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REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

O RIO COMO TESTEMUNHA

 

 

São Paulo passou por transformações profundas na paisagem e perdeu espaços de lazer, como podem comprovar os vários clubes esportivos localizados às margens do Pinheiros e do Tietê

 


No caminho até atingir o status de metrópole, com tudo de bom e de ruim que isso possa trazer, uma cidade passa por diversas transformações que nem sempre se mostram benéficas. Podem-se considerar os rios que atravessam esses espaços espelhos das mudanças por que passam as áreas urbanas até se tornarem grandes centros populacionais - como São Paulo que pulou de pouco mais de 100 mil habitantes na virada do século 20 para cerca de 12 milhões 100 anos depois. Como elementos vivos da paisagem, esses rios carregam os reflexos do crescimento desordenado ou da preocupação com a preservação ambiental, podendo ser locais de lazer, de práticas esportivas, utilizados como meio de transporte ou apenas escoadouro da poluição oriunda de esgoto doméstico ou industrial. Algumas metrópoles, como Londres, na Inglaterra, tiveram sucesso na despoluição de um dos cartões-postais da cidade, o Rio Tamisa. Outros casos poderiam ser citados nessa linha, o que confere algum alento aos paulistanos. Hoje os rios Pinheiros e Tietê estão doentes; no entanto, vivem um processo de despoluição. A campanha já surtiu alguns resultados, mas ainda falta muito para eles reconquistarem a exuberância de outros tempos.
Vai longe a época em que os rios e suas margens eram ocupados pela população e por clubes que ofereciam espaço e infra-estrutura para piqueniques e esportes aquáticos. Aliás, a deterioração dos rios que cortam a cidade é um dos exemplos mais citados quando se ouvem depoimentos de quem vivia em São Paulo há mais de 50 anos sobre as transformações ocorridas na capital, atualmente com escassos espaços de lazer e para práticas esportivas ao ar livre. "O Rio Tietê, antes de sua retificação, desenhava seu próprio curso", conta o jornalista Henrique Nicolini no livro Tietê - O Rio do Esporte (Phorte Editora, 2001). "Criava braços, lagoas e remansos (...)." Justamente por ser, até a primeira metade do século 20, privilegiada por essa geografia, São Paulo viu surgir ao longo de seu crescimento dezenas de clubes esportivos que não só participaram da história da prática esportiva na cidade (veja boxe O esporte e a cidade) como também acabaram por testemunhar as alterações da capital.

 

INTIMIDADE COM OS RIOS

Boa parte dos clubes foi fundada em regiões da cidade onde os rios se mostravam mais propícios ao esporte e ao lazer - e isso vale não somente para o Tietê, mas também para o Rio Pinheiros, outro antigo cenário de regatas e demais recreações aquáticas. "Embora alguns clubes, em torno de 1900, tivessem sido fundados longe da orla do rio", escreve Nicolini referindo-se ao Tietê. "A maioria deles era ribeirinha e mantinha uma (...) intimidade que perdurou durante meio século." Um dos pontos que mais atraíram essas agremiações foi a antes chamada Chácara Floresta, próxima da antiga Ponte Grande, hoje Ponte das Bandeiras, acesso à região de Santana, na Zona Norte. "Cronistas da época descreveram a região, na década entre 1890 e 1900, como um parque de velhas figueiras, entremeadas de coqueiros, de onde se contemplava o Anhembi", narra Nicolini. O autor conta ainda que a Chácara Floresta era ponto de lazer para os paulistanos e, por ser "arborizado e bonito", era cobiçado para a instalação dos clubes esportivos de São Paulo.

 


ESPERIOTAS E TIETEANOS


Entre os nomes mais conhecidos - e que permanecem em atividade até hoje - encontram-se o Clube Esperia e o Clube de Regatas Tietê. "O lado curioso da história do remo no rio Tietê fica por conta da tradicional rivalidade entre o C.R. Tietê e o Clube Esperia", conta o jornalista no livro citado, "divididos antigamente por metros de rio e um oceano de antagonismo acirrado, hoje considerado bizarro e folclórico". O Esperia foi fundado em 1899 por um grupo de jovens imigrantes italianos e permaneceu apenas três anos na Chácara Floresta, mudando-se posteriormente para o lado oposto de onde estava na margem do Tietê, um terreno - segundo descreve Nicolini - "alagadiço", o que exigiu "um enorme aterro para conter a inclemência das cheias do rio (...)". Já o Clube Tietê surgiu em 1907 e, localizado na margem oposta à do Esperia, logo se tornou seu grande rival - fato que levava os humores a esquentar quase como hoje acontece com o futebol.
As provocações vinham dos dois lados, mas era do Clube Tietê o hábito de comemorar uma vitória sobre o Esperia disparando tiros de festim de um pequeno canhão que sempre "mirava" o adversário. Os tiros eram por vezes tão fortes que a vibração chegava a quebrar os vidros do salão social do rival - que também não deixava por menos. Quando os vencedores eram os "esperiotas" - como eram chamados os freqüentadores do Esperia -, eles voltavam-se para o "tieteanos" - que você deve imaginar quem eram - e, em coro, bradavam um "tó, banana", ainda da raia de chegada.


À MARGEM DO RIO PINHEIROS

Criado em 1899 o Sport Club Germania, depois de passar por diversos bairros da capital, mudou-se, em 1920, para o endereço atual. Na época a região era de chamada Chácara Itaim, onde hoje se encontram o Jardim Europa, o Itaim Bibi, a Vila Olímpia e o bairro de Pinheiros. O rio aparece novamente como grande pólo atrativo na escolha da localização, o que contribuiu para a retomada das práticas esportivas aquáticas - suspensas em 1915, quando a agremiação alugava um ponto junto ao Rio Tietê, em decorrência dos problemas enfrentados durante a Primeira Guerra Mundial, por conta de sua origem alemã. "O futebol era uma prática muito importante para o clube", explica Yara Rovai, coordenadora do Centro Pró-Memória Hans Nobling. O centro encarrega-se de guardar e conservar os documentos do clube, que mudou o nome para Pinheiros em 1942, quando quase foi fechado por questões decorrentes desta vez da Segunda Guerra Mundial, novamente envolvendo a Alemanha. "Mas as práticas esportivas ligadas ao rio eram muito comuns também, tanto o remo quanto a natação." Segundo Yara, na época o remo era praticado apenas como recreação no clube, pois o antigo curso do Rio Pinheiros era tão sinuoso que dificultava a competição. Em 1933, o clube inaugurava a primeira piscina, o que poderia até ser chamado de ato visionário, já que em 1940 têm início as obras de retificação do rio - que resultaram na modificação de seu curso - e a era de poluição que conhecemos se instaura. "Hoje em dia o clube nem fica mais à beira do rio", comenta Yara. "Até mesmo foi necessário comprar alguns terrenos que acabaram surgindo com essa retificação, trechos que antes eram água. Como o rio fazia curvas dentro do clube, quando essas partes foram retificadas, surgiram 'terrenos' que não pertenciam ao clube e que tiveram de ser comprados."
Próximo ao Clube Pinheiros foi inaugurada, em 1953, a Associação Brasileira A Hebraica de São Paulo, criada por um grupo de jovens judeus. "O projeto original era construir um clube para 300 famílias", explica Magali Boguchwal, secretária de redação da revista A Hebraica, publicação que divulga a programação do clube. "Para isso compraram um terreno à beira do Rio Pinheiros."

 

REMANDO ATÉ A FARIA LIMA

Willy Otto Jordan, antigo freqüentador do Clube Pinheiros, lembra da época em que no horizonte ao longo do rio se viam casas de barcos no lugar dos grandes edifícios de hoje. "Era um rio bonito", conta em depoimento ao Centro Pró-Memória Hans Nobling, disponível no site do clube (www.ecp.org.br). "Quando hoje ouço falar em ecologia nesses congressos, eu me lembro muito bem de como esse rio era limpo e bem tratado, via-se o fundo dele, o cascalho." Também em depoimento dado ao centro, outra testemunha dos primórdios do clube, e de quanto a cidade era diferente, Hellmut von Schütz, nascido em 1921, conta a vez em que o Rio Pinheiros surpreendeu seus freqüentadores com uma cheia que o fez avançar até a Rua Iguatemi, onde hoje se encontra a Avenida Brigadeiro Faria Lima. "Foi em 1929", diz. "Ficou tudo coberto de água." O amigo Willy, que tinha 9 anos na época, emenda a história: "Eu e o Schütz saímos remando portaria afora [do clube]". No entanto, o rio não chegava a ser o meio "oficial" pelo qual se podia ir de um lugar a outro na cidade. Eram os bondes que, sem a dificuldade oferecida pelo trânsito intenso atual, levavam os paulistanos a seus destinos, entre eles os clubes. "Naquele tempo, não se viam quase automóveis nas ruas de São Paulo", conta o engenheiro aposentado Orlando Rodante, de 87 anos, que chegou a participar da famosa Travessia de São Paulo a Nado (veja boxe São Paulo a nado). "Na época em que freqüentava o Clube Tietê, saía da casa de meus pais e pegava o bonde Ponte Grande, na Liberdade. Ele fazia o retorno em uma praça em frente ao clube e voltava para a Vila Mariana."

 

Ver boxes:

 

São Paulo a nado
O esporte e a cidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Paulo a nado
Da mesma forma que as ruas da cidade servem de pista para os atletas da Corrida de São Silvestre, o Rio Tietê já chegou a ter suas águas repletas de nadadores profissionais e amadores

 


Criada em 1924, a Travessia de São Paulo a Nado foi, durante duas décadas, um dos eventos esportivos mais importantes de São Paulo - e teve grandes chances de se tornar símbolo da cidade, como é hoje a Corrida de São Silvestre, caso o rio não tivesse se tornado insalubre. A largada da competição se dava na altura da Ponte da Vila Maria, Zona Norte da capital, e a chegada era no trecho sob a Ponte Grande, atual Ponte das Bandeiras, também na região - um percurso de 5,5 quilômetros. "Os nadadores que participavam dessa prova histórica passavam por baixo da Ponte da Vila Guilherme (ainda de madeira) e pelos meandros do bairro da Coroa, onde hoje está o Shopping Center Norte (...)", conta o jornalista Henrique Nicolini no livro Tietê - O Rio do Esporte (Phorte Editora, 2001). "As margens do rio, em todo o percurso, sempre estavam repletas de espectadores que aplaudiam a passagem dos nadadores", escreve. O engenheiro Orlando Rodante foi um desses competidores que entusiasmavam os presentes. "Participei da Travessia de São Paulo a Nado até a última competição", relata. "Eu não era o melhor, mas sempre chegava bem na frente de muita gente." Orlando conta que bastava completar a prova para que o participante tivesse direito a uma medalha. "A chegada ficava localizada entre o Clube Esperia e o Clube de Regatas Tietê, e era só atingir o funil, feito de tábuas, onde os juízes ficavam, que a pessoa ganhava uma medalhinha. Mas nem todos chegavam, e muitos só conseguiam porque eram levados pela correnteza do rio." Cinco anos após a sua criação, a competição foi interrompida. Em 1932, o jornal A Gazeta Esportiva assumiu a organização da prova, que seguiu então até 1944. "Essa competição acabou quando o Rio Tietê já estava muito poluído", diz Orlando. "Ou, melhor dizendo, quando o rio se transformou em canal de esgoto."

 

 

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O esporte e a cidade
Projeto do Sesc Pompéia mostra as portas de entrada do esporte em São Paulo

 


Como parte da programação do Sesc Verão 2007, cujo tema é Esporte, Na Prática Todo Mundo Pode!, o Sesc Pompéia realiza, até o dia 28 deste mês, o projeto São Paulo e os Esportes, uma ambientação lúdica, composta de exposições de fotos e textos, que resgata a relação entre a cidade de São Paulo e diversas práticas esportivas. Por meio de histórias impressas em banners, os visitantes podem ficar sabendo mais sobre a chegada do boxe ao Brasil, sobre a tradicional Corrida de São Silvestre e sobre os Jogos Panamericanos - que acontecerão no Rio de Janeiro neste ano e dos quais São Paulo foi sede em 1963. O evento lembra também a São Paulo das regatas e campeonatos de natação que aconteciam nos Rios Pinheiros e Tietê, e traz fatos envolvendo o surgimento dos chamados clubes ribeirinhos que se somavam ao longo das margens desses dois rios.
Confira a programação completa no Em Cartaz desta edição.

 

 

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