. A primeira, lançada como single do álbum em 23 de junho deste ano em celebração aos 80 anos da cantora, tem letra escrita por Paulo César Pinheiro aos 24 anos e que já denotava sua maturidade nos versos: “Quando a vida faz o carrilhão do tempo andar demais / A gente vê que a vida é uma aventura de alegria e de amargura / E depois se a vida faz o leme do destino andar pra trás / A gente vê que a vida é uma loucura que indefine a criatura”. Mar Enfim, que Olivia escuta desde que conheceu Francis, há quase 60 anos, só agora ganhou letra pela própria. 


Sobre o álbum de Olivia Hime
Por Zélia Duncan  

Não foi simples achar a maneira de começar esse texto porque Olivia Hime, a quem chamo de amiga, sempre dá muitos sentidos ao que faz em seus álbuns e se houvesse uma fórmula possível para este ofício de juntar canções e gravar, este seria um pré-requisito obrigatório: dar sentido ao que se vai imprimir. Tentarei ficar isenta e falharei descaradamente, mas, ainda assim, empreenderei esta nobre missão de ouvir e falar sobre este trabalho tão profundo e delicado. 

O álbum Se Eu Te Eternizar é dedicado a Francis Hime, por dentro e por fora desta vez. 

As melodias são todas dele. E digo “desta vez”, porque é claro que o nosso maestro é, numa grande medida, só dela, pois sempre esteve ali, permeando e contribuindo com suas escolhas, ao longo de sua bela discografia. Então o que muda, sendo ela sua companheira de tantas décadas e caminhos, quando resolve dedicar ao compositor de sua vida, cada uma das faixas?

Muda tudo, porque só ela tem acesso aos cantinhos da casa dos dois, à rede, onde Francis se balança, enquanto compõe melodias inéditas, ou arranjos orquestrais. Porque era ela ali o tempo todo, vestindo tantas dessas canções com sua poesia, fazendo parcerias de carne e osso, ou apenas lembrando a ele aquela, aquela canção linda, que ele guardou na gaveta, inexplicavelmente. É isso, Olivia, em vários momentos deste trabalho, está desengavetando um Francis, que era íntimo, de sua memória e botando no lugar mais visível e bonito de nossas casas. Nós, os sortudos ouvintes dessa dupla dinâmica e fundamental da Música Brasileira, assim, com letras maiúsculas. 

Olivia, por circunstância e nostalgia, começou a rastrear canções, que segundo ela, “costumava cantar, quando ainda nem cantava”. Quando só os cantinhos onde se aninhava escutavam seu próprio canto. Foi quando lembrou da primeira música que fizeram juntos, Meu Melhor Amigo. Quem lembra a data é Francis, 1977. Não costumava mostrar ao parceiro o que escrevia. Letrava e defenestrava, como um exercício para o futuro, sementes pela janela. 

“Algumas canções gostam mais da gente do que outras. E algumas, decididamente, nos viram as costas!”, afirma o casal, rodeado de canções loucas por eles. 

Um ano estudando as composições que nunca havia cantado. Algumas delas inéditas, destacando as melodias que estavam mais trancafiadas do que eles dois na pandemia. Vamos a elas! 


VALSA SEDUTORA
Francis Hime e Zélia Duncan

É lindo o ofício de intérprete quando se apodera de uma canção. Ouvi Valsa Sedutora, que abre os trabalhos, com um doce distanciamento, graças à maneira de suave sorriso que Olivia imprime ao cantá-la, dedicando a Francis letra e melodia, na minha imaginação e creio que na dela também, já que tirou desta letra, a frase que dá nome à sua profunda viagem, lá onde mora sua intimidade com o autor. As modulações que saíram das partituras do maestro/compositor vão e vêm, irresistíveis a cada estrofe do intermezzo e, numa delas, traz de volta a voz, como quem vai fazer isso pessoalmente. “Tu notas, voltas, vens?” 

BREU E GRAAL
Francis Hime e Tiago Amud 

A canção que traz a bela e surpreendente letra de Tiago Amud, contém uma estranheza desafiadora e irresistível. Para imaginar onde foi parar o grande amor, o letrista persegue as rimas de maneira original e inventa palavras com uma liberdade deliciosa. “Encandoideceu” de vez! Ideia de Olivia, traz na introdução o clássico samba “Embarcação”, de Francis e Chico Buarque, que funciona como um abre-alas familiar. Uma cuíca anuncia que o arranjo embarcou em outra maré, porém do mesmo mar, um outro samba começa e arrebata, é Breu e Graal

PÁSSARA
Francis Hime e Chico Buarque

Pássara, já um outro clássico definitivo dos tais dois Franciscos, nasceu para uma peça teatral, intitulada “Geni”. Porém ganha uma lufada de frescor nessa reconvocação, com orquestra e grandes músicos. Chegou a “subir no telhado”, diz minha colega generosa, mas pousou novamente no roteiro, quando decidiram me convidar para esse voo irresistivelmente rascante e intenso, que a composição exige e agora este arranjo vem acirrar. Ela chega com ares de novidade nas cordas escritas por Francis, desembocando no embate dos violões petulantes de Paulo Aragão e João Camarero, somados ao não menos falante e certeiro flugelhorn de Aquiles De Moraes. Eles se entrelaçam com vontade mesmo de tirar fino um do outro, o que só enriquece a faixa ainda mais. Fora o fato de ser uma música que nasceu para durar e que fala de sentimentos comuns a todos nós. 

MAR ENFIM
Francis Hime e Olivia Hime

Olivia ouve desde que conheceu Francis. Bôscoli quis letrar, mas o destino esperou que ela o fizesse. A melodia a esperou desde os anos 60 e valeu cada minuto até aqui. Veio “das coxias do tempo”. A música acontece inteira sem a letra, coisas de quem tem um maestro em casa! Então, as ondas da harpa de Cristina Braga traz a voz, que vai nos contar a letra e ao final, as madeiras e cordas da orquestra completam o oceano. 

MENINO DE MAR
Francis Hime

Uma das que Olivia diz ter catado no ar, rima com mar em cada detalhe escolhido. Inspirada depois de Francis ouvir insistentemente um álbum de Guinga. Mas o menino convidado a navegar nessa faixa é Dori Caymmi, com seu timbre marítimo, assinatura dessa estirpe preciosa da música brasileira, que conhece bem as melhores ondas entre a Bahia e o Rio de Janeiro. O clima é de rancho que vem e vai, daquelas que trazem o nome de Francis por cima. Flautas, clarinetes, modulações e a gente vai junto, sem olhar pra trás. 

AMOROSA
Francis Hime e Olivia Hime

Única que não traz arranjo do autor, foi construída com a batuta de Paulo Aragão, participação do Quarteto Maogani e ideias de todos. Olivia, com seu mapa de navegação traça suas linhas, sabe onde quer chegar. E Francis sempre pronto a traduzir e finalmente se somar aos músicos criadores. E é tão feminina esta faixa, que suave, se aprofunda numa tristezinha delicada e viciante. O Rio merece, ou um dia mereceu, esta valsa tão cheia de amor. 

CÍRCULO FECHADO
Francis Hime e Paulo Cesar Pinheiro

Uma das inéditas, letra do jovem Paulo Cesar Pinheiro, aquele que viria a se tornar um dos nossos mais importantes e profícuos letristas. Falando do tempo aos 24 anos, provando que já nasceu maduro e íntimo desse olhar afiado, antes mesmo de ter sentido em seu corpo o passar dos anos. Uma melodia densa e sentida à la Francis, comandada por seu piano, que arrasta as cordas consigo e uma interpretação cuidadosa, que pergunta: “pra onde é que a gente vai?” 

RIBEIRINHO
Francis e Cacaso

A letra de Cacaso inspirou um choro lento e escorre lindo e tristezinho, daquele jeito que fala de alguma coisa que a gente sempre guarda no melhor lugar de uma lembrança brasileira. Olivia sabe disso, sua voz nos embala com tanto carinho, que fechei os olhos pra ouvir sozinha, enquanto catava as palavras. E lá vem o sete cordas… 

ANUNCIAÇÃO
Francis Hime e Paulo Cesar Pinheiro

Esse lugar privilegiado da ouvinte atenta que é Olivia, nos presenteia de muitas maneiras. Nesta faixa, ela pediu que Francis revisitasse o arranjo de uma outra música, ao mesmo tempo que sentiu compassos de valsa no samba original, coisas que dão à música outras sensações. Francis aceitou o desafio e nossa viagem só vai ficando mais emocionante a cada curva. Sérgio Santos comparece nos vocais, sempre sensível e aconchegante. Olivia cita antigos arranjos e os faz renascer diferentes. 

A INVENÇÃO DA ROSA
Francis Hime e Geraldo Carneiro

Olivia jura que teve dificuldade ao gravá-la, mas não é o que constatamos ao ouvir o belo resultado. Um samba lento, leve, lindo, um solo de Gabriel Grossi, virtuoso da gaita, violão de Paulo Aragão cheio de classe (como sempre) e uma letra que imagina o amor depois de tudo, como fosse a voz do vento em forma de flor. A única coisa difícil nessa música é parar de ouvi-la! 

MEU MELHOR AMIGO
Francis Hime e Olivia Hime

Canção onde tudo começa, traz em si a semente do álbum todo. Francis não deixou que ficasse de fora, ainda bem. Ela chegou a gravar anteriormente e regrava agora, com algumas mudanças na letra. Mas no tom original, o que é um detalhe interessante, depois de tantos anos. Uma linda canção de amor e lembranças, que Olivia canta como se fosse para um par de ouvidos apenas e assim espalha a letra e a melodia por toda parte, como um bálsamo, apesar da distância descrita na letra. O arranjo delicado traz o piano, mais uma das tantas assinaturas de Francis, o baixo acústico de Jorge Helder, cordas que seguram a música no ar, e a sonoridade do fagote, de Aloisio Fagerland, costurando sutilmente as estrofes. 

O ETERNO RETORNO
Francis Hime e Geraldo Carneiro

Andava esquecida pelo próprio autor. Foi Olivia que a solfejou fluentemente, de volta pro ouvido do maestro, resgatando junto a poesia de um parceiro muito importante desse universo, que é Geraldo Carneiro. Foi ela, sempre ela, que lembrou tanto a melodia de Francis, quanto a poesia de Geraldo. Ela, o amável amálgama, que sabiamente encerra o roteiro dessa maneira tão sua, que resgata, ajunta, acolhe a música de todos que têm a sorte de estar no seu horizonte. 


Assim, Olivia Hime eterniza o Francis que era só dela, até então. De olho na pluralidade do autor que a apaixonou e que ainda, ao realizar seus arranjos compõe sobre a composição, tamanha é a riqueza de seus caminhos. Num álbum que só ela poderia realizar, pela posição privilegiada que ambos têm na vida um do outro. Olivia revela um Francis, que traduz uma Olivia, que seduzida pelo jovem compositor conhece o homem, que se encanta pela jovem artista. Se casam e há 57 anos continuam se observando amorosamente e, assim, vão sempre se revelando um pro outro. Um tanto dessa beleza escorre pra nós, eternizada em melodias, letras e canções sem fim. 


Ouça o álbum Se eu te eternizar, de Olivia Hime, nas principais plataformas de áudio e no Sesc Digital.

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