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Teledança – As Poéticas da Imagem

O século 19 é considerado por alguns estudiosos, entre eles Armand e Michele Mattelart, como sendo o período no qual a observação e a análise dos fenômenos comunicacionais promoveu a sistematização das primeiras Teorias da Comunicação. Muito se investigou sobre esta questão e, na sua generalidade, teorias mais recentes se ocupam em olhar para os modos como se dá a organização das informações, observando-se sua transmissão, sua veiculação, seu fluxo, bem como, as relações que fundam e estabelecem na sociedade.

Assim, a Comunicação se configura como uma vasta e complexa área de conhecimento, que abre possibilidades de estudo e aplicabilidade diversificadas. Esta complexidade nos permite afirmar que os processos de comunicação não se restringem ao verbal. Frente a esta afirmação, a plausibilidade da existência de meios igualmente diversos precisa ser considerada, assim proponho que não só a palavra, mas também o corpo, o movimento e a imagem sejam considerados como meios de comunicação.

A forma como as informações se organizam está condicionada ao meio através do qual são processadas e transmitidas. Ou seja, a materialidade e as propriedades constitutivas dos meios fundam e determinam suas possibilidades de organização e de operação. Assim, se a matéria é o movimento de dança, suas propriedades são táteis-cinestésicas; já se a matéria é a imagem, temos propriedades audiovisuais.

O professor Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, propõe no seu livro As Estratégias Sensíveis: afeto, mídia e política (2006), que o relacionamento entre campos de conhecimento distintos somente é possível quando ocorre a flexibilização de seus operadores. Nesta proposta, não cabem relações unilaterais de dominância de um campo sobre o outro. Ao aplicarmos esta proposta no nosso assunto, ou seja, a relação entre dança e televisão, obviamente, também não caberia a determinância dos operadores de um meio sobre o outro. Assim, a questão que se impõe, para ambas as partes, é a de quais operadores necessitam, bem como, podem ser flexibilizados sem que as propriedades formais de ambos os meios sejam violadas. No caso da dança, sua temporalidade precisa ser preservada para que o produto audiovisual não se distancie demais da proposta coreográfica.

Para os profissionais da dança, os registros videográficos mais desejados por se aproximarem, mesmo que precariamente, do que ocorreu no espaço cênico são aqueles gravados em plano geral com no máximo alguns zooms, sem nunca cortar ou recortar a totalidade das ações. Mas, apesar de legítimo, este desejo de se produzir uma “cópia fiel” precisa ser revisto, dado que, a partir do que foi discorrido anteriormente, isto seria uma forma de dominância unilateral de um meio sobre o outro.

Assim, uma proposta que interseccione dança e televisão precisa encontrar uma maneira de articular estes fazeres distintos e buscar formas que deem visibilidade às especificidades destes fazeres, isto para que suas relações se estabeleçam enquanto a proposição de um entendimento/pensamento sobre o cruzamento pretendido.

Sabemos que as experiências perceptivas decorrentes do contato com qualquer obra artística variam de acordo com o modo como somos expostos a ela; por exemplo: ouvir um concerto musical ao vivo se constitui como uma experiência distinta a de ouvir sua gravação. Não há aqui nenhum julgamento de valor, trata-se apenas da constatação de que são experiências distintas. Contudo, quando o assunto se volta para a questão da difusão destas obras para o grande público, os ambientes nos quais são apresentadas, apesar de adequados a elas, possuem restrições no que se refere a sua ocupação espacial e a sua duração no tempo. Frente a esta circunstância, os seus registros, quando televisionados, não só ampliam a possibilidade do acesso, mas, também, garantem a permanência do produto artístico ao longo do tempo. E, dependendo do modo como articula os fazeres e saberes de cada campo, poderá adquirir o status de documento histórico que disponibilize para gerações futuras: as questões, as formas de discuti-las e os entendimentos estéticos ali materializados.