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No Ar: Literatura, televisão e cinema

Se achasse que literatura nada tem a ver com televisão, o jornalista e crítico literário francês Bernard Pivot não teria emplacado por quase três décadas seus programas literários de grande audiência na TV aberta francesa, que começou a fazer nos idos de 1973, quando os estudantes de nossa pátria estavam imersos nas aulas de “educação moral e cívica”.


Você pode argumentar que a França não é o Brasil, por isso lá programas como esse emplacaram e aqui não. Mas aprendemos coisas boas com os franceses desde que eles aqui desembarcaram pela primeira vez na Baía de Guanabara em 1503. E um dos aprendizados é justamente esse. Poder fazer bons programas literários (na TV, rádio, internet) sem pedantismos, academicismos e outros “ismos”. Uma das receitas é tentar fugir das chamadas leis do mercado que condiciona a divulgação dos livros ao imediatismo de quando eles são lançados. Ou seja, não se pode nem refletir sobre o que foi lançado mês passado porque já existe uma enxurrada de livros no mês seguinte.


Um dos segredos para ter sobrevivido a 28 anos de exibição pode ser explicado pela posição de Pivot em manter distância protocolar e saudável de editores e escritores, dar lugar a todos e não a “panelinhas” que grassam na literatura brasileira contemporânea. Pivot recusou benesses, viagens, pagamentos pela promoção e leitura de determinado livro e isso explica em parte sua legião de admiradores.


Não citei o exemplo francês para ser pedante ou afetado e sim para reforçar que acredito já ter passado da hora de existir um programa de literatura com espectro maior de telespectadores. O problema é a forma. Não dá, na era da velocidade e linguagem digital, para ficar apenas no formato bancada/entrevistado para atrair novos e jovens telespectadores. A palavra deve ser atraente, não um enorme compêndio tedioso de palavras faladas.


Esse é um desafio que vem sendo incorporado em experiências esparsas via Youtube e outras mídias digitais. Mas tudo ainda muito incipiente.


Não foram muitos os programas sobre literatura na nossa televisão. Mas também não foram poucos. Bem lá atrás, me lembro de um programa chamado Leitura Livre apresentado pelo escritor Marcelo Rubens Paiva, na TV Cultura, que tinha como objetivo alcançar leitores jovens, quando Marcelo era o jovem escritor do momento. Cheguei a participar de pelo menos duas edições desse programa como entrevistador convidado questionando, por exemplo, o casal Jorge Amado e Zélia Gattai. Depois surgiram outros como Literatura e Mundo da Literatura (exibidos pela então rede Sesc Senac de televisão e retransmitido em vários outros canais), que eu próprio apresentei e dirigi, e os programas Entrelinhas, na TV Cultura, programas na TV Senado e TV Justiça e o Umas Palavras, apresentado por Bia Corrêa do Lago, que está há muitos anos no ar pelo canal Futura e talvez seja o mais longevo. Ou seja, interesse sobre o assunto existe e eu gostaria que existissem muitos mais programas literários.


Pelo menos no Brasil as relações entre literatura e novas mídias (seja internet, cinema ou TV) ainda parecem ter muito a avançar. Isso porque parece que a literatura se envergonha de se apropriar dos signos e recursos eletrônicos e, por outro lado, os recursos eletrônicos estão mais preocupados em estarem próximos apenas do que está na mídia, dá audiência, seja badalado. Continua a valer a velha máxima de que não basta escrever, é preciso se vender bem. A era do marketing e do mercado prejudicando a codificação do que é apenas rotulado como difícil, “cerebral”, intransponível. Isso é balela. Duvido que a literatura de um Osman Lins, José J.Veiga ou mesmo de um Guimarães Rosa (já mais adaptado) não rendessem bons frutos como qualquer literatura de fácil consumo e de narrativa linear.


Por mais que se diga o contrário, ainda falta muito para a literatura brasileira ser melhor assimilada pelo nosso cinema e TV. Faltam bons e convidativos espaços “internéticos” ao redor do assunto. Lugares onde as teorias e teses intransponíveis sejam substituídas por uma linguagem informal de fácil assimilação que atraiam e não afugentem leitores. Lugares onde o tal cânone não pare na geração de 1945 ou no romance nordestino da década de 1940. Queria ver a literatura brasileira entrar pela porta da frente das novas mídias. Literatura sem ser sinônimo de “chatura”. Estamos em busca desse tempo perdido. E, com a licença de Proust, nesse segmento sou otimista. Acho que dias melhores virão.


Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. Autor de 7 livros, foi cronista em vários jornais e revistas e entre 1998 e 2005 dirigiu, escreveu e apresentou os programas “Literatura” e “Mundo da Literatura”.