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postado em 14/09/2017

Autoengano

Mauro Maldonato. Foto: Dani Sandrini | Sesc
Mauro Maldonato. Foto: Dani Sandrini | Sesc

      


Em Na hora da decisão, Mauro Maldonato mostra que as explicações que damos para eleger determinado curso de ação estão mais para confabulações

Por Reinaldo José Lopes*

 

A ilusão de que somos (ou podemos nos transformar em) criaturas predominantemente racionais, capazes de tomar decisões serenas e informadas a respeito de qualquer assunto, é mais difícil de matar que zumbi de filme B. No livro que você tem em mãos, o psiquiatra italiano Mauro Maldonato, com galhardia e elegância raras entre quem escreve sobre o tema, tenta mostrar por que essa imagem clássica do funcionamento da mente humana muito provavelmente está errada.

Com base numa massa crítica de descobertas feitas nas últimas décadas em áreas do conhecimento tão distintas quanto a neurociência, a psicologia e a economia, Maldonato conta como a capacidade de escolha dos seres humanos funciona de modo completamente diferente do simplório sistema de “álgebra moral” proposto pelo iluminista americano Benjamin Franklin (1706-90).

Em vez de fazer duas imensas listas de prós e contras a respeito de determinado tema, realizar uma complicada operação de subtração e ver qual dos lados ficou com saldo positivo para só então escolhê-lo, nós quase sempre dependemos de um conjunto de atalhos e vieses cognitivos – ferramentas forjadas pela evolução que, durante milhões de anos, permitiram a nossos ancestrais agir, em média, da maneira mais favorável à sobrevivência. O que costumamos chamar de intuição é algo que provavelmente pode ser creditado na conta desses módulos mentais de ação rápida e simplificadora, mas normalmente eficaz.

Isso significa que até o especulador mais desalmado do mercado de ações pode estar fazendo algo muito diverso da simples “maximização da utilidade” quando aposta em (ou contra) determinada empresa. Significa ainda que nossas escolhas morais dependem, ao menos inicialmente, de um sistema de emoções morais inatas, que poucos conseguem fazer emudecer, mesmo quando isso pode ser desejável (como nos eternos debates sobre direitos reprodutivos). Em larga medida, as explicações lógicas e sofisticadas que damos para eleger determinado curso de ação estão mais para confabulações: racionalizações posteriores ao fato que podem ter uma desconfortável semelhança com o autoengano. 

Um último ponto sobre o livro merece ser mencionado: que me perdoem os que não têm vocação para esteta, mas em divulgação científica beleza também é fundamental – e fica ainda mais formosa quando anda de mãos dadas com a clareza. Nas mãos de um filósofo francês pós-estruturalista, o tema de Maldonato correria o risco de virar um amálgama impenetrável de prosa poética; um sujeito que possuísse apenas verve didática faria um serviço decente, mas sem brilho. Maldonato, porém, escreve como um lorde, sem jamais sacrificar o didatismo. Não é pouca coisa, insigne leitor.

 


*Reinaldo José Lopes é repórter de ciência da Folha de S. Paulo. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.
 

Veja também:

:: Improvisação: a revelação do inesperado | Mauro Maldonato parte do universo da música para abordar os processos e percursos, entre o inconsciente e a consciência, envolvidos no ato de improvisar

:: Vídeo

:: Trecho do livro

 

 

 

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