Sesc SP

postado em 05/06/2020

Para o alto e além

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A humanidade celebra uma nova fase da exploração espacial, e a curiosidade – essencial para o nosso desenvolvimento – nos lança em direção a novas perguntas e, claro, a novas respostas

 

Em 2015, Alberto Manguel lançou um livro chamado Uma história natural da curiosidade, no qual destaca a qualidade do ser humano capaz de alterar os rumos do mundo e da sociedade. Para o escritor argentino, autor também de O leitor como metáfora (Edições Sesc São Paulo), entre outros, “desde que as muralhas das sociedades eram verdadeiras, reais, o indivíduo queria saber o que havia do lado de fora para comparar com o que dispunha dentro e que caracterizava sua forma de viver. A curiosidade permite incorporar algo que não é real graças à imaginação”.

E por falar nesse tipo de curiosidade, o dia 30 de maio de 2020 entrou para a história como a data em que Elon Musk iniciou um novo capítulo na exploração espacial, feita a partir de agora não só pelos governos. Em uma parceria entre a sua empresa, a SpaceX, e a Nasa, a cápsula Crew Dragon levou dois astronautas para a Estação Espacial Internacional, uma missão com duração prevista de até cem dias. A ação faz parte de um plano mais ousado do empresário, que é colonizar Marte; um voo tripulado ao planeta vermelho estaria planejado para o ano de 2024, embora não pareça tão possível.

“Entre animais há aqueles curiosos por excelência, como os macacos, por exemplo, mas, no caso dos seres humanos, o que você chama de curiosidade talvez seja mais apropriado substituir por inventividade e busca por espaço”, diz Ulisses Capozzoli, jornalista especializado em divulgação científica e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo. “Se você pensar toda a história da exploração da Terra, ela praticamente foi concluída com a conquista do polo sul, em 1912. Então, a Terra não tem mais área que nunca tenha sido visitada antes. Assim, essa questão foi transferida para o espaço quando o Iuri Gagarin (1934-1968) se tornou o primeiro homem a voar no espaço, em 1961, e depois tivemos essa corrida entre russos e americanos. Num primeiro momento, nos Estados Unidos e, de certa forma, na Rússia também, quem financia esses investimentos pesados de longo prazo é o Estado. Num segundo momento, quando essas atividades ficam mais consolidadas, entra a iniciativa privada. Dessa forma, a cápsula do Musk, sendo uma iniciativa privada, não é nenhuma inovação, é a sequência de uma prática.”

 


Cápsula Crew Dragon. Foto: Reprodução

 

Mas, deixando de lado o caráter econômico e os embates com a classe científica, a qual vem sendo prejudicada por algumas ações da SpaceX, o lançamento histórico mexeu com a curiosidade de todos os que têm um menor contato com esse tipo de assunto. Também instigou muito a divulgação, no final do último mês de abril, de três vídeos pela Nasa, os quais mostram pilotos da Marinha interagindo com Objetos Voadores Não Identificados (OVINIs). Tais imagens já circulavam há mais tempo na web, mas ganharam um caráter oficial dessa vez.

“Ainda que seja muito associado a discos voadores, a própria sigla OVINI já demonstra que não seja necessariamente um. Se eu tiver um balão meteorológico, que por uma série de razões não foi identificado, é um OVINI. Agora, essa ideia de que estamos sozinhos no espaço é derivada de uma proposta feita pelo astrônomo inglês James Jeans (1877-1946). Ele explicava que o sistema solar era uma singularidade, quase uma questão acidental e que o sistema solar seria único. E ainda que tivesse gente dentro da astronomia planetária dizendo que não era verdade, isso perdurou mais ou menos até 1992, quando foi descoberto o primeiro exoplaneta, ou seja, o primeiro planeta em torno de uma outra estrela que não o Sol. O mais curioso é que esse planeta não habitava uma estrela, mas o pulsar, que é o caroço que sobrou de uma estrela morta. É mais ou menos como se você tivesse uma casa de vidro ao lado de um prédio que foi implodido. Se o prédio foi implodido, como que essa casa de vidro permaneceu intacta?”, conta Capozzoli.

 


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Depois da descoberta desse primeiro exoplaneta, já foram identificados outros dois mil orbitando em torno de outras estrelas, além da existência de mais de duzentas bilhões de estrelas apenas na Via Lásctea. O doutor em ciências também ressalta que a utilização de radiotelescópio é o meio mais confiável de detecção de uma eventual civilização extraterrestre, mas que, até o momento, nada nesse sentido teria sido perscrutado. “Eu, pessoalmente, acho absolutamente aceitável essa ideia de que somos visitados por outras inteligências; podem ser naves automáticas, inteligência artificial, podem ser eventuais alienígenas. Não faz sentido algum a gente achar que estamos sozinhos no universo, isso é uma variação de um velho geocentrismo, não faz sentido estético, lógico.”

A curiosidade, como ação que move o ser humano, é um ponto que cruza os três livros que Capozzoli escreveu para a série Ciência no Cotidiano, das Edições Sesc: o primeiro é Um fantasma leva você para jantar, no qual trata do universo abordando de maneira gostosa e descomplicada cosmologia, a teoria da relatividade e avanços teóricos em escala atômica e subatômica. O segundo chama Uma biografia da água e traz conceitos de astronomia, química, geologia e geopolítica para recontar a história desse elemento essencial fundamental para a existência da vida no planeta. Já o terceiro é A origem e o fim do tempo, no qual ele fala do tema central para entender esse mistério que fascina o ser humano.

FORA DA CAIXINHA

Ainda que estejamos no século XXI, contudo, o obscurantismo se faz presente e o medo daquilo que ao mesmo tempo causa curiosidade afeta a sociedade contemporânea, surgindo pessoas que defendem ideias contrárias àquelas já comprovadas pela ciência – basta analisar o conceito dos terraplanistas. 

“Se você falasse para uma pessoa que nunca viu um avião que um jato que pesa quinhentas toneladas iria voar, ela diria que não. E a tecnociência produz a cada dia transformações radicais em nosso cotidiano que as pessoas são incapazes de acompanhar. Então, para elas, do ponto de vista psicológico, é muito mais interessante se refugiarem no passado, porque ele nos trouxe até aqui e o passado estava certo, era normal. Agora, quando a gente desenvolve uma orelha humana num rato, as pessoas ficam chocadas e a imagem é chocante mesmo. Então as pessoas tendem a se refugiar no passado, a adotar velhas ideias e a tentar se proteger psiquicamente contra o que entendem ser uma desorganização do mundo. E daí não tem limites, falam coisas absurdas. Esses meus três livros [da série Ciência no Cotidiano] são justamente para dar uma inteligibilidade para assuntos que estão no cotidiano, mas que parecem complexos. Foi uma forma de ampliar as fronteiras do pensamento”, conclui o jornalista científico.