Sesc SP

postado em 24/04/2013

A arte como experiência compartilhada

Olafur Eliasson. Microscópio para São Paulo, 2011. Pinacoteca do Estado de SP.
Olafur Eliasson. Microscópio para São Paulo, 2011. Pinacoteca do Estado de SP.

      


Seu corpo da obra apresenta ao público brasileiro o trabalho de um dos artistas mais inventivos da atualidade: Olafur Eliasson

Nem sempre é muito fácil olhar para uma obra de arte
ou se envolver com arte. Isso também dá trabalho;
ir a um museu exige disposição para coproduzir a experiência.

Olafur Eliasson

 

O 17º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil, realizado em 2011, abriu-se às manifestações mais radicais, aproximando-se em especial do campo das artes visuais. Disposto a mapear, promover, difundir e divulgar as poéticas audiovisuais concebidas no país e no mundo, o Festival – realizado pela Associação Cultural Videobrasil em parceria com o Sesc São Paulo – organizou no ano passado a ambiciosa exposição Seu corpo da obra, primeira individual do artista dinamarquês Olafur Eliasson na América Latina.

Fruto de uma intrincada poética e de uma ampla investigação que envolve questões científicas e filosóficas, a obra de Eliasson alerta para o fato de que as práticas artísticas só se completam na fruição do público, questionando a preponderância do objeto sobre o sujeito e convidando o espectador a perceber-se como um coautor da obra. Esses são alguns dos aspectos que tornam o trabalho de Olafur Eliasson tão especial – uma experiência verdadeiramente transformadora na arte contemporânea.

A exposição Seu corpo da obra se relacionou de modo imediato com as situações arquitetônicas e funcionais que caracterizam os três locais em que ela ocorreu: o Sesc Pompeia, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Sesc Belenzinho, dialogando francamente com a prontidão urbana da capital paulistana. O livro homônimo agora lançado é parte da exposição, e não meramente seu registro. Seu corpo da obra, das Edições Sesc São Paulo e da Associação Cultural Videobrasil, constitui um retrato do processo de aproximação de Eliasson com São Paulo, incluindo ainda séries fotográficas que retratam pancadas de chuva de verão, lojas de luminárias da rua da Consolação e edifícios públicos que abrigam escolas, museus e centros comunitários. Também há imagens dos experimentos que Eliasson fez com espelhos nas ruas da capital. Tais séries não têm caráter documental, resultando, antes, na investigação que o artista realizou sobre a cidade e sobre as maneiras como ela é percebida e contextualizada – matriz para o desenvolvimento de seu trabalho.

Nascido em 1967, em Copenhague, Dinamarca, Olafur Eliasson vem realizando exposições individuais por todo o mundo como The curious garden, no Kunsthalle Basel, em 1997, The mediated motion, no Kunsthaus Bregenz, em 2001; e Chaque matin je me sens différent - chaque soir je me sens le même, no Musée d’Art Moderne de Paris, em 2002. Ele representou a Dinamarca na 50ª Bienal de Veneza em 2003 e, posteriormente, naquele mesmo ano, instalou The weather project na Tate Modern, em Londres. Take your time: Olafur Eliasson, uma retrospectiva de sua obra, viajou por diversos locais até 2010, entre eles o Museum of Modern Art, de Nova York. A exposição Your chance encounter, realizada no 21st Century Museum of Contemporary Art de Kanazawa, no Japão, em 2009, contou com a obra ao ar livre Colour activity house. Em 2010, Innen Stadt Auben (Inner City Out), no Martin-Gropius-Bau, de Berlim, incluiu intervenções por toda a cidade e também no museu. Fundado em 1995, o estúdio de Olafur Eliasson na capital alemã, onde o artista está hoje radicado, conta com cerca de cinquenta artesãos, arquitetos, geômetras e historiadores da arte. Em abril de 2009, no cargo de professor da Universidade de Arte de Berlim, ele fundou o Instituto para Experiências Espaciais.  

Além das séries fotográficas, Seu corpo da obra reúne textos nos quais o leitor poderá aprofundar algumas questões fundamentais para a compreensão da arte contemporânea. Enquanto a crítica de arte Lisette Lagnado lança, no ensaio “O que torna um espaço produtivo?”, o seguinte desafio: “como interrogar o espaço no âmbito da experiência artística?”, o arquiteto Guilherme Wisnik, em “O dentro que é fora. O outro que sou eu”, se dispõe a analisar a obra de Olafur Eliasson a partir de pares conceituais, como as esferas pública e privada, as dimensões da interioridade e o reconhecimento da alteridade, e as percepções da nitidez e da ambiguidade. A hipótese defendida por Wisnik é a de que, na mão contrária à tendência que parece ser dominante hoje, a arte de Olafur elide essas dualidades, reportando-se a uma terceira dimensão conceitual na qual essas entidades duais, tornadas instáveis, são levadas a trocar de posição constantemente, assumindo as propriedades do seu par oposto. Tal deslocamento, arrisca o ensaio, permite uma aproximação entre certas operações de Olafur Eliasson e alguns aspectos importantes do imaginário artístico brasileiro, presentes tanto no trabalho de artistas plásticos e arquitetos como na organização das cidades.

Já o crítico alemão Jochen Volz, diretor artístico do Instituto Inhotim, de Brumadinho, Minas Gerais, e curador da exposição Seu corpo da obra, realiza uma rica entrevista com o artista dinamarquês, na qual este trata da ligação que há entre obra, experiência, espaço, mente e corpo, pautada por um compromisso de ordem ética. “Acho que isso [o desenvolvimento da arte] tem a ver com o fato de as pessoas estarem aceitando cada vez mais que as questões éticas não podem ser vistas apenas dentro de um contexto reflexivo; elas têm um impacto muito maior quando se conectam ao fazer, à performatividade das coisas”, destaca Eliasson.     

As relações que o artista estabelece com as ideias que sustentam o Sesc Pompeia, o Sesc Belenzinho e a Pinacoteca do Estado – e, de forma menos explícita, mas não menos sensível, com a vertente da arte contemporânea brasileira que supõe a presença de um sujeito co-criador da obra, personificada, sobretudo, por Hélio Oiticica – são o objeto primordial do livro. Primeiro nesse formato editado no Brasil sobre a obra de Eliasson, Seu corpo da obra reúne textos e imagens que aprofundam as conexões geradas no contexto da exposição, expandindo no tempo o efeito daquela experiência. No âmbito internacional, poucos artistas, na última década, conseguem, de forma tão articulada, aliar a noção de conscientização individual e coletiva ao princípio da consciência ética e política no âmbito da sociedade.

 

Veja também:

:: Trechos do livro