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O processo criativo da produção

Jurandir Müller é produtor e diretor de cinema e vídeo. Dirigiu os documentários A Poética de Philadelpho Menezes e Partido Mooca. Fundou a produtora PaleoTV, que produziu trabalhos como a série Paisagens Urbanas, exibida pela TV Cultura de São Paulo; os documentários O Pintor, Coletor de Imagens e Morte Densa; os longa-metragens FilmeFobia e Periscópio, além das séries Transando com Laerte, exibida pelo Canal Brasil, HiperReal, Temporal e Estilhaços, realizadas pelo SescTV.


Como se deu seu envolvimento com o cinema e a TV?
Comecei a estudar Biologia e, durante a faculdade, estagiei no laboratório de fotografia do setor de hemodinâmica do INCOR, o Instituto do Coração, em São Paulo. Lá, ficava fascinado pelas imagens de uma câmera de cateterismo, que se revelavam em um negativo e depois eram ampliadas em papel fotográfico por um processo químico. Como era apaixonado pela fotografia, pelo cinema, e era um frequentador assíduo das salas de cineclubes de São Paulo, abandonei a Biologia e fiz um curso de fotografia. Consegui uma vaga no estúdio da editora Abril, onde tive o prazer de trabalhar com fotógrafos como José Maria, Arnaldo Klein e principalmente com o pintor e fotografo Luigi Mamprin, que foi o fotógrafo da expedição Villas-Bôas, entre vários outros projetos. A partir da fotografia, anos depois, fui para o cinema.

Como surgiu sua produtora de vídeo, a PaleoTV?
Fui curador de uma sala de vídeo no final dos anos 1980, no Elétrico Cine Clube. Tive a possibilidade de trabalhar com Dante Ancona Lopez, que me ensinou a sentir o cinema. No Elétrico, montei uma produtora que fez um curta-metragem sobre o José Mojica Marins, o Zé do Caixão, mas que nunca foi montando, pois a produtora parceira na montagem do filme foi assaltada e perdemos todo o material gravado em Super-VHS, o formato na época. Na sequência, veio a produtora PaleoTV, nome esse tirado de um texto do escritor italiano Umberto Eco, no livro Viagem pela Irrealidade Cotidiana. Eco descreve a PaleoTV como uma TV que abre a janela para ver o mundo. A partir daí, foram 20 curtas, algo como uns 240 programas para TV e uns oito longas-metragens produzidos. 

Qual a diferença entre produzir para o cinema e televisão?
O tempo. Os projetos para TV têm em sua essência um tempo menor em todos os passos da produção. Projetos para o cinema possuem um tempo mais estendido. Pesquisa, roteiro, filmagem, montagem e finalização são processos mais longos. Imagine o tempo de um primeiro corte de um longa-metragem que chega a ter seus 150 minutos. Para chegar a um último corte com uns 80, 90 minutos, o diretor e o montador passam três horas só para assistir o que estão fazendo.

A produção também é um processo criativo?
O papel do produtor na cadeia audiovisual sempre foi de extrema importância. O produtor tem como obrigação ser o profissional que dá "a cara" do seu negócio. Deve considerar as demandas de mercado para cada tipo de projeto que irá trabalhar. Essas demandas de mercado são importantes, mas trabalhos mais autorais também são fundamentais. O sucesso de um filme, por exemplo, não deve ser mensurado somente por sua carreira em exibição comercial, mas também pela importância de seus resultados em festivais e sua relevância em trazer novas propostas autorais. A ideia de produtor criativo é amplamente conhecida nos Estados Unidos e Europa. Tomemos como exemplo o produtor português Paulo Branco. Ele já realizou mais de 200 longa-metragens, com nomes como Wim Wenders, Manoel de Oliveira, Luc Moullet, Chantal Akerman, entre outros. Branco é reconhecido como o produtor com maior número de filmes exibidos nos festivais de Cannes e de Locarno, onde recebeu o Prêmio Raimondo Rezzanico como melhor produtor. Aqui no Brasil essa função está ganhando cada vez mais força.

Quais são os critérios para compor uma equipe de produção?
O meu critério é buscar pessoas que queiram fazer um trabalho criativo. Sempre dei muita sorte. Já trabalhei com nomes que estavam no início de suas carreiras, como Geórgia Costa Araújo, Jeferson De, Fabiano Gullane, Caio Gullane, Joel Pizzini, Inês Cardoso, Cláudia Priscilla e tantos outros. Minha produtora é certamente um lugar de passagem, até porque nosso modelo de negócio é muito mais direcionado em montar equipes que tenham sinergia com o projeto que estamos realizando naquele momento.

Você é um dos diretores do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. Qual a importância de festivais de cinema e televisão no Brasil?
A importância dos festivais é enorme, pois eles trazem ao público produções que dificilmente entram em circuito comercial, ou mesmo televisivo, como por exemplo, longas-metragens do México. A produção atual desse país está na casa dos 140 filmes por ano. Em 2014, foram exibidos apenas seis filmes mexicanos nas salas comerciais do Brasil.

Como começou a parceria com Kiko Goifman?
Ao assistir o curta Tereza, do Kiko, fiquei encantado. Estava produzindo a série Paisagens Urbanas, do Nelson Brissac Peixoto, e era o momento de começar a edição. Mostrei o Tereza ao Nelson, que logo disse: “esse é o cara que precisamos para montar nossa série”. Depois de um tempo tentando localizá-lo, chegamos ao seu endereço e enviamos um telegrama – eram tempos pré-internet – pedindo para que ele entrasse em contato. Kiko estava fazendo seu mestrado e quando ficou sabendo que queríamos que ele montasse a série, ele disse que não era um montador. Tudo piorou quando eu lhe disse que ele teria que operar a ilha de edição, na época uma Video Machine ¬– só quem teve uma sabe a roubada que era aquele equipamento –, com três máquinas betas analógicas. Mas Kiko aceitou o desafio, meteu a cara naquele equipamento e montou a série. Daí para frente, trabalhamos juntos por mais de 20 anos em uma linda história de construção de um modelo de negócios que estava longe de ser o usual, pois decidimos não fazer vídeos institucionais nem publicidade. Claro, ficamos mais pobres, mas muito mais felizes.

Como foi o trabalho de pesquisa e produção de uma série como Estilhaços?
A pesquisa para a produção de uma série é sempre fundamental, pois é através dela que encontramos histórias, personagens e locações. Temos uma equipe forte e apostamos muito nisso. As etapas básicas de produção de uma série de televisão são três, a pré-produção, a produção em si, que engloba a gravação, e por último, a finalização. O que vale ressaltar aqui é a pesquisa que fazemos na primeira etapa. É nela que gastamos nosso maior tempo e é nela que mergulhamos a fundo, principalmente diante de um tema complexo, como a ética, que é o tema central de Estilhaços.

Estilhaços discute a ética das ruas, em diversos grupos sociais e profissionais. Qual a ética no setor audiovisual?
Existem várias éticas no audiovisual, pois não é um grupo ou produto homogêneo. A ética na publicidade talvez não seja a mesma do longa-metragem. Não existe um livro de regras fechado, mas é uma questão que pensamos todos os dias, seja fazendo documentário ou ficção.