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postado em 29/11/2023

Sociabilidades distintas e plurais

Rua Fradique Coutinho (1979) | Foto: Mujica Saldanha
Rua Fradique Coutinho (1979) | Foto: Mujica Saldanha

      


Livro Eram a Consolação: sociabilidade e cultura em São Paulo nos anos 1960 e 1970 escrito por Lúcia Helena Gama traça um panorama das alterações que o centro da cidade sofreu na segunda metade do século XX

Por Luis Nassif*

 

Nos anos 70, saíamos dos botecos da Vila Buarque de madrugada e gostávamos de subir a Consolação a pé, andando no meio da rua. Eram tempos de uma cidade menos selvagem. O mapa das épocas, em uma cidade, é mais bem desenhado através de sua vida noturna. As noites reduzem a agressividade do dia a dia, tornam humanos os robôs diuturnos que lutam por seu emprego ou por sua carreira, substituem a pressa diária pela boa conversa.

Mudei para São Paulo nos anos 70, mas me lembro até hoje a emoção que foi, no final da década de 60, mal saído da adolescência, ter convencido uma prima a me levar ao Jogral, na Galeria Metrópole, para ouvir o regional do Evandro e Manezinho da Flauta, sobrinho de Pixinguinha.

Este livro permite um mergulho inédito na São Paulo da segunda metade do século XX e trará recordações preciosas a todos que passaram por aqueles tempos. Um levantamento preciso da boemia expandida, relatando os importantes encontros na noite da capital paulista, quando personalidades do teatro, da música, da filosofia e da política informavam-se e formavam a cena sociocultural paulistana.

 


Grupo Abracadabra na Rua Fradique Coutinho (1979) | Foto: Ennio Brauns/Foto&Grafia

 

Eram a consolação traz narrativas baseadas em pesquisa documental, imagens e depoimentos de artistas, jornalistas e intelectuais de como era a vida social e cultural na capital paulista nos anos 1960-70. Até 1968, a promissora fusão entre intelecto, arte e política era delineada pelas dinâmicas da Faculdade de Filosofia e dos núcleos universitários próximos: Mackenzie, Sociologia e Política, FAUUSP e Economia. Vizinhos a essa região, casas noturnas, cineclubes, museus e teatros configuravam os cenários desses encontros.

A cidade resistiu em boa medida ao abrupto corte das liberdades democráticas resultante do AI-5. A expulsão dos estudantes da USP para o outro lado do rio Pinheiros impôs novo ritmo às ruas do centro e fez surgir uma nova geografia cultural. Com espaços mais informais e flexíveis, o circuito boêmio se expandiu da Vila Buarque, praça Roosevelt e do Centro Novo até o núcleo ao redor da Cidade Universitária e Vila Madalena. Inicialmente, aborda o mundo noturno que vivia em torno da praça Roosevelt, se espalhando pela Vila Buarque, um pouco pelo largo do Paissandu, pela avenida São João e pelo largo do Arouche. Depois, avança pela rua da Consolação e suas paralelas, chegando à Doutor Arnaldo. Com a inauguração da Cidade Universitária da USP, essa boemia itinerante se estende para o Butantã e, mais tarde, pela Vila Madalena e seus arredores.

Em todos esses tempos, era na noite paulistana que conhecíamos os personagens mais interessantes de uma cidade que trabalhava de dia, mas vivia de noite. Foi nesse contexto que ouvi o piano de Dick Farney, as canções de Claudete Soares, a guitarra de Lanny Gordin, a flauta de Hermeto Paschoal, e tantos outros cujo registro ficou apenas na memória dos boêmios e é resgatado nestas páginas de Lúcia Helena Gama.

 

*Luis Nassif é fundador e diretor do jornalggn.com.br. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Trecho do livro 

 

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