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Direto do CAMPO

Editor e apresentador do programa Cartão Verde, da TV Cultura, Vladir Lemos é autor de cinco livros, entre eles Juízo, Torcida Brasileira (Realejo, 2014), A Magia da Camisa 10 (em parceria com André Ribeiro: Verus, 1998) e O Dia em Que Me Tornei Santista (Panda Books, 2007). Começou a carreira jornalística no início da década de 1990 na TV Tribuna, em Santos, e foi também repórter e apresentador do programa Grandes Momentos do Esporte, da TV Cultura de São Paulo. No mesmo canal, em 1998 tornou-se repórter e apresentador do Cartão Verde, antes de tornar-se editor-chefe em 2005. A seguir, os melhores trechos do depoimento do jornalista, no qual ele fala sobre mudanças na cobertura esportiva, Copa do Mundo, Olimpíadas e a presença feminina no futebol. 


CARTÃO VERDE


O programa foi criado em 1990 pelo Armando Nogueira, um dos jornalistas mais respeitados do Brasil. A ideia era criar um programa de debate que fugisse um pouco do que se tinha de mesa-redonda naquela época, que era uma coisa muito colada no jogo e até certo ponto superficial.
 
A gente continua tentando levar adiante essa missão de fazer um programa diferente dos outros. Na medida do possível, a gente procura fugir do universo do esporte levando músicos, políticos, artistas plásticos e pessoas das mais variadas áreas para dar a sua visão sobre o jogo. O futebol está inserido no nosso cotidiano. Mesmo a pessoa que não gosta de futebol está meio fadada a ouvir alguma história sobre o jogo de bola. A gente tenta levar para o programa esse futebol que se envolve na vida da gente, e até aproveitar para falar um pouco da vida, e não só do futebol.

 

ESPELHO DO PAÍS


Foi-se o tempo em que eram os melhores que estavam em campo. Tem uma frase que eu gosto muito que diz que o problema de trabalhar com futebol é que quanto mais você conhece mais difícil fica de gostar, porque tem um lado de deleite, mas também tem um lado muito sujo.

O futebol hoje em dia é o mais fiel espelho do país que a gente está levando adiante. Na verdade, no plano político a gente acaba sendo ainda um pouco pior, porque na política a gente não tem nenhum Neymar. É um deserto de craques, tanto aqui quanto lá, um jogo de interesses descarado, e por aí vai.


CIFRAS DO ESPORTE


As cifras são astronômicas. A gente está em plena era do futebol ostentação, porque é tudo cheio de badulaque, é tudo meio esquizofrênico, cada um com seu fone de ouvido. Para cada jogador de futebol há toda uma entourage que se alimenta daquele dinheiro. Nessa geração é cada vez mais raro ver alguém com pé no chão.

Sobre os grandes eventos esportivos, não tenho nada contra eles, mas tenho tudo contra a maneira como são levados. Faz tempo que a Copa e as Olimpíadas se transformaram num balcão de negócios. Acho que a gente perdeu a oportunidade de fazer uma Copa com a nossa cara. A gente não é Londres, não é Austrália, e podia ter feito uma coisa mais simples, que tratasse todo mundo bem.


FUTEBOL FEMININO


É impressionante tudo que o futebol feminino conseguiu no Brasil sem ter o mínimo de estrutura. Acho que o único momento em que as meninas do nosso futebol tiveram o tratamento que verdadeiramente mereciam foi durante os Jogos Panamericanos aqui no Brasil [em 2007], em que elas jogaram a final no Maracanã com 70 mil pessoas e ganharam a medalha de ouro.

Audiência o futebol feminino não dá, mas não precisamos passar o resto da vida escravos da audiência. Tem lei de incentivo ao esporte, tanta maneira de conseguir recurso. Já que se dá dinheiro para tanta coisa, por que não se pode sustentar o futebol feminino, que é tão bem-sucedido? Existe também um reflexo social de as meninas se interessarem por esporte. Ninguém precisa se tornar uma Marta, mas eu fiz esporte durante toda a minha vida e sei que ele traz um ensinamento que a gente carrega para a vida inteira de saber lidar com o corpo, descobrir os limites. Não é só competição.



MUDANÇAS NA COBERTURA


Quando eu comecei a cobrir futebol, você ia a um treino e podia colocar o cinegrafista em qualquer ponto do campo que quisesse. Hoje, as equipes de televisão chegam ao campo de futebol e são tratadas como gado. Todos são obrigados a fazer as imagens do mesmo ponto e falar com o jogador que a assessoria do clube escolhe.

As fontes também rarearam. As grandes fontes hoje têm Instagram, Twitter, então elas mesmas se encarregam de pegar o brilho da notícia. Outra coisa que não tem mais o impacto que tinha em outros tempos são as barrigadas [expressão jornalística para quando se veicula uma notícia errada ou falsa por engano]. Antigamente, se você desse uma barrigada, você estava perdido. Ia ficar tachado pelo resto da vida. Hoje, a coisa entrou num furor tão grande que a pessoa erra e a credibilidade dela nem arranha. Até certo ponto, acho apavorante ver como isso não tem mais efeito colateral.



“AS FONTES TAMBÉM RAREARAM. AS GRANDES FONTES HOJE TÊM INSTAGRAM, TWITTER, ENTÃO ELAS MESMAS SE ENCARREGAM DE PEGAR O BRILHO DA NOTÍCIA”