Sesc SP

postado em 25/07/2018

Um enigma olha para mim

Hilda Hilst, 1959. Foto: Fernando Lemos
Hilda Hilst, 1959. Foto: Fernando Lemos

      


Ensaio fotográfico publicado na íntegra no livro Fernando Lemos Hilda Hilst mostra que ainda há muito a se decifrar sobre a misteriosa poeta, homenageada da Flip 2018

 

Hilda Hilst (1930-2004) nunca foi a mais popular entre os escritores brasileiros. Embora desejasse um amplo reconhecimento de sua obra, a verdade é que, desde o primeiro livro de poesias, Presságio (1950), ela já despertava olhares desconfiados dos leitores, não habituados a travar contato com alguém que, embora estivesse no tempo presente, pertencia ao tempo futuro. A fama em uma escala maior, se assim pode-se dizer, só começou a vir aos poucos e, principalmente, após sua morte. Ser a homenageada da 16ª Festa Literária Internacional de Paraty, ocorrida entre 25 e 29 de julho de 2018, é prova disso.

Mas para os admiradores da escritora, o maior presente e a surpresa do momento é o lançamento do livro Fernando Lemos Hilda Hilst, o qual nos leva para uma outra Hilda, para talvez uma maior compreensão dos adjetivos incorporados à sua figura: enigmática, profunda e transgressora. Sem poemas inéditos ou antologia de sua escrita, a publicação é, na verdade, a revelação de um encontro mais do que necessário entre dois artistas sensíveis: a poeta e o fotógrafo português Fernando Lemos, naturalizado depois brasileiro, e hoje com 92 anos.

O ano é 1959 e as fotos, feitas sem qualquer objetivo editorial, ficaram guardadas desde então, sendo uma ou outra apenas publicada posteriormente. Dessa vez, sob o olhar cuidadoso do professor, ensaísta e poeta Augusto Massi – responsável pela organização do material e texto –, o ensaio por completo é revelado pela primeira vez, como um vinho de uma safra preciosa que, por fim, é aberto para apreciação de todos.

Mas curioso é que, se nos habituamos a entender Hilda Hilst por suas palavras ou a ver fotos dela já idosa e com expressões debochadas, Fernando Hilda Lemos Hilst tira o leitor do lugar-comum, pipocando nossa mente com a pergunta a se decifrar: o que Hilda, então com 29 anos, nos conta pelo olhar? O que suas poses com aura hollywoodiana e sensual provocam? O que aquela mulher, pouco antes de romper com o status e hábitos da sociedade da qual fazia parte, quer dizer?

“Acho que, de alguma maneira, as fotos normalmente são associadas ao passado, às memórias. Mas nessas especificamente, o que vê é a Hilda jogando um olhar para o futuro. Tem uma potência em direção ao futuro”, opina Massi. Para ele, o ensaio foi realizado justamente nesse período em que Hilda convivia com as muitas tensões internas entre o que ela era e o que queria ser, e a sensibilidade de Lemos foi primordial para intuir esse movimento de transição e revelar uma artista que, em nenhuma das fotos, aparece em alguma pose convencional ou segurando um livro, por exemplo. “É nessa época que ela faz a aposta mais improvável, que começa a conversar com ela mesma, que rompe, que Hilda consegue ser uma mulher mais livre. E aí ela cria a dimensão de futuro. E o Fernando, de alguma maneira, percebeu isso, foi um encontro muito potente”, conta o organizador do livro. “Penso que um ilumina de alguma forma a trajetória do outro por meio desse encontro, que não precisa ser permanente. É muito fugaz. É um homem e uma mulher dentro de um porão, mas ali há um jogo de verdade. Ele chegou mais perto do caráter enigmático dela. Quis decifrar a Hilda na íntegra, a menina, a mulher, os vários aspectos.”

A potência das fotos e o que ela nos conta ou nos leva a solucionar explica também o apelo que Hilda Hilst exerce no século XXI sobre os mais jovens, seja aqueles que começam a descortinar o universo da poeta, seja os que não conseguem mais desgrudar de suas escritas. “A Hilda agora é uma personagem que ultrapassa a escritora. Mesmo quem nunca a leu ou começa a lê-la já é capturado pelo fascínio que exerce. Os mais jovens carregam o desejo de mudar o mundo, mudar suas próprias vidas e, por isso, quando encontram alguém como Hilda, que como outros artistas adotou um modo de vida diferente, que apresentou uma radicalidade com o trabalho, gera uma adesão imediata. É fascinante que, como era seu desejo, ela tenha conseguido alcançar essa popularidade que alcançou”, conclui Massi.

 

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:: vídeo

:: Por conta do lançamento de Fernando Lemos Hilda Hilst, o professor Augusto Massi participa de um bate-papo no dia 28 de julho, das 16h30 às 17h30, como parte da programação da Casa Edições Sesc (R. Marechal Santos Dias, 43 (R. da Matriz) – Paraty/RJ) durante a Flip 2018. A mesma atividade acontece na 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, desta vez com a presença de Fernando Lemos, no sábado, dia 04 de agosto, às 19h30, no estande Edições Sesc. Confira a programação completa.

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