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O cinema que dá voz

Ique Gazzola é cineasta e professor. Começou a carreira no teatro, como ator, e também trabalhou no mercado publicitário. É diretor do documentário Silêncio das Inocentes, que reúne entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica. O filme estreia no SescTV, dia 28/12, às 22h.

Abaixo você confere a entrevista para a Revista SescTV.

 

Como surgiu seu envolvimento com o cinema?

Comecei na música, como baterista, e paralelamente como ator, participando da fundação da Cia. Atores de Laura, na qual trabalhei por 11 anos. E foi do teatro que surgiu o desejo de fazer cinema, que acabou por me tirar dos palcos e me lançar nos sets. Foi quando comecei a trabalhar como estagiário em publicidade, produção e assistência de direção. Nesse período, dirigi meus próprios filmes: um curta-metragem, Natureza Humana, em 16 mm; outro filme, com um minuto de duração, Mãe Coruja, também em 16 mm; e o documentário Choro Novo, em 2001, que recebeu o prêmio Tatu de Prata na Jornada Internacional de Cine de Salvador. Nesse ponto da minha carreira, já era também diretor de filmes publicitários. Hoje, além de dirigir filmes, sou professor na Oficina Pequeno Cineasta e estou terminando o bacharelado em Cinema, já pensando no mestrado. Mas tem um longa-metragem no meio desse caminho.

 

Você dirigiu o documentário Silêncio das Inocentes, que aborda a violência doméstica contra mulheres. Como foi feito o trabalho de pesquisa para o filme?

O trabalho de pesquisa foi muito difícil, pois a maioria das mulheres em situação de violência doméstica não queria filmar, temendo represálias. Nossa pesquisadora entrou em contato com várias instituições de apoio às mulheres por todo o Brasil, para encontrar pessoas dispostas a falar sobre suas histórias.

 

O filme reúne uma série de depoimentos de mulheres com diferentes perfis sócio-econômicos. Como foi feita a escolha dessas personagens?

Escolhemos as histórias que pudessem descrever a infeliz variedade de violências praticadas contra as mulheres, não só física, mas verbal e psicológica. Que estivessem não só no âmbito matrimonial, mas também em outras relações familiares. Um exemplo disso é a história da filha maltratada pelos próprios pais.

 

Que tipo de dificuldades a equipe encontrou, levando em conta que o filme trata de um assunto que ainda hoje enfrenta resistência e até preconceitos?

Não foi fácil fazer o filme! A nossa principal dificuldade foi conseguir filmar as histórias sem sermos impactados por essa realidade bruta, covarde e criminosa. Por várias vezes, cortei a câmera para a entrevistada chorar e também para me recompor. Mas algumas dessas mulheres nutriam um sentimento de culpa pela sua situação, o que é um sintoma de mulheres vítimas de violência, um tipo de “Síndrome de Estocolmo". Algumas delas falavam baixo como se seu agressor estivesse atrás da porta; muito trauma e vidas destruídas por um ato que não pode ser tolerado em nossa sociedade ou encarado com normalidade de que um "tapinha não dói!"

 

Em quanto tempo o filme foi realizado e qual foi sua circulação até o momento? Participou de festivais?

Acho que o processo durou uns cinco meses ao todo. A parte da pré-produção foi maior. A produção em si foi rápida e, na pós-produção, foram dois meses.  O filme esteve em vários festivais nacionais e internacionais; foi selecionado na Mostra Brésil en Mouvements, de Paris (França), neste ano. Levou o prêmio de melhor média-metragem na sétima edição da Mostra Cinema de Direitos Humanos na América do Sul.

 

Existe a intenção de disponibilizar o filme para Organizações Não Governamentais, escolas e instituições que trabalham com formação de público?

O documentário já foi disponibilizado para diversas ONGs e instituições brasileiras como contrapartida de patrocínio e de interesse publico.  Além disso, fizemos debates após apresentações, como no auditório do Senac, aqui no Rio de Janeiro.

 

Em ternos de linguagem, o documentário praticamente não tem momentos de respiro, ao apresentar, na sequência, um grande número de entrevistas, com histórias que ilustram diferentes tipos de agressão. Foi uma opção artística do diretor?

Sim, foi! Queríamos inicialmente, eu e o roteirista Rodrigo Azevedo, apresentar as personagens, contar suas histórias e mostrar o ponto de virada delas, o que foi o mais emocionante. E, para isso, a sequência das violências era importante para impactar o público, para que percebesse a força e determinação dessas mulheres em seguir adiante. Não queríamos firulas ou distrações, o assunto tinha que ser colocado diretamente, sem rodeios.

 

Qual o papel dos meios de comunicação – em especial, da televisão – para abordar questões como a violência doméstica?

Desde a Lei Maria da Penha, a questão ganhou os veículos, primeiro como notícia e, depois, através de novelas. Mas acho que o assunto não é interessante para os seus anunciantes. Um bom papel para a grande mídia seria colocar um foco nessa questão, para um debate social e reflexão, pois esse tipo de violência é muito comum no nosso dia a dia. Mas, infelizmente, somente quando "dá manchete" a notícia é interessante.

 

Que aprendizados e contribuições este documentário trouxe para seu trabalho como cineasta?

Acho que esse filme me aponta um caminho cinematográfico natural, que são as questões políticas e sociais da nossa civilização. O maior aprendizado foi ser testemunha de que mesmo numa situação terrível como essa existe esperança de algo melhor pela frente! Que existe algo de belo para contar.

 

Quais serão seus próximos projetos? Também estão relacionados a temas sociais?

Estou preparando um filme de longa-metragem sobre a Campanha da Legalidade, que aconteceu antes do golpe de 1964! A produção será de Layla Brizola, neta de Leonel Brizola, o principal articulador da resistência popular.